Economia

Mercado nacional

Crédito Imobiliário, Cooperativismo de Crédito e o Novo Marco Regulatório

O desenvolvimento urbano brasileiro, acrescido pela jurisprudência nas normas de captação de crédito, impulsionaram uma série de políticas que permitiram uma maior competitividade no setor imobiliário

por Leonardo de Paula Longo em 16/07/21 10:47

O Brasil possuía, em 1920, 30,6 milhões de habitantes, dos quais 83% residiam na zona rural. Somente na década de 1960 é que a população urbana se equiparou à população rural (em 1970, a população brasileira era de 93,2 milhões de habitantes, dos quais 56% residiam nas cidades).

Até 1964, por não haver grande pressão demográfica por moradias nas cidades, o crédito imobiliário no Brasil era praticamente inexistente.

A população brasileira era de 70 milhões de habitantes em 1960 e passou para 207,1 milhões em 2017, e a população urbana, no mesmo período, saltou de 31,4 milhões para 177,6 milhões, havendo acréscimo de cerca de 146,2 milhões de habitantes nas cidades, pressionando de forma significativa a infraestrutura (transporte e moradia) e saneamento urbanos.

A Lei 4.380, de 21/08/1964, criou não somente o Sistema Financeiro da Habitação (SFH), mas também o Sistema Federal de Habitação e Urbanismo, o embrião de todas as futuras políticas de habitação brasileiras e, ainda, o Banco Nacional da Habitação (BNH) que foi, ao mesmo tempo, órgão normatizador e fiscalizador desse novo sistema financeiro, já que o próprio Sistema Financeiro Nacional só foi estruturado depois, por meio da Lei 4.595, de 31/12/1964.

Essa lei estruturou, ainda, a caderneta de poupança e a letra imobiliária como instrumento de captação de recursos para as operações de crédito imobiliário. A letra imobiliária teve papel relevante na captação de recursos, mas com o surgimento de outros instrumentos mais modernos – como os Fundos de Investimento Imobiliário (FII)[1], os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI)[2], a Cédula de Crédito Imobiliário (CCI) e a Letra de Crédito Imobiliário (LCI)[3] e, mais recentemente, a Letra Imobiliária Garantida (LIG)[4] (que se tornou obsoleta e foi extinta pela Lei 13.137, de 19/06/2015).

Por sua vez, a caderneta de poupança caiu no gosto do brasileiro, por ser uma forma de investimento simples e de fácil entendimento e remeter o investidor à ideia de poupar e guardar dinheiro, possuindo, atualmente, duas modalidades: a caderneta de poupança rural – criada pela Resolução CMN 1.188, de 05/09/1986 (já revogada e incorporada aos manuais do Banco Central do Brasil) como forma de proporcionar, ao Banco do Brasil, recursos para financiamento do crédito rural – e a poupança habitacional, que integra o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), atualmente regulamentado pelo CMN, por meio da Resolução CMN 4.676, de 31/07/2018, cuja destinação é o crédito imobiliário.

A expansão do mercado imobiliário demonstra os efeitos da implementação de normas no setor.
A expansão do mercado imobiliário demonstra os efeitos da implementação de normas no setor. Foto: Reprodução (Flickr – com modificações).

A caderneta de poupança conquistou a confiança do poupador brasileiro por ser de fácil entendimento, ter isenção de imposto de renda para pessoas naturais (pessoas físicas) e garantia explícita[5] de fundos garantidores, como o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) e o Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito (FGCoop), além de garantia implícita do Governo Federal (neste caso, muito mais uma sensação de segurança por parte dos pequenos poupadores, que não tem respaldo efetivo).

Para se ter ideia de como a caderneta de poupança realmente conquistou os brasileiros, apesar de seus rendimentos não serem tão atrativos como outros tipos de investimento, ela fechou 2020 com saldo de R$ 1,05 trilhão de recursos, sendo R$ 250 milhões na poupança rural (captada pelo Banco do Brasil, Banco Sicredi e Bancoob) e R$ 800 milhões na poupança habitacional (captada principalmente pela Caixa Econômica Federal, Bradesco, Itaú-Unibanco, Santander, Safra, Banrisul, Poupex, Banpará, BRB e outras instituições financeiras).

