Parece-nos temerário tratar da tributação de dividendos no Brasil sem olhar os números relativos à tributação corporativa, revisitando o sistema fiscal como um todo, como é o caso do PL nº 2.337/2021
Dentre as diversas potenciais alterações trazidas pelo Projeto de Lei (PL) nº 2.337/2021 apresentada pelo Poder Executivo Federal, merece destaque a proposta de tributação de dividendos.
Em uma breve retomada histórica, até o ano de 1995, os dividendos distribuídos aos sócios, pessoas físicas ou jurídicas, estavam sujeitos à incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) à alíquota de 15%. À época, ficava a cargo do contribuinte escolher pela tributação exclusiva e definitiva na fonte desses rendimentos ou tratá-los como forma de antecipação do imposto devido na declaração de ajuste anual.
Com a publicação da Lei nº 9.249/95 (dentre outras alterações legislativas), foi introduzida a atual sistemática de isenção de dividendos distribuídos por empresas brasileiras. Conforme exposição de motivos da referida lei, tal movimento tentou promover uma neutralidade da tributação. Afinal, o dividendo é parte dos lucros auferidos pela pessoa jurídica investida, os quais estavam – como de fato ainda estão – sujeitos à tributação integral no nível corporativo.
A alíquota nominal da tributação sobre renda corporativa no Brasil é de 34%, considerando a combinação do imposto de renda pessoa jurídica (IRPJ) e a contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL). Além disso, a receita operacional, que é parte indissociável do lucro da pessoa jurídica, é sujeita às contribuições sociais para o PIS e COFINS, com a alíquotas combinadas de 3,65% (no regime cumulativo) ou 7,65% (no regime não cumulativo), adicionalmente aos outros impostos sobre o consumo que possam ser eventualmente devidos (ISS, que também incide sobre a receita, ou outros tributos sobre valor agregado, como o ICMS, IPI). Para fins de comparação, nos países-membros da OCDE, a alíquota máxima de imposto de renda corporativo é de 32.02% (França), podendo chegar a mínima de 8,5% (Suíça). Além disso, a maioria absoluta (se não todos) desses países não exige um tributo sobre a receita corporativa, cobrando apenas um único imposto sobre valor agregado (IVA).
Vê-se, portanto, que o modelo de tributação da renda brasileiro diverge do modelo geralmente adotado no mundo: no Brasil, como política fiscal, preferiu-se tributar integralmente o lucro da participação societária no nível corporativo, isentando-se o dividendo; nos demais países, preferiu-se a tributação em dois níveis, primeiro no corporativo, com alíquotas mais reduzidas, e o segundo na distribuição do dividendo à pessoa física, com alíquotas mais altas (inclusive como forma de incentivar a retenção e reinvestimento do próprio lucro). Assim, qualquer medida que vise à tributação de dividendos no Brasil deve ser tomada com grande cautela.
Adentrando na análise do PL nº 2.337/2021, a proposta pretende instituir a tributação exclusiva e definitiva na fonte dos lucros e dividendos pelo imposto de renda à alíquota de 20%. Essa tributação seria aplicável independentemente do regime jurídico da sociedade, mantendo-se a isenção apenas para as distribuições de até R$ 20 mil por mês realizadas por micro e pequenas empresas.
Analisando-se a exposição de motivos do projeto, do discurso do governo e outros pares, cogita-se que a não tributação dos dividendos no Brasil representaria uma benesse, especialmente quando comparada aos demais países da OCDE, o que, conforme exposto acima, definitivamente não é o caso.
Dessa constatação decorre uma questão matemática: com um imposto corporativo de 34%, ou de 31,5% (para 2022) e 29% (para 2023 e adiante), tal como sugere o projeto, haveria espaço para se instituir o IRPF sobre dividendo de 20% no Brasil sem afugentar o capital e o investimento para países com níveis de tributação menores? Estaria o investidor disposto a pagar cerca de 45% de tributação sobre a renda produtiva no Brasil, considerando a carga agregada sobre o lucro e dividendo? A resposta parece ser não, especialmente considerando a carga agregada em outros países e a baixa tributação imposta sobre o capital financeiro (15% em média).
Conjuntamente à instituição da tributação dos dividendos, o projeto introduz novas hipóteses de DDL as quais, se verificadas, ensejariam a tributação pelo IRRF sobre o lucro distribuído disfarçadamente. De acordo com a exposição de motivos, está atualização das hipóteses legais de DDL seria uma exigência decorrente da própria tributação dos lucros e dividendos. Tal posicionamento por parte do Poder Executivo só confirma o incontroverso entendimento de que a reinstituição da tributação do dividendo ensejará maior litigiosidade devido ao estímulo às práticas de DDL. Aumentando o custo já elevado de fiscalização e contencioso tributário no país, o que conflita de forma latente com a própria simplificação almejada na exposição de motivos do PL.
Diante dessa constatação, parece-nos temerário tratar da tributação de dividendos no Brasil sem olhar os números relativos à tributação corporativa, revisitando o sistema fiscal como um todo, como é o caso do PL nº 2.337/2021. Espera-se que o Congresso Nacional mantenha o olhar técnico para o problema e não busque soluções simplistas e desesperadas que podem acabar por afugentar o investimento no Brasil.
Tatiana Galvão Villani é Sócia fundadora de Galvão Villani, Navarro e Zangiácomo Advogados.
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