Há regras a serem seguidas, direitos que devem ser respeitados… Tudo para garantir a qualidade dos estudos, a confiança em seus resultados e o bem-estar dos pesquisadores e voluntários
por Ana Claudia Machado Urvanegia em 08/11/21 19:13
A pandemia da covid-19 trouxe para o dia a dia do brasileiro a importância da pesquisa científica. Todos os dias os jornais noticiam uma descoberta, pois nunca na História uma única doença foi depositária de tanto investimento e esforço para o desenvolvimento de vacinas e tratamentos. Mas será que está claro o que é a pesquisa?
De forma simplificada, trata-se de uma sistematização para a obtenção de conhecimento sobre um determinado assunto. Para isso, exige métodos e deve seguir regras específicas e rígidas, que garantam que o conhecimento produzido seja válido e aplicável.
Quando o estudo envolve seres humanos, tornam-se necessário alguns cuidados ainda mais especiais. Infelizmente, nem sempre as pesquisas foram feitas de maneira adequada. Muitas delas, como as atrocidades do nazismo, são conhecidas do público e feriram de maneira contundente a moral e a ética.
Moral, vale lembrar, está ligada às atitudes e comportamentos que uma sociedade entende e internaliza como correto. Ética, por sua vez, é um ramo da Filosofia que normatiza, ou transforma em regras expressas, o que esta mesma sociedade julga como moral. Tanto a moral como a ética são vivas e mudam com o passar do tempo e em diferentes lugares.
No campo das pesquisas, não é diferente. É preciso que se respeitem os direitos e a integridade das pessoas que se dispõem a participar dos estudos científicos, levando-se em conta as regras sancionadas naquele momento. Afinal, são esses indivíduos, com sua disposição em se tornar voluntários das pesquisas, que permitem o tão necessário avanço da ciência.
O Brasil é conhecido internacionalmente por ser um país cuidadoso com a proteção de quem aceita fazer parte de pesquisas. Mas, na pandemia, a mídia nos mostrou outro lado dessa moeda, com pessoas usadas como cobaias. Sem ter a sua autonomia respeitada, muitas não puderam escolher se queriam participar de um estudo, sendo involuntariamente envolvidas em projetos que nem sempre tinham o seu melhor interesse como objetivo. O que se viu foi um show de horrores. As vidas dos participantes foram negligenciadas em função de interesses de empresas, governos e pesquisadores que não respeitaram a moral e, muito menos, a ética da nossa sociedade.
O consentimento dos participantes, aliás, é primordial para que um estudo científico possa acontecer. Para tanto, há regras, normas e resoluções emitidas pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), via Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). A Conep, inclusive, é a maior comissão do CNS e regulamenta e organiza todo um sistema de avaliação ética de pesquisas sendo feitas em território nacional.
Embora seja um sistema descentralizado e encabeçado pela Conep, a implementação das regras é realizada localmente, por uma rede que conta hoje com mais de 800 Comitês de Ética em Pesquisa (CEP). Esses comitês, presentes nas principais universidades, centros de pesquisa e hospitais, são formados por voluntários que analisam todos os documentos relacionados aos projetos de pesquisa. A aprovação dos CEPs deve ocorrer antes do início de qualquer estudo e toda mudança de curso precisa ser comunicada e receber uma nova avaliação.
Para que uma pessoa possa ser contatada e convidada a fazer parte de um estudo científico, o pesquisador deve apresentar ao voluntário um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Trata-se de um documento no qual são detalhados os aspectos relacionados à pesquisa, como por exemplo: de que forma será feita; quais os riscos e benefícios em participar; quais os direitos e deveres do participante e quais os meios de contato com todos os envolvidos, caso o participante queira se comunicar com os pesquisadores ou com o próprio sistema de avaliação ética.
Além disso, as instituições onde são feitos os estudos devem criar mecanismos de acompanhamento, uma vez que a responsabilidade pelo cuidado com as Boas Práticas em Pesquisa é compartilhada entre pesquisadores, instituições e patrocinadores. Algumas instituições, como é o caso da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, contam com um Escritório de Integridade Científica, que audita e acompanha os estudos, de modo a garantir que sejam feitos de maneira adequada, tanto do ponto de vista ético, quanto científico.
Uma pesquisa, para ser ética, precisa apresentar um balanço entre riscos e benefícios que seja favorável e respeitar a autonomia dos participantes. Deve, ainda, tratá-los com justiça e equidade, buscando sempre fazer o bem e nunca causar danos previsíveis. Independentemente da premência e urgência em se achar resultados para combater pandemias ou responder prontamente às necessidades que se imponham, a vida, o respeito e o cuidado com os seres humanos devem sempre vir em primeiro lugar.
Anna Davison é antropóloga, coordenadora do Escritório de Integridade Científica da SBIBAE e Ana Claudia Machado Urvanegia é biomédica, doutora em Ciências da Saúde, coordenadora administrativa do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein
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