Arquivos Francisco Saboya - Canal MyNews – Jornalismo Independente https://canalmynews.com.br/post_autor/francisco-saboya/ Nosso papel como veículo de jornalismo é ampliar o debate, dar contexto e informação de qualidade para você tomar sempre a melhor decisão. MyNews, jornalismo independente. Tue, 08 Mar 2022 15:19:12 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Na matemática sinistra do governo federal, 7 vezes 8 é igual a 600 mil https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/matematica-sinistra-do-governo-federal-7-vezes-8-igual-600-mil/ Wed, 20 Oct 2021 19:35:36 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/matematica-sinistra-do-governo-federal-7-vezes-8-igual-600-mil/ CPI da Pandemia chega ao fim revelando engrenagens subterrâneas que combinaram incompetência, corrupção e descaso, numa matemática que resultou em 600 mil mortes

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A CPI da Pandemia chega ao fim com todos os méritos, revelando as engrenagens subterrâneas que combinaram incompetência, corrupção e descaso para levar à morte centenas de milhares de pessoas. Mortes evitáveis, dizem cientistas, tivesse sido outra a abordagem oficial. Perseguindo obstinadamente a imunidade de rebanho, o máximo que o país conquistou foi a 8ª posição no ranking global de mortes por milhão de habitantes. São 2,82 mil, o dobro da África do Sul e quatro vezes a média mundial.

O plano deu errado, embora pudesse ter sido muito pior. E alguém tem que pagar a conta. Noves fora exageros de retórica e episódios de puro teatro, a CPI trouxe perspectivas reais de justiça ao ter apontado para 71 possíveis responsáveis pela implementação da criminosa estratégia sanitária verde-oliva idealizada por generais, coronéis e capitães. Nesse balaio, cabem não apenas autoridades diretamente envolvidas com gestão da saúde pública, mas também colaboracionistas fanatizados em gabinetes paralelos, plantadores de mentiras remunerados com verbas públicas, vigaristas do submundo do mercado de medicamentos e empresas de saúde dispostas a trocar o código de ética médica por elogios nas redes sociais do governo. Todos atuando em favor do mais genuíno charlatanismo médico.

Relatório Final da CPI da Pandemia
O presidente da CPI da Pandemia, senador Omar Aziz (PSD-AM), e o relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), na sessão de leitura do relatório final da comissão/Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Em comum a esses grupos delinquentes está o desprezo pela ciência. E nesse ponto a CPI falhou. Não sobrou nenhuma acusação formal para o MCTIC e sua inacreditável postura de esvaziamento do sistema nacional de ciência e tecnologia no momento em que o país mais necessitava dele. E não se trata apenas de não ter mobilizado a inteligência nacional para ajudar no enfrentamento da Covid, num arco de possíveis ações que poderiam ter ido desde o desenvolvimento de vacinas (o muito pouco que foi feito nessa direção mal passa de um cala-a-boca), até o desenho de estratégias cientificamente embasadas de profilaxia para diminuição do ritmo de contágio.

Recorrendo a Tomás de Aquino, à omissão de deixar de fazer o que é obrigado somou-se a comissão de fazer o que é proibido. Não dá para esquecer que, no momento mais crítico da primeira onda da pandemia, o MCTIC serviu de biombo para acobertar o negacionismo oficial. Na ocasião, foi anunciado o milagre da ciência de gabinete: o vermífugo Annita salvaria vidas no Brasil e no mundo. “Missão cumprida”, comemorou o ministro no final do ano, feliz por dar esse “presente de natal” aos brasileiros. Um mês depois, janeiro de 2021, o próprio Ministério da Saúde rejeitou a descoberta e excluiu Annita do seu Kit-Covid. Tomado em altas doses, consegue ser mais tóxico do que a própria cloroquina. Sem dúvida, um dos momentos mais bisonhos da história do combate à pandemia no país.

