Saiu em boa hora uma reimpressão do livro "Autobiografia: o mundo de ontem. Memórias de um europeu", do grande escritor austríaco Stefan Zweig (1881 - 1942).
Saiu em boa hora uma reimpressão do livro “Autobiografia: o mundo de ontem. Memórias de um europeu”, do grande escritor austríaco Stefan Zweig (1881 – 1942). Nascido no seio de uma rica família de empresários judeus na Viena imperial, Zweig tornou-se um intelectual de grande projeção, no auge do Império Austro-Hungaro. Viena era então uma cidade cosmopolita onde simultaneamente Freud desenvolvia a psicanálise, Ludwig von Mises criava novas fronteiras no estudo da Economia, Wolfgang Pauli e Erwin Schrödinger desenvolviam a física quântica, Karl Popper trabalhava sua teoria do conhecimento, Konrad Lorenz desenvolvia uma nova ciência, a Etologia, e assim por diante.
Esse mundo de Stefan Zweig, que era um pacifista, desapareceu praticamente da noite para o dia. Ele se viu privado de seus bens, de sua nacionalidade, de sua terra natal. Viena se tornou uma cidade irrelevante depois que foi controlada pelos nazistas, em 1936. Freud se exilou na Inglaterra. Mises nos Estados Unidos. Schödinger na Irlanda. Pauli nos Estados Unidos. Popper na Nova Zelândia. Lorenz terminou preso pelo Exército Vermelho e amargou quatro anos de prisão na União Soviética. Zweig veio para o Brasil, onde escreveu em 1940 o livro “Brasil, País do Futuro”. Mas o desaparecimento de seu mundo terminou cobrando um alto preço e, em 1942, na cidade de Petrópolis, ele se suicidou juntamente com sua esposa.
Em 2022 muitos brasileiros também sofrem com o desaparecimento de seu mundo. Aos poucos fomos perdendo aquilo que nos identificava como brasileiros e nos projetava no mundo. Onde estão escritores do quilate de Guimarães Rosa ou de Gustavo Corção? Como nossas aprazíveis cidades de interior se tornaram palco de um cangaço moderno, com assaltos e violência? Onde encontramos um Villa Lobos? Ou um filósofo da estatura de um Miguel Reale? Ou um sociólogo da importância de Gilberto Freyre. E o que dizer dos políticos? Com quem contamos hoje, cujo valor seja comparável a de um Afonso Arinos, um Carlos Lacerda ou um San Tiago Dantas? Talvez a perda que mais nos sensibilize seja a dos poetas. Não temos mais um Drummond, um Manoel Bandeira ou um Mário Quintana…
O Brasil de hoje se transformou num grande baile Funk, governado por políticos que cultivam os piores traços de Odorico Paraguaçu. Nosso mundo intelectual vive em anemia profunda. A Amazônia inteira corre o risco de se tornar um “mundo de ontem”, junto com outros biomas, como o cerrado. Vivemos em nossas casas atrás de grades, muros altos, com arame farpado e guaritas de segurança. Quem pode, manda seus filhos estudar no exterior.
É terrível constatar que a Áustria de Stefan Zweig nunca mais voltou a ser a mesma. Resta-nos a esperança de que somos o país do futuro, na visão de Zweig.
*Cândido Prunes é advogado, pós graduado em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo e no programa executivo de Darden – Universidade de Viriginia, é autor de “Hayek no Brasil”.