Ciência Einstein

O protagonismo da pesquisa brasileira durante a pandemia de COVID-19

Apesar da excelência na condução das pesquisas, a comunidade científica brasileira precisa avançar no diálogo com a sociedade

por Luiz Vicente Rizzo em 30/11/21 16:59

O Brasil está apresentando um dos piores desempenhos assistenciais em COVID-19, com uma mortalidade de aproximadamente 2,8%. É verdade que dados pouco confiáveis de países não democráticos ou com grandes populações podem nos tirar da “liderança” neste quesito. Mesmo assim, nosso resultado não é satisfatório e aponta para a necessidade de melhor treinamento dos profissionais de saúde, especialmente dos médicos.

Por outro lado, o desempenho da nossa ciência foi muito bom. Embora tenha havido um deslize ou outro, a comunidade científica brasileira participou ativamente do desenvolvimento das vacinas e foi a primeira a demonstrar de forma inequívoca a ineficiência da hidroxicloroquina e da azitromicina no combate ao SARS-CoV-2.

Também fomos um dos primeiros países a mostrar a utilidade dos corticoides na fase inflamatória da doença, bem como ajudamos na definição de protocolos para cuidar da síndrome de liberação de citocinas, um dos principais causadores de mortalidade nos pacientes acometidos pela COVID-19.

Jaqueline Góes de Jesus, cientista baiana que coordenou a equipe que sequenciou o genoma da covid-19 em apenas dois dias.
Jaqueline Góes de Jesus, cientista baiana que coordenou a equipe que sequenciou o genoma da covid-19 em apenas dois dias. Foto: Reprodução (Redes Sociais)

Faz muito tempo, talvez desde o descobrimento da Doença de Chagas, que o Brasil não tem um desempenho tão relevante e respeitado no cenário mundial de pesquisa na área de saúde. A atuação científica contra a Zika também teve destaque, mas há que se considerar que era uma epidemia no Brasil.

O fato de a pesquisa clínica nacional ter desempenhado bem não chega a ser uma surpresa. O Brasil habitualmente produz dados bastante confiáveis em grandes ensaios, sobretudo em fase III em âmbito mundial. Além disso, as taxas de recrutamento são, de forma geral, muito superiores àquelas observadas nos Estados Unidos e Europa Ocidental. A busca dos grandes patrocinadores de pesquisa por participação brasileira também é grande — e só não é maior por um conjunto de condições que nada tem a ver com a qualidade das instituições e pesquisadores daqui.

Na pandemia, também observamos uma “inversão do fluxo”, no qual centros de pesquisa brasileiros foram procurados pela indústria farmacêutica para atuarem — não apenas como participantes — mas como protagonistas de estudos clínicos. Como resultado, o país teve publicações de alto impacto lideradas por cientistas brasileiros. Vale destacar ainda que o uso de procedimentos virtuais e “descentralizados” em pesquisas clínicas representam importante legado para estudos futuros em outras áreas terapêuticas.

Pesquisa e diálogo

Precisamos entender este sucesso como uma ferramenta para alavancar mais progresso. Os processos regulatórios precisam ser agilizados e emprestar segurança para a pesquisa — que já é uma atividade de risco sem se adicionar nada além da incerteza do conhecimento ainda não adquirido. Aqui vale a máxima: “se só tem aqui e não é jabuticaba, não é bom”.

Não menos importante é o apoio para a atividade científica. Apoio que vem da sociedade, e não de um governo qualquer. Em países democráticos, a sociedade maior é quem decide e demanda do governo. Se os contribuintes entenderem quão importante a ciência é, os impostos que deles se arrecadam serão usados de maneira comensurável.

Soluções são necessárias, e não só em saúde, mas também na agropecuária e no meio ambiente, com as energias renováveis, por exemplo, entre outras áreas de preocupação imediata para o ser humano. E as respostas só podem vir da pesquisa. Obtivemos um aumento significativo nas doações privadas para pesquisa, mas muito disto foi obtido por esforços individuais ou por pressão do momento.

Os pesquisadores precisam estabelecer um melhor diálogo com a sociedade e, neste aspecto, a pandemia foi uma oportunidade que se perdeu. Diferente dos resultados mensuráveis da pesquisa brasileira — que contribuiu para mitigar a catástrofe sanitária mundial de COVID19 —, a comunicação de ciência com a sociedade maior repetiu o que sempre se viu.

Nos meios tradicionais de imprensa, a comunicação manteve o padrão quase que professoral e as tentativas de simplificar geralmente resultaram em maus entendidos. Sem contar no uso das mídias sociais por pessoas sem qualquer formação ou de intenções duvidosas, que ofuscou qualquer tentativa educacional.

Embora seja necessário comemorar o sucesso na condução de pesquisa de excelência, precisamos nos aperfeiçoar no diálogo. Fica a mensagem de que temos conteúdo e qualidade na pesquisa nacional, mas temos que adicionar comunicação.


Quem são Luiz Vicente Rizzo e Otavio Berwanger?

  • Luiz Vicente Rizzo, diretor superintendente do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein e Docente do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Ciências da Saúde, da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein.
  • Otavio Berwanger, diretor da Academic Research Organization (ARO) do Hospital Israelita Albert Einstein.

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