E a ciência não tem nada a ver com isso. Ao contrário. Tivesse sido ouvida, as mortes seriam em número bem menor. Só para se ter uma ideia, adotando o padrão médio de enfrentamento da pandemia mundo a fora (que inclui desde excentricidades como ministrar vodka, como na Bielorússia; até obrigar ao isolamento completo e radical, como na China; instituir lockdowns estritos combinados com forte rastreamento, como na Nova Zelândia; ou manter o uso rigoroso de máscaras e distanciamento social, como em dezenas de países), o Brasil teria poupado três quartos das vidas perdidas para o coronavírus. Isso porque, relembrando as estatísticas do primeiro parágrafo (extraídas hoje do painel https://ourworldindata.org/covid-vaccinations ), a nossa taxa de mortalidade é quatro vezes a média mundial. Claro que isso é apenas um raciocínio ilustrativo, pois a questão envolve centenas de variáveis e sua complexidade não cabe numa simples regra de três.

Mas temos que olhar para o futuro. Ou melhor, temos que ganhar o futuro. Porém sem ciência, tecnologia e inovação é missão impossível. O ministro da economia, uma espécie de Caco Antibes sem graça alojado no Planalto, vem reduzindo o MCTIC a pó. Não tendo mais onde cortar, semana passada saqueou R$ 600 milhões destinados à pesquisa nacional (muitos dos projetos eram relacionados à própria Covid) e os redistribuiu para outros ministérios que cuidam da agenda do passado e cujos resultados ajudam a melhorar o caminho das urnas em 2022.

Melhor faria se desse a dosagem máxima de Annita para os “piratas privados, burocratas corrutos e criaturas do pântano político” e outros vermes com os quais se associou contra o povo brasileiro.


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Sex will save the city https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/sex-wil-save-the-city/ Thu, 07 Oct 2021 11:12:19 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/sex-wil-save-the-city/ As cidades estão crescendo de forma muito rápida, numa escala superlinear, mas seus componentes urbanos não acompanham esse ritmo. Algo parece sair do controle em desfavor da qualidade de vida

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Há um problema com as grandes cidades. Aliás, vários. No geral, o nome da confusão se chama deterioração da qualidade de vida, que é obviamente um conceito relativo, pois envolve tanto questões facilmente mensuráveis, como oferta de leitos hospitalares, quanto de muito difícil medição, como satisfação pessoal. Entender e explicar como funcionam as cidades é matéria para especialistas. Mas como a gente vive nelas e é parte da sua construção cotidiana, temos uma espécie de autoridade cidadã para opinar e contribuir para o debate. Cidades são incríveis construções humanas.

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No passado, elas prosperavam principalmente porque eram dotadas de abundância de recursos naturais, porque ficavam em encruzilhadas de grandes fluxos de pessoas em caravanas ou porque detinham posição geográfica privilegiada para fins de defesa militar. Hoje, quando conhecimento e inovação são os principais ativos econômicos, elas crescem porque são capazes de formar, atrair e reter gente. Especialmente, capital humano qualificado. Adicionalmente, cidades bem estruturadas também são mais eficientes e atrativas para capitais financeiros de risco, tornando-se assim mais habilitadas para impulsionar negócios competitivos criadores de riqueza em escala crescente.

Mas há uma contradição estrutural nas dinâmicas urbanas. Cidades são grandes incubadoras sociais. Quanto mais elas crescem, mais aptas a proverem infraestruturas, serviços e oportunidades para os moradores elas se tornam. Mais ainda, elas facilitam conexões e relacionamentos entre pessoas, que geram alma, senso de comunidade e dão vida às cidades. Esse é o lado positivo dessas dinâmicas de crescimento exponencial. Mas isso tem um preço.

Distanciando-se cada vez mais do jeito meio Londres, mansamente urbanizada em longas filas (no dizer aqui adaptado de João Cabral) – filas dos ônibus, dos postos de saúde, dos carros em vias engarrafadas… – com o tempo elas se tornaram agressivamente desiguais, colapsadas em infraestruturas precárias, violência urbana, falta de oportunidades, moradias caras, para a classe média, e inexistentes, para as camadas de mais baixa renda progressivamente expelidas para periferias distantes dos núcleos civilizados das cidades. E, ainda assim, seguem sendo atrativas para mais pessoas que imigram e vão se somando às outras nos depósitos de gente com baixa qualidade humana. O que reforça o problema.

