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América Latina, uma região em recessão democrática

A diferença, agora, parece ser que essas cifras já não nos assustam

Em 16/08/23 18:39
por Coluna da Sylvia

Sylvia Colombo nasceu em São Paulo. Foi editora da Ilustrada, da Folha de S. Paulo, e atuou como correspondente em países como Reino Unido, Colômbia e Argentina. Escreveu colunas para o New York Times em Espanhol, o Washington Post em Espanhol, e integra os podcasts Xadrez Verbal e Podcast Americas. Entrevistou a vários presidentes da regão. Em 2014, participou do programa da Knight Wallace para jornalistas na Universidade de Michigan. É autora do "Ano Da Cólera", pela editora Rocco, sobre as manifestações de 2019 em vários países da regiõa. Vive entre São Paulo e Buenos Aires, enquanto viaja e explora outros países da Latam

América Latina

A América Latina vive um período de “recessão democrática”, segundo os números da prestigiada pesquisa Latinobarómetro, recém-lançados. A socióloga chilena Marta Lagos, que coordena o estudo, já vinha apontando essa tendência nas últimas pesquisas.

A diferença, agora, parece ser que essas cifras já não nos assustam, basta olhar o noticiário da região a cada semana: aumento da violência, preferências por soluções mais radicais nas eleições (como na Argentina), assassinatos de candidatos (Equador) e baixo volume de comparecimento às urnas, entre outros aspectos. O documento ainda alerta: “A democracia, muito longe de se consolidar, entrou em recessão, e vai deixando os países vulneráveis ao avanço de soluções autoritárias”, diz Lagos.

A Latinobarómetro é um instituto baseado no Chile e que realiza pesquisas anuais, in loco, em 17 países da região. Neste ano, apenas a Nicarágua ficou de fora, por não ter sido permitida a entrada dos pesquisadores no país. O estudo mostra que 48% dos latino-americanos apoiam hoje a democracia como regime político, o que marca uma diminuição de 15 pontos percentuais nos últimos dez anos.

Outras conclusões que vale a pena observar:

A indiferença dos latinomaericanos sobre que tipo de regime preferem aumentou, foi de 16% no ano passado a 28% neste ano;

A preferência por um governo autoritário ante a um democrático subiu de 13% no ano passado para 17%;

Entre os jovens, são 43% os que apoiam a democracia, já entre os mais velhos, essa cifra cresce para 55%;

Esses números explicam, por exemplo, a ascensão de Javier Milei, na Argentina. Segundo o estudo, “as sociedades latino-americanas estão insatisfeitas, desesperadas por soluções”, daí a escolha por supostos “outsiders”, que com respostas radicais e simplórias prometem resolver os graves problemas do país.

Em 2019, houve protestos em vários países por uma mudança da relação do Estado. Os manifestantes reclamavam por melhores pensões, aposentadorias e melhor educação. Esses protestos foram deixados de lado uma vez que chegou a pandemia do coronavírus. Depois, no chamado pós-pandemia, as demandas de 2019 voltaram renovadas. E esse é o ambiente político que se vive na região. As pessoas estão cansadas dos políticos já conhecidos e suas reivindicações aumentaram com o agravamento da situação econômica e a violência em muitos dos países.

Um fenômeno marcado de nossos tempos parece ser o da popularidade de líderes autoritários, como é o caso do salvadorenho Nayib Bukele, que tem mais de 70% de aprovação e é praticamente um ditador. Tendo avançado contra as instituições, com um Congresso totalmente fiel a ele, Bukele mudou a Constituição e muito provavelmente vencerá o pleito de sua reeleição. O fato de haver cartazes de apoio a Bukele em vários países da região mostra que sua estratégia autoritária é popular não apenas em El Salvador.

Quanto a presidentes democráticos que se mostraram fracos para levar seu governo adiante, se vê a reação popular para que deixem seus postos cada vez mais presentes, como ocorreu com Fernando Lugo, no Paraguai em 2012, com Dilma Rousseff, no Brasil em 2016, e com Pedro Castillo, no Peru, mais recentemente.

O estudo Latinobarómetro nos coloca diante de um espelho. De certo modo, já nos sentimos em uma situação assim. O que ele acrescenta é que os números confirmam nossas sensações e nos dão claridade e números precisos sobre o tempo em que vivemos. Na região, emerge uma geração de eleitores pouco interessados nos processos históricos de seus países, que querem transformações rápidas e querem lideranças novas de pulso firme e que os entusiasmem.

Para onde esses fenômenos levarão a região? Teremos de decifrar isso antes de que seja tarde demais.

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