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Cultura

Polêmica com imunizantes

Possível compra de vacina anti-Covid-19 por empresas acende polêmica e dilemas éticos

Negociação reacendeu polêmica sobre atuação do setor privado em meio à pandemia

por Rodrigo Borges Delfim em 27/01/21 18:31

Chegada das vacinas de Oxford ao Estado RS
Vacinas de Oxford/AstraZeneca enviadas ao Rio Grande do Sul.
(Foto: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini)

Possibilidade de acelerar a imunização ou uma brecha para furar fila da vacina? A participação do setor privado no processo de vacinação contra a Covid-19 tem despertado debates e dilemas éticos ao mesmo tempo que o Brasil continua entre os países mais afetados no mundo pelo vírus.

Desde o início da pandemia até esta terça-feira (26), o Brasil já contabilizou 8,9 milhões de casos confirmados de Covid-19, com 219.203 pessoas mortas, de acordo com levantamento de consórcio de veículos de imprensa. Nos dois quesitos o Brasil ocupa o segundo lugar na lista mundial, atrás apenas dos Estados Unidos.

Alguns defendem que o setor privado, com seu potencial de investimento, pode agilizar a imunização, e que não seria justo negar a vacina a quem pode pagar por ela. No entanto, outros veem nessa atuação uma brecha para que pessoas que não estão no grupo prioritário de vacinação recebam primeiro as doses.

A articulação com a AstraZeneca

O fato que ajudou a trazer esse debate à luz foi noticiado incialmente pela coluna Painel, do jornal Folha de S.Paulo, no último domingo (24). Empresas brasileiras estão pleiteando junto ao governo federal uma autorização para importar um total de 33 milhões de doses da vacina de Oxford, a mesma que deve ser produzida em breve também pela Fiocruz.

O imunizante é a principal aposta do governo federal no combate à pandemia e é um dos dois que receberam aval da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para uso emergencial no Brasil – junto com a Coronavac.

De acordo com a reportagem, a ideia era que o Ministério da Saúde editasse uma norma descrevendo as condições para que esse ato fosse liberado. Desse total, metade seria doada ao SUS (Sistema Único de Saúde) e a outra metade seria destinada aos funcionários dessas empresas e seus familiares diretos.

Entre as empresas que estariam nesse pool junto ao Ministério da Saúde figuram Vale, Gerdau, JBS, Oi, Vivo, Ambev, Petrobras, Santander, Itaú, Claro, Whirlpool e ADN Liga. As conversas seriam tocadas pela Dasa, grupo que é dono de grandes redes de laboratórios como Delboni Auriemo e Lavoisier.

Depois que a negociação foi revelada, algumas das empresas negaram participação no grupo, enquanto outras afirmaram que deixaram as negociações. O valor de cada dose, estimado em US$ 23,79 (algo em torno de R$ 137) é considerado acima do que está no mercado.

O próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido) confirmou a informação e exaltou a possibilidade de compra de vacinas pelo setor privado durante evento da Credit Suisse, na última segunda-feira (25).

Vacina de Oxford em preparação para ser aplicada.
Vacina de Oxford em preparação para ser aplicada.
(Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Negativas

Em nota, a Dasa informou que está buscando entender a disponibilidade de comercialização da vacina por empresas privadas, mas negou ter qualquer atuação em relação à compra desses imunizantes. “A Dasa nega todas as informações veiculadas sobre compra de vacinas e reitera que não está liderando, nem participando de nenhuma negociação com a AstraZeneca, nem com outros players de mercado”.

Já o laboratório anglo-sueco divulgou comunicado no qual informa não ser possível “disponibilizar vacinas para o setor privado”.

Também questionado sobre esse tipo de articulação, o presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Paulo Skaf, disse desconhecer qualquer negociação do setor com a AstraZeneca.

“Só vamos pensar em comprar vacinas na situação extraordinária em que o fornecedor não queira vender para o governo, o que não é a realidade atualmente. Todos os fabricantes de vacina no mundo querem vender para governos”, disse Skaf.

Por meio de nota, a ABCVAC (Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas)  informou que não comentará nenhum documento que esteja fora do ambiente formal das negociações. “Todas as negociações são desenvolvidas dentro de um ambiente privado e cobertas por Termos de Confidencialidade e todas as estratégias e condições comerciais são discutidas exclusivamente dentro do ambiente legítimo, e cobertas por contratos entre as partes, envolvendo apenas clientes e fornecedores”.

Também procurado pelo MyNews, o Ministério da Saúde não se manifestou sobre o tema até o fechamento deste texto.

Dilema ético e atrasos

Marcio Duailibi, doutor em Saúde Pública pela Fiocruz, aponta que a oferta de vacinas diretamente pelas empresa não é algo novo. Algumas, por exemplo, adquirem imunizantes contra a gripe para aplicar em seus funcionários durante o período de campanha que anualmente é realizado de vacinação contra a doença. Ele também não vê tal questão como uma “furada de fila”, mas como uma preocupação de parte do setor produtivo com a pandemia e seus efeitos econômicos.

“Eles estão querendo pressionar o governo para agilizar o processo. É uma forma de pressão em cima de um governo que já está bagunçado, e as empresas estão sofrendo”.

Já Deisy Ventura, pesquisadora da faculdade de Saúde Pública da USP e especialista em Ética e Saúde Global, aponta que o setor privado deveria dar sua contribuição à sociedade de outra forma em relação às vacinas.

“Os atores econômicos devem exigir um programa nacional de imunização imediato e eficiente. O Sistema Único de Saúde tem larga experiência em imunização e não precisa de ajuda do setor privado, a não ser dessa atuação política firme para que o governo federal priorize a compra de vacinas e insumos de que necessitamos, sem subterfúgios e delongas“.

A pesquisadora acrescenta. “Além de ineficiente, a comercialização de vacinas durante uma pandemia é inconstitucional porque viola explicitamente os princípios da isonomia e da impessoalidade; é antiética, imoral, e deveríamos ter vergonha de estar falando nesse assunto.

Para o médico infectologista Marcelo Otsuka, Coordenador do Comitê de Infectologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Infectologia, o grande problema não é o acesso à vacina por meios privados, mas o atraso do governo brasileiro em quanto aos imunizantes em relação a outros países.

“O que temos de fazer é garantir a vacina para todos, e é nesse ponto que perdemos o tempo certo de negociar com as grandes empresas. O governo perdeu o timing de ter mais vacinas e negociar de forma adequada com os laboratórios.

Em reportagem publicada em dezembro mostrou que a vacinação contra a Covid-19 foi um exemplo da desigualdade existente no mundo. Enquanto alguns países já haviam encomendado junto a laboratórios um total de vacinas que permitiam imunizar mais de uma vez suas populações integralmente, o Brasil ainda não tinha sequer ideia das vacinas que usaria.

O governo federal só anunciou seu plano nacional de imunização em 16 de dezembro, tendo início apenas no último dia 17 de janeiro.

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