Apesar da destinação de cada uma das cadernetas de poupança, a Resolução CMN 3.549, de 27/03/2008, possibilitou que as instituições financeiras captadoras de poupança rural possam destinar até o limite de 10% do seu saldo, para o crédito imobiliário, possibilitando que o Banco do Brasil, o Banco Sicredi e o Bancoob pudessem utilizar parte dos seus recursos de poupança rural em operações de crédito imobiliário, de acordo com o direcionamento estabelecido na Resolução CMN 4.676, de 31/07/2018. Igualmente, as instituições captadoras de poupança habitacional podem destinar até o limite de 10% do seu saldo, para operações de crédito rural.

A Lei 5.764 de 16/12/1971 definiu a Política Nacional de Cooperativismo e instituiu o regime jurídico das sociedades cooperativas – surgidas no Brasil a partir do final do século XIX, sendo a primeira cooperativa de crédito criada em 28/12/1902 com sede atualmente na cidade de Nova Petrópolis (RS) com nome de Sicredi Pioneira RS –, que passou a estimular ainda mais o surgimento de cooperativas como arranjo econômico importante para o desenvolvimento do Brasil. A Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) classificou as cooperativas em 13 ramos, dentre eles o das cooperativas de crédito, que passaram a ser autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil e regulamentadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

Entretanto, as cooperativas de crédito, em sua maioria, se desenvolveram e foram criadas a partir de outros tipos de cooperativas, como as rurais e médicas, apenas para citar dois exemplos. Além disso, o SFH possuía estruturação própria de agentes financeiros vocacionados para atuar com crédito imobiliário, como, no passado, as Sociedades de Crédito Imobiliário (SCI)[6], as Associações de Poupança e Empréstimo (APE)[7] e, mais recentemente, as Companhias Hipotecárias (CH)[8] e a carteira operacional de crédito imobiliário dos bancos múltiplos[9], o que possivelmente explica o distanciamento das cooperativas de crédito do segmento de crédito imobiliário e o fato dos órgãos regulador (CMN) e fiscalizador (Banco Central) não integrar as cooperativas ao marco regulatório do crédito imobiliário.

Assim é que as cooperativas de crédito, embora venham experimentando forte crescimento desde a década de 1990 – atualmente existem cerca de 900 cooperativas de crédito autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil –, só foram permitidas a contratar crédito imobiliário no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) e não do SFH, a partir de 27/03/2009, por meio do artigo 1º da Resolução CMN 3.706, revogada e convalidada pela Resolução CMN 4.676, de 31/07/2018.

As cooperativas de crédito não podiam, ainda, captar recursos por meio de caderneta de poupança[10] ou outros instrumentos (LCI e LIG por exemplo), não integravam nem o SBPE e muito menos o SFH, ou seja, poderiam somente realizar operações de crédito imobiliário fora do SFH e utilizando os instrumentos de captação ligados à securitização de recebíveis imobiliários, os CRI e as companhias securitizadoras, cujo ambiente de taxa de juros (Selic) só mais recentemente passaram a ser favoráveis.

A Resolução CMN 4.676, de 31/07/2018, que consolidou as normas sobre o SBPE, o SFH e o SFI, veio para mudar radicalmente o marco regulatório do crédito imobiliário, permitindo, a partir daí, uma série de mudanças nas normas que deram, às cooperativas de crédito, as mesmas condições de atuação no crédito imobiliário que as demais instituições financeiras.

Por meio dessa Resolução, as cooperativas de crédito puderam realizar, a partir de 01/01/2019, operações de crédito imobiliário no âmbito do SFH, porém ainda não integravam o SBPE e, portanto, ainda não possuíam acesso à captação por meio da caderneta de poupança, mas, ao integrar o SFH, passaram a atender ao único requisito para se tornarem agentes financeiros do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)[11] e, portanto, passar a ter acesso a fontes de recursos adequadas para realização de operações de crédito imobiliário, porém sob regras rigorosas do Conselho Curador do FGTS e de seu Agente Operador, a Caixa Econômica Federal.

