Movimento pró-impeachment de Jair Bolsonaro ocorre em um espectro social difuso, sem poder efetivo de influência econômica ou política
Em 24/01/21 19:52
por Mara Luquet
Jornalista, fundadora e CEO do canal MyNews, considerado pelo Google referência mundial em jornalismo no YouTube. Foi colunista de finanças pessoais da TV Globo e CBN, editora do Valor Econômico e criadora do caderno Folhainvest, da Folha de S.Paulo.
Foi no Segunda Chamada do dia 21 de janeiro, programa da grade do MyNews que vai ao ar toda segunda-feira, que a deputada Janaina Paschoal, apoiadora do presidente Jair Bolsonsaro, reconheceu que está se formando um “caldo de cultura para o impeachment do presidente”.
E o caldo engrossou ao longo da semana que se seguiu, até chegarem as pesquisas de opinião que mostraram que o apoio ao presidente está caindo.
Nada que se pareça com o que aconteceu com Collor e Dilma, os dois presidentes impedidos de completar seus mandatos por responderem a processos de impeachment no Parlamento que chegaram a ter menos de 10% de popularidade às vésperas do início do processo. O mesmo Datafolha mostra que pesquisa feita nos dias 20 e 21 de janeiro indicou que apenas 42% defendem o impedimento do presidente.
Mas a verdade é que a possibilidade de um processo de impeachment entrou para o radar dos estrategistas de investimentos, porque se há uma coisa que impacta os preços dos ativos – juros, câmbio e ações, só para ficar no trivial – é mudança de governo.
“Não haverá impeachment. Para o centrão, quanto mais acuado estiver Bolsonaro mais fácil será arrancar cargos e sinecuras”, avalia Jorge Cimino, um dos mais experientes gestores de investimentos do país e que vivenciou os processos anteriores de impedimentos de presidentes.
Não está sozinho entre os estrategistas de investimentos. Eles começam a colocar a possibilidade em seus cálculos, mas não acreditam que haja força suficiente para o impeachment de Bolsonaro. Por quê?
Porque impeachment é um processo político com algum pretexto jurídico. “Não vejo entre os atores políticos interesse em mergulhar num processo desse”, diz ele. “Pense: O Congresso tem interesse nisso? Os empresários têm interesse nisso? Tem povo nas ruas? A grande imprensa tem interesse nisso? As Forças Armadas têm interesse nisso?”.
O Datafolha mostrou que 71% dos empresários são contra o impedimento do presidente. E, você sabe, “Money talks”.
Além disso, há uma corrente que acredita que a classe política teme mais Mourão no poder que Bolsonaro. O Presidente tem se mostrado um desequilibrado na presidência. Na verdade, isto não deveria ser surpresa dada sua atuação na Câmara dos Deputados. Já Mourão é um general de 4 estrelas, reacionário, mais perigoso que Bolsonaro na avaliação de alguns. Desde o início do governo já se falava que Mourão era a “apólice de seguro contra um processo de impeachment”. Segundo esta corrente, mesmo para políticos da esquerda, o movimento de impeachment seria direcionado, na verdade, para enfraquecer e desgastar Bolsonaro até 2022 e não para tirá-lo já da presidência.
A conclusão a que se chega é que o movimento pró-impeachment ocorre num espectro social difuso, sem poder efetivo de influência econômica ou política. Uma parcela da sociedade exausta com as sandices de Bolsonaro, com seu total despreparo para enfrentar emergências como a pandemia, por exemplo.
Ironicamente, a pandemia, que tanto desgaste lhe causa, também o protege, pois impede potenciais manifestações populares de oposição ao seu (des)governo.
Aparentemente, nos partidos de esquerda, não reverbera a tese de usar o impeachment de Bolsonaro apenas para desgastá-lo até 2022. Segundo Guilherme Boulos, “esta tática parte do (João) Doria e do (Rodrigo) Maia. Falar em impeachment para desgastar o Bolsonaro, mas não levar adiante porque para eles interessa tê-lo no extremo e fazer o discurso de dois extremos. Porque é só isso que permite um cara como Doria se apresentar como moderado ou como centro ou qualquer coisa assim”.
Boulos – que, depois da eleição para prefeito de São Paulo, firmou-se como um nome a ser ouvido na formação de uma eventual frente de esquerda – lembra que “Mourão, por mais que seja mais estrategista que Bolsonaro, não tem um décimo do apelo popular do Presidente”. E reconhece: “há limitações para o avanço do impeachment tanto no número de parlamentares favoráveis quanto na dificuldade de ir para a rua pela gravidade da segunda onda da pandemia”.
E ele tem sua razão. Pode-se adicionar a este quadro o fato de que Bolsonaro conseguiu incorporar os sentimentos e valores dos policiais civis e militares e até de milicianos, alimentado por uma perspectiva belicista. O conjunto desses valores encontra uma encarnação, uma liderança, uma expressão política em Bolsonaro. Essas reflexões foram feitas por Luís Eduardo Soares, ex-secretário nacional de segurança, no programa Diálogos do canal MyNews, que vai ao ar às quartas-feiras.
Ainda é cedo para cravar quais serão os candidatos à presidência em 2022. Mas as conversas têm que começar já para que surjam um ou dois nomes competitivos. Um processo análogo ao que resultou na escolha de Tancredo Neves em 1984. Em que pese aquela eleição ter sido indireta, a analogia fica por conta da construção da aliança para derrotar Paulo Maluf (um querubim se comparado à Bolsonaro).
E, por fim, pergunto: que papel caberia a Lula na eleição presidencial de 2022? Permitiria que o PT fizesse parte de uma composição de partidos de esquerda? É difícil crer nessa hipótese, uma vez que o PT ainda aparenta adorar Lula Pai, Lula Filho, Lula Espírito Santo. Por sinal, Bolsonaro conta com isto.
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