A população carcerária no Brasil e a discussão do racismo estrutural
por Álvaro Quintão em 18/03/21 21:46
A falta de justiça está enraizada em nossa história. Mesmo antes de leis e códigos serem criados, ela já estava lá, assombrando nossa população tão miscigenada e constituída originalmente por povos de todos os continentes do planeta. E quando falamos sobre direitos humanos no Brasil, em especial sobre a situação da população carcerária, logo essa palavra aparece: a justiça, e inúmeras vezes, a injustiça. Para não falarmos sobre o assunto de uma maneira absolutamente triste e sem esperança, porque a situação está muito ruim e o quadro é, sem dúvida, de retrocesso, recordo dos versos de Gonzaguinha, que diz que “A vida é bonita”.
Há hoje, no Brasil, aproximadamente 800 mil pessoas presas, sendo aproximadamente 70% desse total formado por negros. E esse percentual, nos últimos anos, aumentou em 15%. Ou seja, nosso país sempre prendeu e continua prendendo ainda mais pessoas negras, jovens e pobres – este é o retrato sem nenhum disfarce do perfil dos brasileiros que cumprem pena em nosso sistema carcerário. Sendo assim, para discutir a questão carcerária, temos que discutir o racismo.
Trata-se de um quadro de racismo estrutural e institucional arraigado na sociedade brasileira: a magistratura em seus tribunais; as delegacias; o Ministério Público; Polícia Militar, enfim, os agentes públicos, em um bom número, ou por preconceito ou por absoluto desprezo pela pessoa humana, reproduzem uma série de “erros processuais” que desaguam na prisão dos “suspeitos de sempre”. Um desses erros que se tornou crônico em nosso país é a prisão apenas por uma identificação por foto do suspeito, muitas vezes por uma foto de perfil em uma rede social na internet.
Há inúmeros casos de presos por esse fragilíssimo indício calcado em uma foto, sem qualquer outro tipo de investigação. Com isso, o programa “Justiça para os Inocentes”, da OAB, Grupo 342 Artes e Mídia Ninja, tem provas de que esse tipo de reconhecimento e posterior prisão virou uma triste epidemia em nosso país – epidemia esta que atinge, em cheio, as pessoas negras, jovens e pobres da periferia e da favela.
Nesse caso do reconhecimento apenas por foto, há exemplos tristíssimos de pessoas que sofreram erros cabais por parte da polícia e da Justiça, cujos processos duraram anos e que demoraram a ser soltos (ou sequer foram soltos e ainda estão lá, no limbo). Felizmente, com a pressão das inumeráveis ações da própria sociedade e imprensa, alguns segmentos do Judiciário começaram a acordar para esse desastre social e jurídico que vem ocorrendo.
É por isso que precisamos de ações como a do citado projeto “Justiça para os Inocentes” e outros, tocados por pessoas das próprias comunidades, para se faça cumprir a defesa dos direitos humanos e o combate ao racismo estrutural. A aplicação de cotas raciais em todos os segmentos das instituições brasileiras também é fundamental para mudar esse cenário, registrando que a própria OAB determinou que nas próximas eleições para o órgão, em todos os níveis, pelo menos 30% dos candidatos sejam negros. Registrando, ainda, que a Ordem também está para propor um projeto de lei ao Congresso que proíba a prisão apenas com o reconhecimento por foto.
Em resumo, não podemos desistir ou recuar, principalmente nesse momento em que o país atravessa um período tão complicado e retrógrado, aguçado por uma pandemia. As ferramentas para melhorar a situação e fazer do Brasil um país melhor existem. Vamos, com isso, acioná-las, para que pessoas inocentes possam continuar cantando com prazer os versos de Gonzaguinha.
Álvaro Quintão é Secretário-Geral e Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ.
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