Cenário reflete a complexidade e a fragmentação do eleitorado paulistano, que vem demonstrando uma crescente inclinação ao populismo
por Deysi Cioccari em 03/09/24 15:54
Candidatos à Prefeitura de São Paulo Ricardo Nunes (MDB), Guilherme Boulos (PSOL) e Pablo Marçal (PRTB) | Fotos: Vitória Vitorino / Vitória Vitorino / Vitória Vitorino
A pesquisa de intenção de voto Real Big Data, divulgada nesta terça-feira (3), revela um cenário de empate triplo entre Guilherme Boulos (PSOL), Ricardo Nunes (MDB) e Pablo Marçal (PRTB), que disputam a Prefeitura de São Paulo. O cenário reflete a complexidade e a fragmentação do eleitorado paulistano, que, em consonância com as tendências nacionais, demonstra uma crescente inclinação ao populismo.
O fenômeno do populismo, conforme analisado por autores como Cas Mudde e Cristóbal Rovira Kaltwasser, tem se consolidado como uma força política significativa no Brasil, representando uma resposta a sentimentos de exclusão e insatisfação com as elites políticas tradicionais. Ou seja, o velho antissistema com roupagem nova. Marçal, que emergiu como uma figura central nesse contexto, tem capitalizado sobre essas emoções de maneira eficaz, utilizando um discurso que mescla religião e crítica ao establishment, características típicas do populismo contemporâneo.
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Adepto de uma estratégia similar a que Jair Bolsonaro utilizou com sucesso em 2018, Pablo Marçal representa uma nova encarnação do populismo de direita no Brasil. Sua campanha, baseada em um discurso fortemente antissistema e com apelos religiosos, tem encontrado eco em uma parcela significativa do eleitorado paulistano, que se identifica com suas críticas às elites e às instituições tradicionais.
O populismo é frequentemente uma resposta à crise de representação e à incapacidade das instituições em responder às demandas populares. Marçal soube explorar esse vácuo político ao se posicionar como o “outsider” que promete romper com a velha política. Nada de novo, mas sempre novo.
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O cenário eleitoral em São Paulo também reflete a natureza plural e heterogênea da cidade, em que diferentes segmentos da população se identificam com propostas políticas diversas. Enquanto Boulos mobiliza uma base progressista e Nunes se apoia no pragmatismo da administração pública, Marçal atrai um eleitorado que busca renovação e mudança radical, mesmo que isso signifique abraçar um discurso polarizador. A ascensão de Marçal pode ser compreendida à luz do que Pierre Ostiguy define como “alto e baixo” na política, onde Marçal representa o “baixo”, caracterizado pelo apelo popular, emotivo e moralizador contra as elites representadas por seus adversários.
A persistência do empate nas pesquisas reflete, portanto, não apenas a competitividade da corrida eleitoral, mas também a falta de consenso entre os eleitores sobre qual direção a cidade deve seguir. A teoria da escolha racional, como discutida por Anthony Downs, sugere que os eleitores tomam decisões baseadas em uma avaliação calculada de benefícios e custos.
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No entanto, o voto em Marçal parece transcender essa lógica, sendo motivado por fatores emocionais e identitários, o que é típico do comportamento eleitoral em contextos de populismo. Marçal, ao se posicionar como a opção que desafia o status quo, conseguiu capturar a imaginação de uma parcela do eleitorado que está insatisfeita com as alternativas convencionais.
Finalmente, o cenário de empate triplo na disputa pela prefeitura de São Paulo destaca a volatilidade do voto paulistano e a complexidade das alianças políticas na cidade. A tendência crescente do populismo, tanto à esquerda quanto à direita, sugere que o eleitor paulistano está cada vez mais cético em relação às promessas da política tradicional e mais propenso a apoiar candidatos que oferecem visões de mudança radical.
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A habilidade de Marçal em se manter competitivo em um ambiente tão polarizado e fragmentado reflete não apenas a eficácia de sua estratégia populista, mas também uma mudança mais ampla na dinâmica política brasileira. É nítido que o populismo se tornou uma ferramenta poderosa para canalizar o descontentamento popular.
Apesar da intensa disputa entre os principais candidatos à prefeitura de São Paulo, um ponto crucial que tem sido negligenciado é a apresentação de propostas concretas para enfrentar os desafios específicos da capital paulistana. Isso foi, infelizmente, visto mais uma vez no debate do MyNews e da TV Gazeta. Os candidatos distorcem análises e fatos para que seu ponto de vista seja corroborado, e a verdade virou questão de agenda política.
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A cidade, com sua complexidade econômica, social e cultural, demanda soluções que vão além de discursos populistas ou slogans de campanha. Mas não adianta. O debate público tem sido dominado por narrativas polarizadoras e ataques mútuos, sem que se estabeleça um diálogo profundo sobre as políticas necessárias para lidar com questões como a mobilidade urbana, a desigualdade social e a crise habitacional.
Esse vazio programático revela não apenas a superficialidade das campanhas, mas também uma crise de representatividade, em que os candidatos parecem mais interessados em capitalizar sobre as emoções e medos do eleitorado do que em oferecer visões sustentáveis para o futuro da cidade. E o eleitorado, como demonstram as pesquisas, adora.
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O complexo problema da representatividade em São Paulo é agravado pela ausência de diálogo entre os diferentes segmentos da sociedade e os candidatos. A cidade, marcada por uma diversidade extrema, exige que os candidatos estabeleçam pontes com comunidades variadas e que compreendam as necessidades de diferentes grupos sociais. No entanto, a falta de propostas claras e o foco em discursos simplistas têm alienado uma parte significativa do eleitorado, que não se sente representada por nenhum dos candidatos.
Essa desconexão reflete o que Pierre Rosanvallon descreve como uma crise da democracia representativa, em que a política deixa de ser um espaço de mediação entre as demandas populares e a ação governamental e se transforma em um campo de disputa de narrativas sem substância. A ausência de diálogo e de um verdadeiro compromisso com a resolução dos problemas da cidade coloca em risco a capacidade da próxima gestão de governar de maneira inclusiva e eficaz, perpetuando a insatisfação e o ceticismo do eleitorado.
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