Nem mesmo estes números escabrosos são capazes, contudo, de levar os principais atores políticos nacionais a construir consenso mínimo
por Creomar de Souza em 04/03/21 08:05
O Brasil segue a passos firmes rumo à liderança global em casos de covid-19. Os mais de mil e quinhentos mortos diários aumentam uma conta que tem a possibilidade real de alcançar meio milhão de vidas ceifadas. Nem mesmo estes números escabrosos são capazes, contudo, de levar os principais atores políticos nacionais a construir consenso mínimo. Longe de um pacto nacional, o horizonte político se apresenta como um grande cemitério não apenas de mortos pela pandemia, mas também de ideias e políticas eficazes.
É verdade que o governo conseguiu colocar aliados na liderança das casas legislativas e que há uma agenda positiva adiante em uma série temas. Nada disso, porém, garantirá a estabilidade e a retomada de uma trajetória de crescimento e prosperidade. Não há saída sem vacinação massiva e rápida, e sem que nossos líderes assumam sua responsabilidade de colocar o interesse coletivo acima de seus objetivos paroquiais. Não há reforma, por mais amigável ao mercado, que funcione se não houver pessoas aptas ao trabalho.
Sob enorme risco de parecer repetitivo, em meio a um momento do ano de 2021 que parece uma refilmagem sombria de 2020, é importante compreender o efeito paralisante desta doença sobre as pessoas e a economia. Enquanto você lê este texto, cidades como Porto Alegre acumulam containers refrigerados cheios de corpos de brasileiros mortos. Os responsáveis são todos aqueles que de posse de um cargo público eletivo assumiram postura de negação da realidade, propagaram notícias falsas, desprezaram a ciência e se omitiram na busca de soluções concretas.
Vejamos a questão da vacina. Dos 27 governadores, apenas um se movimentou no sentido de buscar uma alternativa e pressionar o governo federal. É possível criticar João Doria por vários motivos, mas, no caso específico da vacinação, seu comportamento merece uma menção positiva. E aqui vem a pergunta: onde estavam os outros governadores? Presos em posicionamentos que oscilavam entre o silêncio obsequioso e a submissão inconsequente.
Agora, na iminência de que várias cidades se tornem uma repetição expandida do que vimos em Manaus, surgem aqui e acolá decretos de restrição que se desfazem ao menor sinal de crítica e pressão, e aqui se inclui o próprio governador de São Paulo cedendo às pressões de ocasião. Fazendo um exercício rápido de cenário futuro, é possível visualizar que cada centímetro cedido tem como resultante, mais vidas de brasileiros em perigo.
Este panorama, característico de uma tempestade perfeita, encontra uma reação tímida do sistema político. Em certo sentido, é possível afirmar que os decisores olham para o passado, fala-se de impeachment em 2016, da polarização de 2018. Porém, ao fim do dia, parece haver pouco interesse em olhar o tempo presente e os desafios de um futuro que ultrapasse o próximo ciclo eleitoral. Esse muro cognitivo, que nubla percepções e desvia prioridades, explica por que há mais atores preocupados em cavar buracos do que em erigir pontes.
Este excesso de pás cavando buracos e a consequente ausência de fundações para o edifício civilizatório parecem nos condenar a um momento de trevas. E muito provavelmente, quando a pandemia passar, fruto da vacinação feita a passos de formiga, o confronto com as responsabilidades tenderá a ser jogado em um canto escuro dos salões da história, escondido pelo manto da vergonha e da insensibilidade que tem caracterizado o atual momento político. Se quisermos recuperar nossa humanidade e retomar a vida em bases civilizadas, não podemos deixar que essa tendência se confirme.
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