Psicanalista e professor da USP escreve biografia da depressão em novo livro e relaciona enfermidade com o neoliberalismo
por Thales Schmidt em 27/04/21 17:03
Não é com a psicologia ou com a psicanálise que o termo “depressão” ganha força e passa ser assunto de debate, mas sim com a Crise de 1929. A partir de então a depressão, em sua dimensão de sofrimento psíquico, se infiltra e ganha força na sociedade. Este é um dos percursos que o psicanalista e professor da Universidade de São Paulo (USP) Christian Dunker percorre no livro “Uma Biografia da Depressão”, da Editora Planeta.
Para falar da enfermidade que virou protagonista nas conversas sobre saúde mental, a obra remonta aos antecedentes da depressão, como a melancolia e a tristeza, no século XIX, e chega até ao quadro contemporâneo de pandemia e isolamento social. Narrar, regular e descrever as formas de sofrimento, diz o autor, é uma forma de poder.
“Se a gente quer enfrentar os transtornos, a gente precisa necessariamente conhecer e lidar com a história deles. Porque olhando para a história da psicopatologia a gente vai perceber como certos modos de sofrimento aparecem e depois desaparecem, como, por exemplo, a neurastenia antes da histeria, depois a histeria, depois a neurose, depois da neurose as patologias narcísicas, depois das patologias narcísicas a depressão, depois da depressão a anorexia e, mais recentemente, o transtorno de estresse pós-traumático”, diz Dunker ao MyNews. “Essas renomeações falam tanto da coisa em si, como de nós, como da época em que a gente precisa alocar nossos esforços e visibilizar nosso sofrimento e não de outra. Então aqui a gente vê a interveniência da política, na definição de quem, como e para quem vai sofrer”.
Se é com a Crise de 1929 que o termo é posto em movimento, é com o Chile de 1973 que a depressão ganha solo fértil. Após o golpe militar de Augusto Pinochet derrubar o presidente socialista Salvador Allende, o país latino-americano torna-se laboratório das ideias de Milton Friedman e seus “Chicago Boys”. A estabilidade no trabalho e a oferta de serviços públicos, como saúde e educação, são valores colocados em cheque pela nova mentalidade econômica de estado mínimo. É neste novo mundo e novo pensamento econômico que a depressão passa a ser a forma central de sofrimento.
“A depressão nos impacta infiltrando quase que inevitavelmente esse elemento da produtividade, da crise, da improdutividade, da diminuição do consumo, e isso, bom, a gente entende as origens históricas, mas a gente não precisa, e não deve, aceitar todas essas conotações semânticas que vem junto com a palavra”, afirma o professor da USP.
Dunker destaca que a dimensão econômica da saúde mental tem sido cada vez mais enfatizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
O pesquisador do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da USP também afirma que os dados sobre saúde mental no Brasil durante a pandemia de covid-19 são uma “incógnita” e nós desconhecemos as sequelas que o novo coronavírus está deixando na população.
“A gente tem que levar em conta, também, as sequelas neurológicas e psíquicas de quem passou pela covid-19. Quem viu na própria pele a experiência. Muitas vezes essa experiência contrariava crenças, abalava fé, tinha uma dimensão de aumento de conflito familiar, a gente não sabe se o contexto de internação, muitos que passaram por entubação, é uma experiência gravíssima do ponto de vista psíquico, senão neurológico, e a gente acredita que sequelas vão começar a aparecer”.
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