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OPINIÃO

Comandantes das polícias militares não podem dar de ombros. Possível leniência também poderá ser considerada crime

Politização nas PMs já ocorre há anos. Somente em 2018 houve um aumento de 391% nas candidaturas de policiais militares para o Congresso Nacional. A pergunta é o que se pode fazer?

por Luiz Alexandre Souza da Costa em 18/10/21 11:17

O apoio ostensivo de coronéis da ativa e inativos das polícias militares à manifestação de 07 de setembro próximo, fomentada pelo presidente Jair Bolsonaro, com o único intuito de demonstrar força contra as instituições e reforçar suas ameaças golpistas, acendeu a luz vermelha para políticos e analistas. Parece que, finalmente, houve uma conscientização de que um risco muito mais imediato do que tanques fumacentos nas ruas, seria a instrumentalização das PMs e sua utilização como milícias armadas.

E essa possível utilização de milícias, por sinal, sempre ficou clara no discurso de Bolsonaro, que estimula a compra de armas por seus seguidores diuturnamente, com o sofismo de que, assim, poderiam resistir a ações contra o que ele entende como restrições às suas liberdades. Felizmente – para a democracia –, poucos brasileiros têm condições financeiras de comprar armas, mesmo com todo o tipo de facilitações implementadas por decretos presidenciais nesse sentido.

Noutro giro, se os seguidores comuns de Bolsonaro não serão a grande força miliciana que ele gostaria de ter para subjugar as instituições e a democracia, há um grupo de indivíduos, em sua maioria crentes e fiéis apoiadores das ideias do presidente, que além de já possuírem armas de fogo e o porte para andarem armados, ainda têm larga experiência em como utilizá-las. E esse exército paralelo, cujo efetivo é maior do que o das três Forças Armadas juntas, são os militares dos estados (PMs e bombeiros).

Segundo dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), de 2019, só o efetivo militar dos estados, na ativa, é de 480 mil pessoas, o que correspondente a 1/3 a mais do que o efetivo dos militares da ativa das Forças Armadas, que somam em torno de 350 mil. Se contarmos os militares estaduais inativos, chega-se a uma quantidade de 750 mil indivíduos.

Importante destacar que, em relação às Forças Armadas, elas são compostas em sua maioria por militares temporários. Como exemplo, o Exército tem a previsão, no Decreto 10.575/2020, de 74,62% de seu efetivo nessa categoria temporária. Consequentemente, esses sujeitos não possuem armas particulares, ficando restritos ao uso do armamento estatal. O que já não ocorre com os militares estaduais, principalmente policiais, os quais, quase sempre, possuem uma ou mais armas de fogo próprias.

Estão certos, portanto, as elites políticas e os analistas de se preocuparem com sublevações das polícias militares. Até porque, ao olharmos o caso da Polícia Militar de São Paulo, considerada como uma das mais profissionais e disciplinadas do Brasil, as declarações perpetradas pelo coronel Aleksander Lacerda, atacando o governador do seu estado, autoridade máxima a qual é subordinado por regulamento, bem como outras autoridades civis, demonstra o quanto o bolsonarismo está destruindo internamente as estruturas das instituições mais sólidas.

Entretanto, claro que nenhuma instituição é monolítica, ou seja, nem todos os seus membros têm o mesmo pensamento. Nem na ditadura militar isso ocorreu, como bem demonstrado pelo expurgo de militares contrários ao regime ou os atentados, ao seu final, que buscavam impedir a abertura política, levada adiante pelo próprio governo militar.

Porém, não é preciso, nas PMs, uma unicidade de ideias para que possam ocorrer levantes, já que estes são históricos e até mesmo frequentes. Em pesquisa realizada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, entre 2007 e 2017, houve 53 greves realizadas pelas polícias militares no Brasil.

Dessa forma, basta que os bolsonaristas mais radicais, sobretudo oficiais de alta patente, como o caso do Coronel Aleksander, seus colegas inativos ou mesmo militares em cargos eletivos (com imunidade parlamentar), incitem e aliciem a tropa o suficiente – utilizando a verborragia usual e bombástica da vitimização policial, do comunismo, da ameaça do esquerdismo para as PMs etc – para que ocorra, em um maior ou menor grau, casos de sedições. E isso claramente já está acontecendo.

Assim, não cabe mais discutir sobre uma possível politização nas PMs ou se é crível, ou não, um movimento desses militares contra a democracia. Essa politização já ocorre há anos, com o aumento, eleição a eleição, do número de candidatos para cargos eletivos. Somente entre 2010 e 2018, houve um incremento de 391% nas candidaturas de PMs para cargos no Congresso Nacional, culminando com uma expressiva representação eleita no pleito de 2018. E as insurgências nessas instituições, como mostram os números, já são corriqueiras, apesar de, até agora, serem em busca somente de melhoras salariais.

A pergunta que nos surge, após esse cenário, é o que se pode fazer? A primeira solução seria, de pronto, as Forças Armadas, sempre representadas pelo Exército, negarem categoricamente, assim como ocorreu nos Estados Unidos, no final do governo Trump, a intenção de apoiar Jair Messias Bolsonaro em qualquer atentado contra a democracia e as instituições. Certamente, isso seria um freio nas polícias militares que, desde a ditadura até hoje, se sentem interligadas umbilicalmente às Forças Armadas. Inclusive, os discursos que temos visto a favor de levantes por oficiais das PMs é que as polícias militares estariam “juntas ao Exército” na defesa da democracia (leia-se bolsonarismo).

Infelizmente, isso parece que não irá ocorrer. Resta, portanto, aos governadores pressionarem os Comandantes Gerais, para que estes alertem às suas tropas sobre quais seriam as consequências não só de levantes, mas, inclusive, de postagens e reuniões que visem propor temas golpistas. Cabe às próprias instituições, representadas por seus chefes, sob pena de uma omissão criminosa, deixar bem claro aos seus efetivos que eles poderão responder por crimes militares, todos previstos na lei penal castrense, como motim, revolta, conspiração, aliciação, incitamento, reunião ilícita e publicação ou crítica indevida, bem como, somado a isso, perderem suas funções públicas.

Finalmente, aos Ministérios Públicos estaduais, como órgãos de fiscalização externa das polícias, cabe verificar se os comandos estão tomando as providências legais, como os alertas devidos e a instauração de inquéritos policiais militares, caso surjam tão somente informações sobre a possibilidade dessas insurreições. E caso não estejam fazendo, responsabilizar criminalmente esses comandantes, tomando para si as investigações necessárias.

Até agora, de forma lamentável, quase todos pareciam anestesiados com o que estava ocorrendo, apesar dos sinais de uma possível ruptura. Resta saber se as verdadeiras autoridades, que hoje efetivamente governam esse país, tomarão as rédeas para si dessa crise, ou irão esperar para ver no que vai dar. Em 1964 esperaram. E deu no que deu.


Quem é Luiz Alexandre da Costa?

Major da Reserva da Polícia Militar do Rio de Janeiro, cientista político, professor de direito militar e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-UERJ)


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