O físico e biólogo inglês Geoffrey West (Scale, disponível na Amazon) explora a questão da escala urbana por meio de analogias com os padrões comuns ao crescimento biológico, em busca de uma espécie de modelo geral capaz de explicar os movimentos das cidades ou mesmo dos negócios. A eficiência das cidades é reflexo dos ganhos de escala. E seu oposto também. De postos de gasolina a redes de esgoto, vias e habitações, tudo parece indicar que as infraestruturas e serviços tendem a andar em descompasso com o crescimento das cidades numa proporção mais ou menos constante, algo como, em elas dobrando de tamanho, resultasse num encolhimento dos ativos urbanos em cerca de 15% (assim como os batimentos cardíacos dos mamíferos caem 25% quando estes duplicam seu tamanho).

E as cidades estão dobrando, triplicando de tamanho. Numa projeção para os próximos 30 anos, serão urbanizados cerca de 1,5 milhão de habitantes por semana. Elas crescem numa escala superlinear, mas seus componentes urbanos crescem de forma sublinear. Algo parece sair fora de controle em desfavor da qualidade de vida de todos.

Esses insights nos fazem refletir que o equilíbrio da vida urbana passa a depender de pelo menos três fatores: i. do ritmo e intensidade das inovações destinadas a aumentar a eficiência no uso dos recursos urbanos; ii. da exploração equilibrada dos recursos naturais finitos, dita sustentabilidade; e iii. da estabilidade epidemiológica. Esse último ponto entra na equação agora basicamente por conta da covid, pois quanto mais tempo o vírus perdurar – o corona e os próximos – mais transformador ele será, implicando em mudanças estruturais nos processos de trabalho que envolvem categorias de trabalhadores em serviços tecnológicos e outros de mais alta qualificação e renda – precisamente aqueles que tracionam a competitividade das cidades.

Finda essa pandemia, o cenário de que pelo menos 20% das horas trabalhadas passem a se dar de forma remota delineia um panorama negativo para os grandes centros. Pois são esses trabalhadores de renda média mais elevada que efetivamente têm capacidade de implementar um novo estilo de vida. Seu deslocamento para satélites urbanos, digamos assim, resultará na redução do nível de dispêndio nas cidades de origem, com forte impacto nos serviços e comércio tradicionais. Como eles são grandes empregadores, e já enfrentam a concorrência do comércio eletrônico e da automação das atividades, tenderão a experimentar uma espiral descendente de consumo, ocupação e renda. Em outras palavras, declínio urbano, para as cidades emissoras, prosperidade, para as receptoras. O que nos remete aos fatores i e ii anteriores.

Mas existe um outro personagem nessa mesma equação, que são os muito jovens zillennials e os gen zers’, cujas expectativas quanto ao trabalho remoto são/serão distintas da média dos trabalhadores millennials pra trás. Eles buscam maiores interações, novas conexões humanas, outras perspectivas. A experiência recente da covid deu sinais muito claros: é difícil segurar toneladas de testosterona em longos programas de quarentena. As cidades são mais competitivas quanto mais sejam capazes de atrair os melhores talentos, isso já foi dito. Mas, se tiverem um olhar no futuro, serão melhores ainda aquelas que se prepararem para receber os mais jovens, oferecendo-lhes não apenas infraestruturas padrão Washington ou Brasília, mas cultura, sustentabilidade, conhecimento, tolerância com a diferença. Em resumo, novas e diferentes oportunidades de criação de coisas e negócios e a possibilidade de terem uma vida mais vibrante.

Jovens querem e precisam se encontrar. That’s the point. E daí a razão do título deste artigo (roubado de um artigo publicado em Bloomberg).


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Falta o povo na equação https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/falta-o-povo-na-equacao/ Wed, 22 Sep 2021 20:12:14 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/falta-o-povo-na-equacao/ O povo está no discurso, mas o fato é que é usado pelas elites para viabilizar seus objetivos. Sem avançar no mérito do que seja povo e elite, revoluções mesmo, com o povo e para o povo, nunca houve

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Cientistas sociais não se cansam de dizer que um dos males do Brasil é que as mudanças são feitas a partir de arranjos entre as elites. O raciocínio vale para as grandes mudanças, como a proclamação da república, e também para as pequenas, como a decisão de liberar público nos estádios de futebol em plena pandemia. O povo está no discurso, mas o fato é que ele é usado por essas elites para viabilizar seus objetivos. Sem avançar no mérito do que seja povo e elite, revoluções mesmo, com o povo e para o povo, nunca houve. Um país que faz a abolição tardiamente e, ao implementá-la, indeniza senhores de escravos, ao invés dos escravizados, já anuncia a que veio, colhendo desigualdade e injustiça lá na frente. Somos assim por escolha própria.

