Economia

Estrutura complexa

Tributação no Brasil atua como ‘Robin Hood às avessas’ e perpetua desigualdade

Tabela defasada de Imposto de Renda e tributação focada em consumo são alguns desses elementos

por Rodrigo Borges Delfim em 11/12/20 10:33

Com renda em torno de R$ 1.900 mensais, a assistente de departamento pessoal Mayara Marchiori Passos, de São Paulo, está fora das faixas de contribuição do Imposto de Renda. No entanto, mesmo sem ter uma ideia de quanto paga de tributos nos produtos e serviços que consome, sente que sua renda está cada vez mais comprometida.

“Sei que tudo o que compramos tem impostos taxados. E sinto que minha renda está se defasando, por conta da alta dos preços das coisas e dos impostos embutidos nelas”.

A queixa se assemelha à da professora Regiane Bochio, também de São Paulo. Com uma renda mensal de cerca de R$ 6.500, ela já figura entre os que pagam a alíquota máxima de Imposto de Renda, de 27,5%. 

“Minha percepção é que tudo fica mais caro a cada ano e nós nunca recebemos mais. Minha renda é a mesma há mais de 3 anos porque não houve dissídio e, quando há, é um valor irrisório, que não muda nada”, diz ela, que tem uma filha de quatro anos.

Os relatos de Mayara e Regiane são exemplos das distorções geradas pela atual estrutura tributária brasileira. Ela gera uma carga que, no final do dia, onera de forma desproporcional quem recebe menos e tem dispositivos que beneficiam as classes mais altas. E por consequência, atua como um agente prolongador da desigualdade existente no Brasil.

Um estudo realizado pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação) indicou que o brasileiro trabalhou 151 dias somente em 2020 para pagar impostos. A mesma entidade também elabora o IRBES (Índice de Retorno ao Bem Estar da Sociedade), que aponta o Brasil como o local de pior retorno à população entre os 30 países de maior carga tributária no mundo.

Esses e outros fatores fazem da estrutura tributária brasileira uma espécie de “Robin Hood às avessas”.

Manutenção da taxa Selic em 2% é considerada positiva para a economia
Estrutura tributária brasileira é considerada um dos elementos que fomentam a desigualdade no país.
(Foto: Marcello Casal/Agência Brasil)

Carga pesada e complexa

Combinando impostos federais, estaduais e municipais, a estrutura tributária brasileira é uma das mais complexas do mundo. Segundo o Observatório de Política Fiscal, do Ibre/FGV, a partir de dados da Receita Federal, a carga tributária brasileira equivale a 33,29% do PIB. Esse nível é semelhante ao verificado em países de renda superior à brasileira, como Espanha, França, Bélgica e Áustria.

“A estrutura tributária brasileira é extremamente complexa, isso tomando como parâmetro qualquer outro modelo no mundo, pela grande quantidade de impostos e pela insegurança jurídica que isso acarreta”, sintetiza Bruno Carazza, professor do Ibmec e da Fundação Dom Cabral e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental.

No Brasil a tributação ocorre especialmente sobre o consumo. Dessa forma, todos são cobrados igualmente pelo que consomem. O valor pago, no entanto, tem um peso muito maior para as famílias e indivíduos que comprometem a maior parte de seus vencimentos com bens de consumo.

Além dos impostos e taxas sobre consumo, Carazza cita ao menos outros três fatores que levam a estrutura tributária brasileira a ser uma fomentadora de desigualdades.

Um deles é a existência de alíquotas baixas para impostos sobre patrimônio, como IPVA (sobre veículos) e IPTU (que incide sobre imóveis), sendo que as pessoas de maior renda é que tendem a possuir tais bens. Outra é o poder de pressão exercido por determinados setores econômicos sobre o governo, que assim conseguem barganhar isenções tributárias — temporárias ou permanentes — para suas atividades. Ao abrir mão dessas fontes de tributação, o governo acaba compensando a perda de arrecadação com novas cobranças ou aumento das alíquotas já existentes em outras áreas.

