Chegada das mulheres aos espaços de poder na política é marcada por uma série de desafios
por Natália Scarabotto em 18/01/21 12:34
Nos últimos anos a participação de mulheres na política brasileira ganhou força com a conquista de cargos inéditos – da Presidência da República à Prefeitura de grandes municípios – e o avanço de representantes eleitas nas assembleias legislativas e no Congresso Nacional. A chegada delas aos espaços de poder, no entanto, ainda é marcada por muitos desafios.
Representantes de diferentes níveis de governo contaram ao Canal My News que enfrentam assédio, machismo, racismo e recebem pouco de apoio dos partidos.
Em dezembro de 2020, a deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP) foi assediada sexualmente pelo parlamentar Fernando Cury (Cidadania), durante sessão na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). O partido afastou Cury, mas o episódio não é um caso isolado.
Na mesma semana, a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) passou por situação semelhante durante uma confraternização com colegas, após o plenário. “Senti uma mão no meu braço, ele veio por trás encostou o corpo no meu e deu um beijo no meu pescoço”, conta. “Não sabia quem era. Virei a mão no rosto dele e, como estava com anéis altos que sempre uso, o rosto dele começou a sangrar. Ele saiu envergonhado.” Ela recebeu apoio de homens e mulheres no momento, mas não quis denunciar o deputado e nem revelar sua identidade.
Dentro da política brasileira, as mulheres enfrentam violência política de gênero, seja durante a campanha eleitoral ou no exercício de seus mandatos. Elas sofrem discriminação, ataques, desigualdade nas oportunidades e até falta de apoio dos partidos.
“É uma construção social que ignora a possibilidade de mulheres nesses espaços e tenta inviabilizar a nossa participação a partir de ameaças, opressão e intimidação, seja nas redes sociais ou no próprio plenário”, afirma Renata Souza (PSOL), deputada estadual no Rio de Janeiro.
A falta de equidade de gênero da política é um problema histórico, explica Olivia Santana (PC do B), deputada estadual na Bahia. “Existe a ideia da sociedade patriarcal de que a política é para os homens. Hoje vemos muitos avanços, mas muitas ideias ainda estão no campo do simbolismo.”
Olivia se elegeu em 2018 como a primeira deputada estadual negra na Bahia. Apesar da conquista, ela chama atenção para a falta representatividade.
“É um absurdo eu ser a única mulher negra na Assembleia Legislativa de um dos estados mais negros do Brasil” De acordo com o IBGE, a Bahia é o segundo estado com o maior número de autodeclarados pretos ou pardos (76,3%).
O machismo e o racismo ficam evidentes no dia a dia dela na Assembleia Legislativa. “Tenho que falar mais forte e mais alto para ser escutada e acatarem o que digo. Acontece também de os homens se reunirem e decidirem sobre assuntos que me envolvem sem me consultar, e tenho que brigar para rever [a decisão]”, conta a deputada estadual. “É cansativo, muito cansativo, mas não abro mão. Fui eleita para estar ali.”
No Rio de Janeiro, Renata Souza também é alvo por causa de gênero e cor. “Temos uma política machista, racista e classista”, diz ela. Eleita em 2018, Renata decidiu ser candidata após o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), em março daquele ano, sua amiga pessoal e de quem trabalhou como chefe de gabinete.
“O assassinato da Marielle mudou o ambiente político. As mulheres pretas e de favelas viram a necessidade de ocupar os espaços de poder, mas a violência política contra esse grupo aumento”, explica Renata.
Pela proximidade com Marielle e por estar à frente da Comissão de Direitos Humanos no Rio, Renata é alvo de ameaças. No mês passado, a deputada do PSOL registrou queixa na delegacia após receber ameaças de morte pelas redes sociais. Ela afirmou também que já teve dados pessoais, como seu endereço residencial, expostos na internet.
“De fato impacta meu trabalho. É um nível de gasto de energia e de impacto psicológico, eu me cuido para que isso não inviabilize a minha saúde mental. Como deputada tive que abrir mão da minha liberdade, tive que tomar diversas precauções em termos de segurança, diante da elevada política que sofro”, explica ela.
De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foram eleitas 651 prefeitas, o que representa 12,1% de todos os eleitos à prefeitura do país. Nas câmaras municipais, 9.196 mulheres foram eleitas vereadoras, ocupando 16% das cadeiras.
Pela primeira vez, Ponta Grossa (PR) elegeu uma mulher como prefeita. A Professora Elizabeth Schmidt (PSD) levou 52,38% dos votos no segundo turno, vencendo a adversária Mabel Canto (PSC). A cidade, aliás, foi a única do país a ter duas mulheres disputando o segundo turno.
Agora prefeita, Schmidt tem duas décadas de carreira pública. Já foi secretária de Cultura e Turismo; comandou a pasta de Administração e Recursos Humanos; e em 2016 foi eleita a primeira vice-prefeita de Ponta Grossa, na chapa de Marcelo Rangel (PSDB).
“Sofri muitos preconceitos por ser mulher, ser professora e por uma pessoa de mais idade. Tenho 69 anos e isso foi usado pejorativamente por adversários que me chamavam de ‘vovó’ durante a campanha”, conta. Apesar dos ataques, ela aderiu ao termo e utilizou em para se aproximar do eleitorado mais velho. “Fui eleita para mostrar que o gênero e a idade não interessam, o que interessa é a competência.”
Em 2020, pela primeira vez o número de candidatos negros, superou o de concorrentes brancos. As mulheres negras, no entanto, representaram 13% das candidaturas pretas e pardas a prefeituras e 34% das que disputaram vagas nas câmaras municipais, de acordo com o TSE.
Em Salvador, no entanto, Olivia Santana não teve o mesmo sucesso em sua campanha à prefeitura. Em sua primeira disputa, teve apenas com 4,49% dos votos. De acordo com ela, a disputa para as mulheres, sobretudo negras, tem mais obstáculos.
“Sempre colocam a mulher negra na figura de eleitora e pobre. “Muitas vezes as pessoas vão se identificar com você, mas não te dão o voto porque não acreditam que uma mulher negra vá conseguir. As pessoas acham que ser prefeita é demais para uma mulher negra. É muito doloroso”, diz ela.
Durante a campanha à prefeitura, Joice Hasselmann foi a candidata mais atacada nas redes sociais, de acordo com o levantamento MonitorA, projeto da Revista AzMina junto ao InternetLab. O projeto identificou 612 tweets com conteúdo sobre aparência física da candidata, assédio moral, sexual e intelectual, gordofobia, entre outros.
Ela aponta grupos bolsonaristas como responsáveis pelos ataques virtuais, que começaram há mais de um ano. “Quando deixei de ser líder do governo, sabia que seria alvo do Bolsonaro, dos filhos e dessa gangue… O maior número de ataques que sofri veio de pessoas de direita, sendo que sou de direita. Não é um ataque ideológico, é por eu ser mulher”.
“Sempre fui muito forte e reagia a cada ataque, mas sou um ser humano. Somatizei tanto que o meu corpo deu sinal de falência e fui para o hospital. Isso atinge a gente, seja o seu emocional ou o físico”, afirma Joice. Em fevereiro de 2020, ela passou por duas cirurgias.
Após os ataques e os aprendizados dentro da política, a deputada trabalha pela criação do Movimento Feminino Brasileiro. Ela afirma que se trata de um grupo não partidário e sem ideologia, que pretende reunir mulheres de diferentes posicionamentos políticos para debater sobre o espaço delas na política. O lançamento deve ocorrer a partir de fevereiro, mas ainda não há uma data específica.
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