Universidades não têm enfrentado a violência racial com a veemência necessária e, com isso, têm contribuído para a naturalização deste problema estrutural
por Antonia Quintão, Daniel Carvalho de Paula em 19/11/24 18:58
Racismo acadêmico se manifesta como mais uma faceta da estrutura social racializada e segregadora em que vivemos | Foto: Nappy
Ao longo da história, o espaço acadêmico não tem enfrentado o racismo com a veemência necessária. Como consequência desse silêncio, as universidades têm contribuído para a sua naturalização, reproduzindo o processo no qual as condições de desigualdade racial têm se perpetuado.
O racismo acadêmico se manifesta como mais uma faceta da estrutura social racializada e segregadora em que vivemos. A baixa representatividade do tema na pesquisa acadêmica passa muitas vezes desapercebida pela maioria, que não percebe o ambiente acadêmico, idealizadamente ilustrado, como parte do sistema reprodutor de injustiças e silenciamentos.
Está explícita a escassez de professores afrodescendentes nas universidades e as dificuldades por que passam para chegar lá. O Ensino Superior se configura como um ambiente inóspito para professoras e professores afrodescendentes, que alcançam menor inserção nas redes de contato.
De acordo com o Censo da Educação Superior, professores negros não ultrapassam 20% dos docentes de universidades públicas. Esse número cresceu desde 2014, quando lei de cotas para concursos públicos federais foi aprovada. Estudos demonstram, ainda, que o número de mulheres ocupando postos de comando e gestão no âmbito universitário é significativamente inferior em relação aos seus pares masculinos.
Isso se deve ao fato de o desempenho individual não representar o principal critério para o avanço na carreira. O acesso a academia inclui relações de poder mediadas pelo gênero e, especialmente no Brasil, pela cor.
Negros e brancos são socializados, formados e inseridos em uma sociedade pautada por uma lógica racializada, que reforça sistematicamente a imagem de que negras e negros são menos capazes, menos inteligentes, menos competentes, menos confiáveis e, por consequência, menos preparados para assumir cargos estratégicos e de liderança nas organizações.
É muito importante que as instituições acadêmicas, que formam aqueles que atuarão nos ambientes organizacionais, econômicos, políticos e sociais, tenham na sua formação, a possibilidade de dialogar sobre a questão racial, a estratificação e desigualdade. Na realidade brasileira, em que predomina o silêncio sobre as questões de gênero e raça, trazer este tema para debate pode contribuir para a afirmação das identidades negras e ser, ao mesmo tempo, uma contribuição valiosa para o combate ao racismo no espaço acadêmico.
Não se trata, aqui, de emudecer certas vozes tradicionais para substituí-las por outras. Trata-se de buscar realizar de verdade a tão falada polifonia, que deveria ser um dos pilares do mundo acadêmico. A inclusão do estudo das relações raciais no campo acadêmico justifica-se pela necessidade civilizatória de superação do racismo, com temas de interesse direto das populações negras, postulando o fortalecimento institucional dessas iniciativas no universo acadêmico.
A pouca bibliografia sobre o tema demonstra a urgência de se efetivar uma representatividade de docentes negras e negros nas universidades condizente com o quadro da formação étnico-racial do povo brasileiro. Ou isso se realiza, ou a academia estará fadada a continuar majoritariamente elitista, monolítica e distante do Brasil que existe para além dos muros das universidades.
Antonia Quintão é presidente do Geledés–Instituto da Mulher Negra e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Daniel Carvalho de Paula é professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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