A Resolução CMN 4.716, de 25/04/2019, permitiu, às cooperativas de crédito, desde que autorizadas pelo Banco Central, captar recursos por meio de caderneta de poupança rural, o que já indicou o caminho das mudanças normativas que viriam.

A Resolução CMN 4.763, de 27/11/2019 incluiu as cooperativas de crédito no Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) e, desde que autorizadas pelo Banco Central, poderiam captar recursos por meio de caderneta de poupança e, ainda, alterou o artigo 2º, da Resolução CMN 4.598, de 29/08/2017, permitindo que as cooperativas de crédito também possam emitir Letra Imobiliária Garantida (LIG).

Um ponto importante é que a Resolução CMN 4.763, de 27/11/2019, estabeleceu que as cooperativas de crédito, diferentemente dos bancos múltiplos (ou comerciais), não estão sujeitas às regras da Resolução CMN 3.549, de 27/03/2008, que estabelece que captadores de poupança rural podem destinar até o máximo de 10% do saldo de poupança para operações de crédito imobiliário e vice-versa. Assim, as cooperativas de crédito podem possuir poupança rural e poupança habitacional, tornando-as até mais flexíveis no tocante à captação de poupança do que os bancos múltiplos ou comerciais, incluindo aí os bancos cooperativos como Banco Sicredi e o Banco Sicoob, que ainda estão sujeitos às regras da Resolução CMN 3.549, embora esses bancos sejam controlados por cooperativas de crédito, suas centrais e confederações e, portanto, essas cooperativas singulares tanto do Sistema Sicredi quanto do Sistema Sicoob podem se beneficiar do contido na Resolução CMN 4.763.

A Circular BCB 4.000, de 09/04/2020, alterou o artigo 8º, da Circular BCB 3.614, de 14/11/2012, permitindo que as cooperativas de crédito também possam emitir Letra de Crédito Imobiliário (LCI).

Dessa forma, com todas essas mudanças normativas, as cooperativas de crédito podem, agora, competir em igualdade de condições com as instituições financeiras que tradicionalmente operavam no mercado de crédito imobiliário e, assim, oferecer esses produtos, fidelizar seus cooperados e consolidar ainda mais o modelo do cooperativismo de crédito, complementando seu portfólio de produtos financeiros.

Acredita-se que o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central, ao promover essa mudança normativa, tenham por objetivo aumentar a competição no mercado de crédito imobiliário e, com isso, estimular a redução nos custos dessas operações para os consumidores finais, já que as cooperativas de crédito, por não terem finalidade lucrativa e possuírem estrutura operacional mais enxuta e flexível, frequentemente oferecem crédito com custos menores do que as instituições convencionais.


[1] Lei 8.668, de 25/06/1993.

[2] Lei 9.514, de 20/11/1997.

[3] Lei 10.931, de 02/08/2004.

[4] Lei 13.197, de 19/01/2015.

[5] Atualmente até o limite de R$250.000,00 por poupador.

[6] Instituídas pela Lei 4.380, de 21/08/1964.

[7] Funcionamento autorizado pelo Decreto-Lei 70, de 21/11/1966.

[8] Instituídas pela Resolução CMN 2.122, de 30/11/1994.

[9] Os bancos múltiplos foram regulamentados por meio da Resolução CMN 1.524, de 21/09/1988, já revogada e incorporada ao Manual SISORF do Banco Central do Brasil.

[10] O Banco Sicredi e o Bancoob estão autorizados a captar poupança rural antes disso porque são bancos múltiplos e não cooperativas de crédito, embora estejam intimamente ligados a elas, visto que seus controladores são as cooperativas, centrais e/ou confederação.

[11] Resolução do Conselho Curador do FGTS 180, de 05/06/1995 e o Manual de Credenciamento, Cadastramento e Habilitação de Agentes (financeiros, grifo meu) do Agente Operador do FGTS, a Caixa Econômica Federal estabelecem que serão automaticamente credenciamentos como Agentes Financeiros do FGTS as instituições integrantes do Sistema Financeiro da Habitação (SFH).

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Quem é Leonardo de Paula Longo?

Leonardo de Paula Longo é administrador de Empresa e Consultor.

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