Imposto de Renda, um caso à parte

O terceiro fator citado por Carazza, e um dos mais evidentes exemplos de distorção tributária, é o Imposto de Renda. Na configuração atual, pessoas que recebem até R$ 1.903,98 mensais estão isentas. Acima desse valor existem quatro faixas de contribuição, cujas alíquotas vão de 7,5% a 27,5% para quem ganha R$ 4.664,68 ou mais.

Já existiu uma faixa de 35% sobre o IR para quem recebia acima de R$ 10 mil, que foi extinta em 1995.

A ausência de novas faixas de contribuição ou de uma atualização da tabela de IR são vistas como elementos que ajudariam a corrigir as distorções tributárias a partir dessa arrecadação. De acordo com a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), uma nova tabela do Imposto de Renda, com seis alíquotas em vez das quatro atuais, aliada à tributação de lucros e dividendos, poderia gerar R$ 158 bilhões a mais por ano para o Brasil.

“Quem recebe mais de R$ 1 milhão por mês, por exemplo, tem que pagar imposto maior. Você precisa fazer isso para falar em progressividade real do IR. Do contrário, ele é regressivo e está fazendo todo mundo ficar para trás, enquanto o rico continua ganhando mais”, destaca o advogado tributarista Felipe Louzada.

Segundo o Ibre/FGV, o Imposto de Renda foi o item de arrecadação que puxou a carga tributária para cima em 2018.

“A fórmula de tributação no Brasil é errada, alimenta a desigualdade social. O sistema como um todo funciona em prol de quem está em cima da cadeia social”, resume Louzada.

Reforma tributária em pauta

Tentar ao menos dar os primeiros passos para desatar esse nó tributário e criar um ambiente mais propício para negócios é o objetivo da reforma tributária que está tramitando no Congresso Nacional.

Desde fevereiro há uma comissão mista criada para o tema, cujo objetivo é consolidar o texto de duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC): são a PEC 45/2019, do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), que aguarda parecer em uma comissão especial da Câmara; e a PEC 110/2019, que espera apreciação pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

Em julho, o governo também encaminhou à Câmara dos Deputados um projeto de reforma tributária, bem mais simples, focado na criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) resultante da fusão de impostos.

A reforma tributária é vista, ainda que indiretamente, como um elemento fomentador do crescimento econômico, especialmente em um momento no qual o país se encontra combalido em razão da pandemia.

“O objetivo principal da PEC 45 é aumentar o potencial de crescimento da economia brasileira, mas ela tem, sim, um impacto distributivo”, explica o economista Bernard Appy, fundador e diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), além de autor da proposta que deu origem à PEC 45.

Appy cita um estudo feito a pedido do CCiF por Braulio Borges, economista-sênior da LCA Consultores, que estima que o PIB potencial do Brasil pode aumentar até 20,2% em 15 anos caso a PEC seja aprovada.

A tramitação da reforma tributária vem sofrendo atrasos em razão da pandemia e de eventos políticos, como as eleições municipais de outubro e a disputa pela presidência da Câmara dos Deputados. A comissão especial criada para analisar o tema foi prorrogada até 31 de março de 2021.

Carazza vê a reforma tributária em debate no Congresso como um bom primeiro passo para começar a desatar esse nó tributário. No entanto, ressalta que setores que se beneficiam de isenções ou abatimentos fiscais devem fazer pressão para manutenção desses incentivos, ou então obter algum tipo de compensação em troca de vantagens perdidas.

“O problema é que ela [a reforma tributária] justamente mexe com os interesses dos grupos que se beneficiam do caos tributário”.

Enquanto as peças no Congresso não se mexem quanto à reforma, tanto pessoas jurídicas quanto físicas desfavorecidas pela atual estrutura tributária seguem lidando com a situação —e com suas finanças— da melhor forma possível.

“Temos que trabalhar, gastar nossa mão de obra para ter uma renda e o governo fica com parte disso sem fazer o uso correto destinado desse dinheiro”, desabafa a professora Regiane.

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