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Creomar de Souza

A democracia e o decoro

O diálogo é um instrumento fundamental de resolução de disputas e que estas, por mais agressivas que sejam, não devem assumir nunca uma lógica de erradicação do outro

por Creomar de Souza em 12/05/21 20:10

Em mundo marcado pelo excesso de exposição parece fora de moda falar em decoro. Contudo, quando pensamos na representação política é importante ter em mente o papel do rito e da cerimônia. Explico, a democracia é sobretudo um sistema de crenças, isto quer dizer que os indivíduos depositam sua fé e esperança no diálogo em contraposição a outros sistemas que acreditam na solução arbitrária ou violenta das controvérsias. 

A ideia, portanto, de que o diálogo é um instrumento fundamental de resolução de disputas e que estas, por mais agressivas que sejam, não devem assumir nunca uma lógica de erradicação do outro, tem um efeito importante no restante da sociedade. É possível dizer, que em termos ideais, os cidadãos comuns reproduzem de forma quase mimética os gestos, falas e ações das lideranças políticas. Afinal, a liderança é ao fim do dia um referencial de ação e conduta que efetivamente gera admiração ou outras paixões. 

Ora, a partir desta reflexão é possível fazer uma pergunta acerca de qual o impacto no sistema de crenças e valores dos cidadãos quando representantes eleitos se prestam a violência ou a agressão recíproca e desenfreada. A resposta parece óbvia, porém deve ser repetida, há um espalhamento e uma reprodução da ideia de que determinados tipos de comportamento que deveriam estar no passado são passíveis de repetição. 

E a repetição de uma lógica de desprezo pela verdade, pelo diálogo ou, resumidamente, pela regra do jogo democrático, tem como efeito direto a crença de uma percepção de que a democracia não é espaço de resolução de problemas e sim, o elemento que cria problemas de toda ordem. Essa escalada simbólica autoritária que tem tornado o debate público a cada dia menos profundo e mais polarizado, verdadeiro diálogo de surdos, tem um impacto direto sobre a forma como enfrentamos os problemas desta tempestade perfeita. 

Tenhamos como exemplo os fatos ocorridos durante o depoimento do ex-secretário de comunicação do governo. Durante várias horas, a cidadania observou dois movimentos distintos com raras exceções: de um lado um depoente que efetivamente possuía o compromisso de eximir a si mesmo de responsabilidades e de outro, parlamentares que em determinado sentido mostravam-se pouco afeitos a construção de perguntas incisivas. Diante deste cenário, o fim ou melhor, a interrupção da sessão deu-se em momento em que dois Senadores da República trocaram “elogios”. 

Aos observadores externos, retiradas as paixões que fariam vibrar o apoio da militância a cada dia mais travestida de torcida futebolística, fica a percepção de que o processo de tomada de decisão no país está em franca degradação. A incapacidade de construir consensos, agendas de longo prazo ou mesmo, ações que deem uma percepção de melhoria da vida cotidiana de milhões de brasileiros cobra um preço medido em desemprego e outro incomensurável em termos de vidas humanas. 

O fato é que todo ruído hoje em curso tem passado cotidianamente uma mensagem de que as estruturas decisórias não estão aptas a lidar com a gravidade da situação atual. E ao fazerem isto, os representantes inebriados pela sedução do poder podem estar tendo os olhos fechados para a verdade irrefutável de que é apenas na democracia que o legislativo pode exercer suas prerrogativas de maneira eficaz. A falta de consenso seguirá cobrando seu preço enquanto agendas individuais estiverem frente de uma visão de longo prazo.

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