A aplicação mecânica de uma regra de compressão de gastos se depara com limites sensíveis. Afinal, o Estado mantém estruturas cujos pisos de gastos não podem ser reduzidos, sob pena de desrespeito aos preceitos constitucionais
por André Roncaglia em 05/06/21 17:30
A regra do teto foi oficializada pela Emenda Constitucional 95, em dezembro de 2016, no recém-iniciado governo Temer. O “novo regime fiscal” limitou a expansão dos gastos correntes à taxa de inflação do ano anterior.
Em 2020, a pandemia obrigou o Congresso Nacional a declarar estado de calamidade. Suspendeu-se a aplicação do teto de gastos e de outras regras fiscais. A decisão de não renovar a medida para 2021, em meio ao crescente contágio da COVID-19, impôs a necessidade de fazer um ajuste fiscal de 8% do PIB em 2021. Com efeito, viu-se a paralisação de diversas funções do Estado, como fiscalização ambiental, a realização do Censo em 2021 e o financiamento dos institutos e universidades federais, dentre outros.
Como quase metade da arrecadação do Estado vem de impostos sobre consumo, a inflação elevou as receitas públicas. Pela regra do teto, nada pode ser feito no lado do gasto – a não ser por meio de escapulidas clandestinas para assaltar a conta única do Tesouro. Este é o caso do “orçamento secreto” de R$ 30 bilhões para a compra superfaturada de equipamentos e insumos agrícolas – blindagem contra o impeachment custa caro.
Sob pressão das circunstâncias, a regra do teto acabou produzindo uma indesejada “austeridade seletiva”, isto é, a seleção arbitrária de despesas que entram debaixo do teto, enquanto outras ficam fora.
Ademais, a regra do teto faz o governo torcer por mais inflação. Por exemplo, a inflação alta em um ano significa maior gasto público no ano seguinte. Neste meio tempo, o Banco Central eleva a taxa de juros para controlar a inflação e acaba onerando mais o serviço de juro da dívida pública. Este gasto não está sob o teto, mas se soma à despesa obrigatória elevada pela inflação passada. Esta combinação eleva o superávit primário necessário para estabilizar a dívida, comprimindo os investimentos públicos. Piora a composição dos gastos públicos. O menor espaço orçamentário reforça a austeridade seletiva.
Em 2021, a combinação de taxa de juros real negativa com inflação mais alta produziu um efeito positivo sobre a dinâmica da dívida pública. A taxa de juros real negativa atenua o crescimento do numerador da razão Dívida/PIB, enquanto a inflação impulsiona o denominador. Mesmo com os déficits combinados de 2020 e 2021, a dívida brasileira deve cair para 87% do PIB. Mesmo com esta melhora no indicador-chave da política fiscal, a regra do teto não permite qualquer descompressão de gasto.
A aplicação mecânica de uma regra de compressão de gastos se depara com limites sensíveis. Afinal, o Estado mantém estruturas cujos pisos de gastos não podem ser reduzidos, sob pena de desrespeito aos preceitos constitucionais.
Um regime fiscal adequado deve avaliar constantemente a qualidade dos gastos, segundo critérios técnicos, alocando recursos nos setores estratégicos do país. Do lado da arrecadação, deve-se reduzir as isenções fiscais que passam de R$ 300 bilhões anuais, sem prazo de validade. Cumpre também avançar uma reforma tributária que alivie e simplifique a carga de impostos sobre as empresas, enquanto distribui progressivamente a renda e riqueza pessoal, por meio do fomento a investimentos produtivos que gerem novos negócios, bons empregos e inclusão social.
André Roncaglia é professor de economia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e pesquisador associado do CEBRAP. Escreveu com Paulo Gala o livro “Brasil, uma economia que não aprende”. Twitter: @andreroncaglia e Youtube: andreroncaglia.
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