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Mudanças fiscais

Juliana Inhasz: A reforma tributária é inócua?

Os efeitos de médio e longo prazo podem ser perversos: devem afetar diretamente a eficiência, criando desestímulos ao aumento da capacidade produtiva, reduzindo potencial de contratação e criando dificuldades adicionais ao aumento da renda média

por Juliana Inhasz em 04/07/21 12:04

A reforma tributária é tema recorrente na sociedade brasileira. Ela trata da difícil tarefa de definir quem deve arcar com o ônus e quem ficará com o bônus impostos pelo Estado. Desde 1995 o Brasil debate propostas com o intuito de gerar melhoria e eficiência tributária, visando equidade e progressividade, com efeitos que podem ir além da redução do custo Brasil e da diminuição da sonegação fiscal. É o reconhecimento evidente de que um sistema tributário ruim pode prejudicar o desenvolvimento econômico e social de uma nação. E conosco não é diferente.

Algumas possibilidades já foram revisitadas diversas vezes nesses últimos 26 anos, como é o caso da CPMF, que vira e mexe volta a ser tema nas bancadas, dentro e fora do governo. Na atual rodada de discussões, o governo propôs, como novas modificações, a alteração no Imposto de Renda PF (com ampliação da faixa de isenção de rendimentos de pessoas físicas de R$1.903,98 para R$2.500,00), redução na tributação sobre empresas (indo de 15% para 10% em prazo ainda em discussão), e retorno da taxação de lucros e dividendos de empresas. As medidas, no entanto, apesar de estarem alinhadas aos propósitos fiscais, parecem ineficazes para resolver os dilemas brasileiros de curto, médio e longo prazo.

As alterações no IRPF caminham no intuito de corrigir parcialmente a tabela do imposto pela inflação (ainda muito abaixo do prometido pelo atual presidente na campanha de 2018), e devem liberar ao trabalhador parcela adicional de seus rendimentos para consumo e investimento. Uma medida interessante quando queremos recompor demanda num cenário onde há perspectivas mais sólidas de retomada da atividade econômica. No entanto, a medida isoladamente gera perdas para os cofres públicos, e uma necessidade evidente de recomposição de receitas, mantendo o princípio de ajuste fiscal.

A compensação da queda da receita tributária recai, aparentemente, sobre as empresas. Apesar de prever a isenção sobre dividendos de até R$20 mil mensais para micro e pequenas empresas, a redução do IRPJ é mais do que compensada pelo aumento da taxação sobre dividendos. As cargas tributárias para empresas de médio e grande porte podem chegar próximas a 50% em casos não raros. Somados, os efeitos podem gerar distorções nos incentivos de produção para empresas de pequeno, médio e grande porte.

Para as empresas de pequeno e médio porte, o problema recai sobre os incentivos de mobilidade para escopos de produção mais arrojados. Neste caso, seria necessário um salto muito grande em atividade produtiva (e, portanto, lucro) para compensar economicamente a migração de uma empresa para porte maior, cuja tributação será mais elevada. Para as empresas de grande porte, o maior problema recai sobre o desincentivo ao investimento.

Em ambos os casos, os efeitos de médio e longo prazo podem ser perversos: devem afetar diretamente a eficiência, criando desestímulos ao aumento da capacidade produtiva, reduzindo potencial de contratação e criando dificuldades adicionais ao aumento da renda média, dificultando o progresso socioeconômico.

Não há, certamente, um caminho fácil, nem tampouco rápido. A solução para o problema tributário parece ser menos problemática se construída a partir de uma divisão de ônus entre PF e PJ, com vetos a abatimentos de despesas próprias da alta renda, evitando a redução da base de cálculo para esse público. Medidas de incentivo à produtividade e eficiência também serão bem-vindas. No entanto, é fundamental que o governo entenda que toda política gera custos e benefícios. Num país onde praticamente um quinto de suas empresas nascentes não sobrevive ao primeiro ano, ignorá-los pode aumentar o abismo entre quem somos e quem queremos ser.


Quem é Juliana Inhasz?

Juliana Inhasz é doutora em teoria econômica pela Universidade de São Paulo (USP) e professora no Insper.

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