Jacqueline Muniz classifica operação como desastre. Ela aponta que ação poderia ser adiada e que houve erros de procedimento
por Hermínio Bernardo em 09/05/21 10:10
A Polícia Civil do Rio de Janeiro divulgou uma lista com os nomes das pessoas mortas na operação da última quinta-feira (6) no Jacarezinho, Zona Norte da capital. A Polícia corrigiu a informação e afirmou que 28 pessoas morreram, sendo um policial e 27 pessoas que seriam suspeitas. Neste sábado (8), a polícia havia informado que eram 29 mortos.
Uma reportagem do jornal “O Estado de S.Paulo” aponta que um terço dos mortos na operação do Jacarezinho não era alvo de processos judiciais. A Polícia sustenta que todos os mortos eram criminosos, mas não apresentou provas e dados sobre isso.
A Defensoria Pública, a Anistia Internacional, o Supremo Tribunal Federal e até a ONU pediram uma investigação sobre o caso.
O plenário do Supremo Tribunal vai julgar no dia 21 deste mês uma ação que determina que o Estado do Rio de Janeiro apresente um plano de redução da letalidade policial. A ação foi apresentada pelo PSB e por organizações de direitos humanos. O relator é o ministro Edson Fachin que encaminhou o processo ao plenário no mesmo dia da operação no Jacarezinho.
A antropóloga e pesquisadora de segurança pública da Universidade Federal Fluminense, Jacqueline Muniz, classificou a operação como uma chacina anunciada.
“O que aconteceu no Jacarezinho é previsível. É a crônica da chacina anunciada. Nós vivemos de chacina em chacina, de tragédia em tragédia, de prioridade circunstancial em prioridade circunstancial. Toda operação tem que ter uma missão clara e um conjunto de atributos que são previstos pela própria polícia. A polícia tem um protocolo de novembro de 2018 de operações policiais que foi construído por imposição e exigência da sociedade, da defensoria pública, dos movimento sociais, e de todos nós que cobramos”, afirmou.
A pesquisadora critica o uso dessas operações policiais de forma rotineiras.
“Essa operação é um desastre. Com as informações que dispomos, ela não segue qualquer parâmetro técnico, profissional de polícia, da doutrina profissional e concreto do uso de força que valide a tomada de decisão policial, a escolha de ação e a produção de resultados. No Rio de Janeiro, as operações passaram a ser rotineiras, não se faz mais policiamento. Quando o policial atira, todos nós estamos atirando com ele. A começar pelo coordenadores táticos na área de ação, os comandos das polícias, o governador, o Ministério Público que teria que autorizar e todos nós eleitores que não nos perguntamos sobre a capacidade coercitiva que nós delegamos informalmente como um cheque em branco, uma procuração em aberto, que ninguém assina, mas assina no principal poder que a sociedade democrática tem, que é o poder de polícia, de dobrar nossa própria vontade. Como esse poder pode seguir desregulado no país?”, declarou.
Jacqueline Muniz discorda da crítica de que faltou inteligência e preparo. Para ela, o problema é o procedimento.
“Não tem nada de despreparo. Esse é um discurso patético, falar de despreparo e de falta de inteligência. Tem inteligência para entrar no crime, por que não tem inteligência para cumprir a regra? Tem inteligência para ser indisciplinado e descontrolado. Quando é para cumprir direito humano não tem inteligência, pra miliciar tem. Essa operação foi planejada. Se chama operação programada, ou seja, é uma operação sob demanda da própria polícia, do ministério público, do judiciário. Tem um tipo de operação que chama emergencial, que é quando a cidadania chama. Tem uma vida em risco, um sequestro de um ônibus, uma situação trágica e é necessária uma operação porque a vida não pode esperar, não se adia o medo, a insegurança e a incerteza. Essa operações emergenciais não são adiáveis, porque a sociedade é soberana. A operação do Jacarezinho era uma operação programada, portanto adiável. Quem eram os clientes dessa operação? A sociedade? Não. Os moradores de lá? Não. Eram a própria polícia, o MP e o judiciário. É uma bateção de cabeça. Os fins da missão batem cabeça com os meios logísticos de atuação e com os modos de agir da ação. Aí fica todo mundo chocado, estou há mais de vinte anos chocada acompanhando parentes de vitimas diante de tragédias de operações policiais. E eu posso dizer para você: não é um problema do direito penal, da constituição. É um problema de natureza administrativa procedimental. É um problema de procedimento”, explica.
A pesquisadora também critica a comparação entre a morte do policial com as demais pessoas que seriam suspeitas, de acordo com a polícia.
“A ideia de fazer uso da morte de um policial como justificativa é uma impostura. Porque quem matou aquele policial foi um planejamento incompetente, um planejamento para sustentar uma operação que não era razoável de ser feita. Teve erros de planejamento, erros de condução. Os resultados são passíveis de aferição. Eu quero saber qual foi a taxa de tiro, de êxito por policial e por tipo de armamento, eu quero saber qual foi o suporte logístico colocado, qual era a dimensão de superioridade numérica e logística na operação. Eu quero os dados reais. Não vou ficar só chorando porque as pessoas já perderam seus parentes. Eu quero externar minha solidariedade à família do policial morto e também dos cidadãos que foram mortos. Não me interessa se eram suspeitos ou não. Portanto, é um fiasco, é uma vergonha, tão vergonhoso que não conseguem demonstrar quais são os parâmetros técnicos e táticos, profissionais de polícia, e ainda gastam um recurso caro. Quero saber quanto custou”, declarou.
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