Por causa do conflito entre Rússia e Ucrânia, governo Bolsonaro fala de desabastecimento e defende mineração em terras indígenas para extração de fertilizantes.
por Julia Melo em 04/03/22 12:13
Agricultores em plantação no estado do Rio de Janeiro. Foto: Tomaz Silva (Agência Brasil)
O Brasil tem estoque suficiente de fertilizantes para manter as safras agrícolas nos próximos meses e há condições para construir autossuficiência desses produtos, afirmou o ex-ministro da Agricultura Francisco Turra. Em entrevista ao Café do MyNews desta sexta (4), Turra reforçou que não vai faltar fertilizante e que o Brasil não depende das vendas que faz para a Rússia.
O principal argumento usado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para se manter “neutro” em relação à invasão russa na Ucrânia é o de manter as relações comerciais e evitar prejuízos financeiros. Ele e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, falam especialmente sobre o risco de faltar fertilizante, já que o Brasil importa a grande maioria dessas substâncias para a produção agrícola nacional. Há nove dias, desde que a guerra no Leste Europeu começou, o chefe do Executivo já falou várias vezes sobre desabastecimento por causa do conflito, tanto no Brasil quanto no mundo.
LEIA TAMBÉM:
Para Francisco Turra, o país não deve deixar de se posicionar contra a invasão pelo temor a possíveis sanções russas às exportações brasileiras. “Nós não temos nenhuma dependência [da Rússia]. Tudo o que no ano passado e nos últimos anos colocamos de proteína lá na Rússia nós colocamos em qualquer dos mercados existentes que a gente não consegue atender hoje”, explicou o ex-ministro. Ele ainda disse que a mesma lógica se aplica às transações com a Ucrânia.
A Rússia é a 12º economia do mundo, mas é muito mais relevante quando falamos da produção de petróleo e gás natural. Em 2021, comprou somente 0,6% de todas as exportações brasileiras, um montante de R$ 1,7 bilhão, segundo dados do Ministério da Economia levantados pelo UOL. De acordo com Turra, a dependência da Rússia dos produtos brasileiros vem diminuindo há alguns anos porque o país buscou a autossuficiência em relação aos alimentos.
O impacto imediato da guerra para o agronegócio brasileiro está relacionado às sanções econômicas impostas ao país de Vladimir Putin. Entre elas, o bloqueio dos bancos russos no sistema bancário internacional Swift e a suspensão de negócios com empresas russas. Mais de 40 empresas, incluindo gigantes como a Shell, Apple, Spotify e Renault anunciaram algum tipo de suspensão das atividades no país.
O ex-ministro afirmou que “ontem nós ouvimos de alguns exportadores que têm cargas no mar, no porto, que já não há como reverter, eles estão bem preocupados. As perdas acontecerão. Mas como eu falei: significativa ao ponto de quebrar empresas do Brasil, ainda não temos notícias. Agora, é claro, essa reação do mundo de bloquear bens, de retirar do sistema bancário universal a Rússia, isso é óbvio que tem consequências imprevisíveis”.
As sanções econômicas internacionais afetam inicialmente os pagamentos e as transações financeiras e o transporte das cargas, que passam por companhias internacionais.
A Rússia e a Bielorússia são fornecedoras essenciais de fertilizantes para o Brasil. Apesar do crescimento do agronegócio, não somos autossuficientes em relação aos fertilizantes. Por exemplo, o país importa cerca de 90% do cloreto de potássio – um dos principais fertilizantes utilizados no Brasil. Desse total, 20% vem da Bielorússia e o resto, da Rússia e do Canadá. A Associação Nacional para Difusão de Adubos informou que o Brasil ainda tem fertilizante para os próximos três meses.
Mesmo com a evidente dependência da Rússia nesse aspecto, Turra diz que o Brasil precisa “de mais coragem” para se posicionar contra o conflito, já que a nação europeia já suspendeu as importações brasileiras quando considerou necessário. “Quando veio a Operação Carne Fraca, vários países tomaram uma atitude contra o Brasil, na suspensão das importações [da carne brasileira]. Entre eles, a Rússia”, relembrou o ex-ministro.
A Operação Carne Fraca foi feita em 2017 pela Polícia Federal para investigar supostas propinas pagas para a venda de carne sem inspeção em dezenas de frigoríficos brasileiros.
A autossuficiência em relação aos fertilizantes foi outro assunto que entrou em pauta desde que a invasão à Ucrânia começou. Na quinta (3), na live semanal do presidente Bolsonaro, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, anunciou que o governo deve lançar ainda este mês um programa nacional para estimular a produção brasileira de fertilizantes. Segundo ela, o programa vem sendo estudado desde 2019.
Desde o começo do conflito na Europa, Bolsonaro defende com mais força a mineração em terras indígenas para a produção de fertilizantes. No seu Twitter, ele enalteceu o PL 191/2020, que fala da criação de “condições” para o extrativismo hídrico e mineral em territórios dos povos nativos. Na live da quinta, Tereza Cristina citou as licenças ambientais como um dos problemas para a produção nacional dos adubos.
O ex-ministro da Agricultura Francisco Turra não acredita numa falta imediata dos adubos, mas concorda com o governo em relação à necessidade de autossuficiência do Brasil e afirmou que o extrativismo sem ferir regras ambientais é importante e pode até contribuir para a Amazônia.
Para a geóloga e professora da Universidade de Brasília (UnB) Suzi Huff Teodoro, o presidente está usando a crise na Europa para tentar passar o PL. Ela explicou no Almoço do MyNews (assista acima) da quarta-feira (3) que estudos para mineração na Amazônia já foram feitos pela Petrobras, onde foram identificados outros entraves no início da mineração.
“Infelizmente ainda se mantêm problemas, desafios tecnológicos importantes para viabilizar a exploração. Tem problemas de logística e eu destaco como principal a oferta de energia adequada, então teria que construir um ramal a partir de uma das usinas do Norte”, contou a professora.
O PL 191/200 quer mudar a proibição constitucional de mineração em terras indígenas. Ainda que a exploração comece imediatamente, Teodoro reforçou na entrevista que qualquer resultado viria a longo prazo, não abasteceria o mercado em caso de uma falta dos fertilizantes causada pela guerra. Para ela, Bolsonaro está usando o conflito para incentivar a aprovação do Projeto de Lei, que aguarda criação de comissão temporária na Câmara dos Deputados.
Confira na íntegra a edição do Café do MyNews desta sexta-feira (4):
Comentários ( 0 )
ComentarMyNews é um canal de jornalismo independente. Nossa missão é levar informação bem apurada, análise de qualidade e diversidade de opiniões para você tomar a melhor decisão.
Copyright © 2022 – Canal MyNews – Todos os direitos reservados. Desenvolvido por Ideia74
Entre no grupo e fique por dentro das noticias!
Grupo do WhatsApp
Utilizamos cookies para oferecer melhor experiência, melhorar o desempenho, analisar como você interage em nosso site e personalizar conteúdo.
ACEITAR