Diversos fatores influenciam o aumento dos preços dos combustíveis, em especial a política de paridade com o mercado internacional e a variação cambial
por Juliana Cavalcanti em 25/10/21 21:40
Com mais um reajuste dos combustíveis anunciado pela Petrobras, válidos a partir desta terça-feira (26), o percentual de aumento dos combustíveis apenas em 2021 alcançou as incríveis marcas de 73% para a gasolina e de 65% para o óleo diesel. Na maioria das capitais o preço do litro da gasolina já ultrapassou os R$ 6 e em algumas já é possível pagar até R$ 7 pelo litro do combustível. O impacto dos sucessivos reajustes pode ser visto na inflação do país – que já chegou aos dois dígitos.
A partir dessa terça, o preço médio de venda do litro de gasolina na distribuidora passará de R$ 2,98 para R$ 3,19, ou seja, um reajuste médio de R$ 0,21. É o segundo aumento só em outubro, quando a gasolina subiu 7,2%, no dia 8. Em relação ao óleo diesel, o preço médio do litro vendido pela petroleira aumentará de R$ 3,06 para R$ 3,34 por litro, um aumento de R$ 0,28. O último reajuste do diesel foi anunciado em 27 de setembro, um reajuste de 8,9%.
O economista Bruno Wanderley Freitas, da Datagro, contextualiza que os reajustes dos combustíveis têm relação com a política de preço de paridade de importação da Petrobras (PPI), que ajusta o preço da gasolina de acordo com o mercado internacional e foi adotado pela Petrobras desde 2016.
“Por que o preço os preços dos combustíveis estão aumentando, especialmente nesse período recente, desde o início da pandemia? Isso vem de um contexto de recuperação do preço do petróleo no mercado internacional, especialmente agora, com retomada da demanda, mas também com a oferta global que continua retida e controlada especialmente pelos países membros da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). Hoje o petróleo WTI está girando em torno de US$ 83, US$ 84, o barril, o maior preço desde meados de 2014”, explica Freitas.
Ele acrescenta que a variação do dólar também influencia no preço final dos combustíveis. “A precificação dos combustíveis no Brasil também é influenciada pela taxa de câmbio. Antes da pandemia, em janeiro de 2020, a taxa de câmbio girava em torno de R$ 4 e hoje estamos com o dólar em torno de R$ 5,70, bastante valorizado. E por que influencia? Por mais que o Brasil tenha se tornado autossuficiente em produção em petróleo, as refinarias foram desenhadas na época da ditadura para refinar o petróleo leve e ele era importado. Então, a capacidade para processar o petróleo pesado é obsoleta e por isso o Brasil ainda importa uma parte dos derivados, de diesel e petróleo leve para compor o processamento das refinarias”, complementa Bruno Farias.
Segundo levantamento realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) a pedido da Federação Única dos Petroleiros (FUP), nos últimos cinco anos (outubro de 2016 a outubro de 2021), o reajuste nas refinarias foi de 107,7% para a gasolina; 92,1% para o óleo diesel; e de 287,9% para o gás de cozinha. A inflação do mesmo período foi de 25,4%, segundo o IPCA/IBGE, enquanto o salário mínimo não teve ganho real e variou 25% abaixo da inflação.
Nos postos de combustíveis, o aumento acumulado em cinco anos foi de 74,1% para a gasolina; de 68,2%, no diesel; e de 84,2%, no gás de cozinha. O botijão de 13Kg do gás de cozinha era vendido em outubro de 2016 por R$ 69,21 no Brasil. O litro da gasolina era vendido a R$ 4,58, enquanto o óleo diesel custava R$ 3,76. O levantamento do Dieese/FUP mostra que o preço médio desses produtos na última semana eram de R$ 101,96 para o botijão de gás de cozinha (subiu 47% em cinco anos); R$ 6,36 – o litro da gasolina (alta de 39%) e R$ 4,98 para o litro do diesel (alta de 32%). O Dieese usou estatísticas oficiais da Petrobras (refinarias) e da Agência Nacional de Petróleo, Biocombustíveis e Gás Natural (postos).
Numa entrevista na manhã desta segunda (25) a uma rádio de Mato Grosso do Sul o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) atribuiu os reajustes dos combustíveis à falta de refinarias no Brasil e sugeriu que as que existem, precisam ser vendidas. “Já vendemos duas refinarias, são 13, se não me engano, pretendemos vender mais, mas vender com responsabilidade. O que a gente precisa aqui? Fazer uma refinaria no Brasil e nós não temos dinheiro para tal, se nós tivermos um preço desajustado com o de lá de fora, o capital externo ou interno não vai querer fazer refinaria no Brasil”, disse, voltando a falar sobre a possibilidade de privatização da Petrobras.
Na avaliação de Rodrigo Leão, coordenador-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), o que está acontecendo é uma mudança na economia internacional que está afetando o preço do barril de petróleo, aliado a um comportamento instável do ponto de vista da economia por parte do governo brasileiro, que gera desconfiança de investidores e influencia na variação cambial do dólar no país.
“Esse aumento é reflexo dessa situação. A gente vive um atual governo que tem uma estratégia clara de desinformação. O mais grave é que a estratégia econômica do governo em várias áreas é de omissão e a justificativa para tudo é vender ativos, privatizar, na expectativa de que entre 5 e 10 anos vão acontecer investimentos. Mas não adianta dizer isso porque não vai ter investimento. Depois das privatizações dos anos 1990, só nos anos 2000 o estado voltou a atuar na economia e do ponto de vista prático, as empresas que entrarem no setor vão continuar vendendo a preço internacional, a não ser que o estado tenha um papel ativo de combater um ciclo de valorização dos combustíveis”, considera Rodrigo Leão.
Leão explica que o sistema de refinarias da Petrobras foi planejado de forma integrada para atender ao mercado brasileiro, com a produção das refinarias se complementando por região. “Do ponto de vista do preço, a gestão da Petrobras é igual a qualquer operadora privada. Essas justificativas são uma forma de o governo desvirtuar o foco do debate e jogar o foco na privatização”, acrescenta, complementando que apenas mexer na cobrança do ICMS também não vai resolver o problema do alto preço dos combustíveis.
“O ICMS é cobrado por alíquota. O imposto sobe sempre que o preço sobe. Uma reavaliação do ICMS elimina uma distorção significativa no preço, mas não vai reduzir o preço. É uma boa medida, mas tem impacto nas contas públicas dos estados. O governo poderia resolver negociando com o Congresso e com os entes interessados, mas não vai fazer isso. Tem uma omissão do governo federal de fazer políticas públicas e até medidas que seriam interessantes, que não resolveriam o problema, mas seriam estruturalmente importantes, são feitas de maneira completamente desarticulada e sem participação dos entes interessados”, completa.
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