Contornos futuros da atual ordem internacional dependerão da dinâmica do relacionamento entre EUA e China
por Creomar de Souza em 17/12/20 07:46
Em breve iniciaremos a terceira década do século XXI com muitos imponderáveis no horizonte, mas com pelo menos uma certeza. A ordem internacional erigida no pós-Segunda-Guerra Mundial passa por momento de transição e seus contornos futuros dependerão fundamentalmente da dinâmica do relacionamento entre EUA e China.
A ordem internacional liberal – baseada nas Nações Unidas, no sistema de Bretton Woods e na busca de um regime de comércio multilateral (o GATT inicialmente e depois a OMC), apesar de suas imperfeições, garantiu crescimento econômico extraordinário em alguns quadrantes (o sucesso da China e dos ex-tigres asiáticos estão aí para não me deixar mentir), uma paz relativa (apesar de conflitos diversos, uma nova guerra mundial foi evitada) e algum alívio ao sofrimento dos mais vulneráveis (doença, fome e guerras causaram crises humanitárias, mas a situação teria sido pior sem a ONU, o ACNUR, a OMS, o Programa Mundial de Alimentos, o UNICEF, entre outras instituições multilaterais).
A Guerra Fria acabou gerando paralisia do sistema de segurança coletiva da ONU, já que tanto a URSS quanto os EUA possuíam poder de veto no Conselho de Segurança. Com o fim da URSS, houve um momento passageiro de euforia, quando alguns acreditaram que havíamos chegado ao “fim da história” com a superação da disputa entre modelos ideológicos concorrentes. Foi o momento de supremacia incontestável da democracia liberal, com os EUA à frente do pelotão na condição de superpotência sem par.
Não demorou para que conflitos provocados pelo nacionalismo exacerbado e o fundamentalismo religioso passassem a contradizer, na prática, a bela e também ingênua teoria do fim da história. Não obstante, vários países conseguiram utilizar as regras erigidas no pós-guerra a seu favor, navegando os mares da globalização com maestria, enquanto outros se viram alijados da prosperidade ou tiveram de amargar reorganização de cadeias de valor que deixou rastro de desemprego estrutural, setores industriais ultrapassados e segmentos populacionais desamparados.
Nesse cenário, a China teve um crescimento estrondoso, enquanto os EUA, sem perder seu dinamismo na inovação e na alta tecnologia, viram o emprego da manufatura tradicional minguar, gerando ressentimento em amplos setores do eleitorado. Trump surfou nesse sentimento, prometendo trazer empregos de volta e reeditando uma mentalidade de nova guerra fria em relação ao gigante asiático. Nesse sentido, Trump foi um sintoma, mais do que a causa das tensões da globalização. Contrariamente à rivalidade com a URSS, porém, há hoje uma interdependência econômica entre EUA e China que não havia naquele período.
A julgar pelo consenso bipartidário nos EUA, a China continuará sendo vista como ameaça à liderança política, tecnológica e militar norte-americana. A questão que se coloca é se Biden, ao reconhecer o alto grau de imbricação entre as duas economias, vai buscar uma repactuação relativamente pacífica da relação ou acabará empurrado para o confronto com a China, a exemplo do que promoveu ativamente seu antecessor.
Desse padrão de relacionamento dependerá não apenas os contornos da ordem internacional que se avizinha, mas também as condições estruturais para a formulação da estratégia de inserção internacional do Brasil.
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