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Creomar de Souza

O Brasil e os limites de uma cultura de liderança baseada na subserviência

Episódios recentes no Ministério das Relações Exteriores comprovam a existência de ambientes férteis para o “yes-man” no Brasil

por Creomar de Souza em 17/02/21 12:34

Em inglês há uma expressão para qualificar aqueles assessores que concordam sempre com o chefe. É o “yes-man”, o sujeito que sempre diz sim e até se antecipa para expressar opiniões que agradam o superior. Houve um tempo em que esse tipo de atitude era a regra geral, uma espécie de caminho seguro para o sucesso na carreira. Hoje em dia, o “yes-man” seduz pouca gente no setor mais moderno da economia, embora o tipo ainda prolifere em círculos onde a mentalidade de corte subsiste.

Na semana passada, vimos dois episódios no Ministério das Relações Exteriores que comprovam a existência de ambientes férteis para o “yes-man”. O jornal O Estado de S. Paulo teve acesso a telegramas da Embaixada em Washington sobre a campanha eleitoral e seu resultado nos Estados Unidos. O nosso embaixador lá fez relatos insípidos sobre o processo, relatando as alegações de fraude generalizada e a estratégia jurídica da campanha Trump. Até aí, tudo bem. O problema residiu na incapacidade de emitir sequer uma consideração sobre o caráter manifestamente falso de tais alegações ou sobre as chances praticamente nulas de tal estratégia dar algum resultado.

Fachada do Palácio Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores.
Fachada do Palácio Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores. Foto: Leonardo Sá (Agência Senado).

O segundo fato relevante foi o caso de embaixador indicado para a delegação brasileira junto à ONU e em Genebra, que foi rejeitado pelo plenário do Senado. O estopim foi a recusa do indicado a responder a pergunta da senadora Katia Abreu. Alegou que a pergunta versava sobre tema que não é da sua alçada. Disse que não estava “mandatado” para se manifestar sobre como as denúncias de descalabro da política ambiental podem servir de desculpa para minar o acordo Mercosul-UE por parte de setores protecionistas europeus.

O Brasil e a mentalidade de “yes-man”

Tanto num caso quanto no outro, o ímpeto por agradar e o medo de dizer qualquer coisa não previamente chancelada pela chefia retiraram a capacidade dos agentes públicos de desempenhar com eficácia suas funções. No caso do embaixador nos EUA, seus informes deixaram de alertar para alta probabilidade de vitória de Biden e sua irreversibilidade nos dias seguintes ao pleito. Já o indicado para Genebra demonstrou não entender a natureza do jogo no Senado, cuja sabatina não consiste em tomar a lição de um aluno que poderia alegar que a matéria não foi dada em sala para negar-se a responder a um questionamento.

Com um pouquinho de desenvoltura, deixando de lado a mentalidade de “yes-man”, seria plenamente possível dizer à senadora, sem contradizer a política oficial, de que ela tinha razão: o agronegócio brasileiro é o mais sustentável do mundo, alguns interesses protecionistas exageram problemas por interesse próprio e podemos melhorar nossa imagem no exterior.

Não culpemos apenas os personagens que agem como “yes-man”. O exemplo tem de vir de cima. A verdadeira liderança valoriza o pluralismo e a independência de pensamento. Lincoln incluiu no seu gabinete alguns desafetos para ter mais capacidade de governar, o chamado “time de rivais”. Na crise dos mísseis, JFK valorizava os que discordavam, pois isso permitia colocar à prova suas convicções, em prol de decisões mais embasadas. Talvez falte no Brasil esse estilo de liderança.

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