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Francisco Saboya

A Bomba que Vem do Congresso

O FNDCT, uma das principais fontes de recursos para o apoio à infraestrutura científica e tecnológica do Brasil, pode ser usado para pagamento da dívida pública

por Francisco Saboya em 09/03/21 19:21

No final do ano passado, escrevi aqui nesse espaço que 2020 não havia acabado em pizza para a área de Ciência, Tecnologia e Inovação. Comentava a aprovação, pelo Congresso, de Projetos de Lei essenciais para o progresso do país. Dentre eles, um se referia a Startups e outro ao FNDCT – Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Ignorando a máxima do Barão de Itararé – de onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo – dava como certa e até comemorava a aprovação dos mesmos nas respectivas instâncias.

A situação hoje é a seguinte: o marco legal das Startups (PLP 146/19), aprovado por maioria esmagadora da Câmara dos Deputados em dezembro do ano passado (361 a 66), foi remexido, para pior – e o pior, por unanimidade -, no Senado; e o FNDCT (LC 177/21), aprovado no Senado por 71 a 1 e na Câmara por 385 a 18, foi sancionado com vetos pelo presidente da república. Ambos devem passar por nova apreciação pela Câmara. Pelo visto, os poderes em Brasília não se entendem em relação ao que fazer com o país.

FNDCT é sancionado com vetos do Governo Federal.
FNDCT é sancionado com vetos do Governo Federal. Foto: Reprodução (Agência Senado).

No caso do FNDCT, não são vetos quaisquer. Eles simplesmente atingem a espinha dorsal da Lei. O primeiro veto mantém a possibilidade do Governo Federal contingenciar os recursos do Fundo para usá-los em outras finalidades, como o pagamento de dívida pública, por exemplo. O segundo veda a utilização do saldo de exercícios anteriores para a sua finalidade legal de fomento à pesquisa e à inovação.

O FNDCT é o principal instrumento de financiamento do futuro do país. Mas valor superior a R$ 25 bilhões está retido no Tesouro Nacional para formação de superavit. Esse bolo inclui o contingenciamento de R$ 4,2 bi do ano passado e deve crescer com nova rodada de represamento de gastos já anunciada da ordem de R$ 4,8 bi para 2021 (cerca de 90% da arrecadação estimada para o FNDCT no ano em curso). A situação é tão calamitosa que conseguiu unir semana passada onze ex-ministros de C&T de governos politicamente antagônicos, de Collor a Dilma, em um manifesto-apelo para a retomada dos investimentos e, assim, evitar o colapso iminente do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. 

Para combater mais essa violência contra o país, cerca de 90 entidades, sob a liderança da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, lançaram abaixo assinado endereçado ao Congresso para derrubar os vetos da presidência da república e restaurar a versão originalmente aprovada. (Quem quiser apoiar essa causa, vai aqui). Mas, como reza o dito popular em seus momentos de desalento, nada é tão ruim que não possa piorar. O agravamento da crise sanitária trouxe de volta a necessidade de se restabelecer o auxílio emergencial. A PEC 186/19, aprovada no Senado, libera o governo para gastar até R$ 44 bilhões com o programa de socorro aos mais necessitados, mas impõe a redução de 50%, no prazo de oito anos, dos incentivos fiscais atualmente concedidos, que andam na casa de R$ 300 bi.

Vários segmentos serão impactados, e não há nenhuma garantia de que os recursos do FNDCT não sejam ainda mais afetados nesse ajuste. Num cenário razoável, provavelmente um dos dois vetos entrará como moeda de negociação quando da apreciação da LC 177/21 pela Câmara. Num cenário ideal, a Câmara preserva a versão original do FNDCT e o excepcionaliza dos cortes previstos na PEC 186/19, assim com foi feito, por exemplo, com a Zona Franca de Manaus.

Cabe aqui um comentário derradeiro sobre esta questão. A distinção concedida na PEC ao polo de eletroeletrônicos do Amazonas certamente ajudará as empresas lá instaladas, mas inviabilizará a vida daquelas que estão em outras regiões do país. Como elas perderão progressivamente os benefícios fiscais, perderão também a sua capacidade competitiva frente às demais, recaindo sobre elas o ônus de bancar o ajuste previsto na PEC. De quebra, a medida asfixiará a indústria de TICs nacional, ICTs e polos de tecnologia que há 30 anos se valem dos benefícios da Lei de Informática para gerarem centenas de milhares de empregos qualificados e trazerem alguma perspectiva de futuro para um país nostálgico que se contenta em ter um grande passado pela frente, como alertava o genial Millôr.

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