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Creomar de Souza

A Vitória Pírrica da Democracia Brasileira

O Rei Pirro de Épiro legou à história o ensinamento de que algumas derrotas são travestidas de vitórias. E ao pensarmos sobre os últimos dilemas e embates da democracia no Brasil, é impossível não fazer essa analogia

por Creomar de Souza em 12/08/21 13:01

Nos idos da Grécia Antiga, o Rei Pirro de Épiro venceu os exércitos romanos por duas vezes. Essas vitórias, entretanto, custaram caro ao Rei. O resultado das batalhas travadas foi o aniquilamento quase que completo de suas forças, e uma visão mais panorâmica deste momento histórico nos mostra as lições que foram dele derivadas. Sobressaiu-se como espólio de guerra a cunhagem da expressão “vitória Pírrica” que, atualmente, faz referência às derrotas travestidas de vitórias. Esta breve introdução serve para ilustrar uma reflexão importante sobre os caminhos da democracia nacional e suas encruzilhadas.

Ao se fazer o necessário aprofundamento desta reflexão, torna-se lugar comum refletir sobre os acontecimentos das últimas semanas em Brasília. De um lado, pela primeira vez em muito tempo construiu-se uma vocalização quase uníssona por parte do Judiciário contra os arroubos autoritários do Chefe do Executivo. De outro lado, o Legislativo, num misto de acomodação de interesses e reforço de suas prerrogativas, assumiu para si a tentativa de colocar um ponto final nas discussões sobre o voto impresso.

Busto de mármure do Rei Pirro de Épiro, de Carlsberg Glyptotek
Busto de mármore do Rei Pirro de Épiro, de Carlsberg Glyptotek. Foto: Reprodução (Commons)

A vitória dos defensores da urna eletrônica surpreendeu alguns, não pelo fato da Proposta de Emenda à Constituição 135/2019 ter sido rejeitada, mas, sobretudo, pelo número de votos favoráveis ao texto. 229 votos, este é um número importante para compreender os desafios do país e a forma como a polarização política tomou de assalto o debate político nacional. Pressionados por um grupo da sociedade que a cada dia confia menos nas instituições, estes parlamentares assumiram a prerrogativa de que apoiar um projeto bastante peculiar era o melhor caminho para assegurar uma sobrevivência político-eleitoral.

Este movimento de sobrevivência de vários representantes e o impacto de suas necessidades sobre espíritos desacostumados com o pragmatismo da política, permite a construção de um diagnóstico acerca da realidade. E esta se impõe ao permitir o vislumbre de que, em uma situação de guerra, a verdade parece ser a primeira vítima. E, para esclarecimento, é importante lançar um questionamento: qual é a verdade na questão do sistema eleitoral? Em termos de dados e evidências, é possível afirmar que, apesar de vídeos e correntes de WhatsApp, até o presente momento não foram apresentadas evidências concretas de fraude nos processos eleitorais realizados no Brasil desde a implantação massiva do voto eletrônico em 1996.

De toda maneira, todo cidadão politicamente engajado possui o direito de solicitar um aprimoramento do sistema político e das regras eleitorais. O problema, contudo, está no fato de que, em meio a esta solicitação legítima e democrática, há um número considerável de atores que não necessariamente se importam com o aprimoramento das regras do jogo. Ao contrário, preferem que o jogo seja terminado e que o resultado de suas ações permita o avanço de ações e estratégias que nada tem a ver com o aprimoramento do sistema político.

Diante deste cenário de bastante confusão e agressividade, portanto, é natural que ambos os lados comemorem vitória. O ponto, porém, é que diante daquilo que foi visto pela cidadania na noite da última terça-feira, a democracia encarna o papel do Rei de Épiro. Afinal, com a evidente falência da capacidade de uma série de atores institucionais em compreender seu papel e responsabilidade, a marcha de empobrecimento da qualidade das instituições parece ser um curso sem volta.

Ao observar o campo de batalha, que parece manifestar uma breve trégua antes do próximo embate, é possível perceber que o cenário de terra arrasada que empurra os mais pobres ao abismo da incerteza é uma verdade concreta. E diante da insensibilidade daqueles que deveriam colocar as paixões de lado para resolver problemas, corre-se o risco de ver aquilo que importa, a democracia, ser sepultada antes mesmo de atingir sua plena maturidade.


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