Três episódios recentes dessa grande novela chamada Precipício Brasil ilustram o papel secundário do povo na equação política oficial. O primeiro é a conta de luz. Depois de ler umas vinte matérias sobre o assunto, me dei conta de que o problema não é o aumento do preço da energia ou mesmo a falta dela e seus impactos na sociedade. É o equilíbrio do sistema. Criamos essa categoria social agora. Mais trabalho para os sociólogos, cientistas políticos e economistas. O racional de uma boa política pública deveria ser o que fazer para assegurar energia a preços razoáveis para as famílias e para o sistema produtivo, numa perspectiva de longo prazo. Mas não, o que predomina é uma completa inversão do sentido lógico das coisas, com a prioridade estratégica nacional sendo deslocada para o plano da racionalidade econômica do sistema provedor dos serviços. O sistema capturou a política, mais uma vez.

Claro que há um cálculo por detrás. Nesse cálculo, sobra oportunismo eleitoral e mais uma vez falta povo. O que é um paradoxo, pois é esse mesmo povo que decidirá, espera-se, o futuro de quem pariu Mateus. Se der errado – como já deu – a esperteza se volta para comer o dono. Adiou-se o quanto foi possível a comunicação para a sociedade da iminente crise hídrica e suas consequências sobre o consumo e preços. Retardou-se o racionamento, recomendado pelos bons especialistas, e mesmo medidas usuais, como o horário de verão, foram descartadas para não incomodar o povo. O mais honesto seria o governo assumir que a razão era simplesmente não introduzir mais um vetor negativo na sua já combalida imagem junto à população. Melhor então jogar pra frente pra ver no que dá. Deu no que deu: ameaça real de desabastecimento, aumento de tarifas para preservar o equilíbrio do sistema e popularidade em queda. O benefício vai para o sistema, mas a conta sobrou para o povo. De novo.

Aluna estudando para o Enem 2020/Foto: Educação Bahia/Fotos Públicas

O segundo episódio diz respeito ao ENEM. Esse mecanismo de aceso ao ensino superior impacta milhões de jovens de todas as classes sociais todos os anos. Chegou perto de 9 milhões de inscritos em 2014, embora hoje, por razões diversas, mobilize apenas pouco mais de um terço. Democraticamente, devemos chamar esse coletivo diminuído de povo. Povo que cada vez mais conta menos nos últimos tempos em que a gestão do exame tem se transformado numa tragédia social. O que deveria fluir sem sobressaltos para garantir equilíbrio emocional aos jovens às vésperas do momento mais importante das suas vidas, é conduzido de forma atrabiliária pelos edurocratas de Brasília. É necessário mesmo judicializar as coisas para garantir direitos básicos. É o caso de decisão recente do STF restaurando a gratuidade negada pelo ME.

A forma mesquinha como o Ministério da Educação impediu esse benefício para aqueles estudantes que, em plena pandemia, faltaram ao exame em 2020, é de uma insensibilidade atroz. A explicação oficial foi “é para dar disciplina aos jovens”. Essa pedagogia anacrônica, quase uma palmatória moral aplicada no século 21, serve, na visão do ministro, pra eles aprenderem a não faltar mais. O argumento tosco é reforçado por um pior ainda: o ministério “jogou dinheiro na lata do lixo”. É quase, fazendo aqui um raciocínio invertido, como ouvir um comandante do corpo de bombeiros lamentar o desperdício de dinheiro com viaturas, equipamentos e pessoal pois não houve um incêndio sequer.

O terceiro episódio do Precipício Brasil é o mais escancarado: trata-se da gestão da pandemia pelo governo federal e seu caráter anti-povo, materializado na política epidemiológica centrada na imunidade de rebanho. Talvez devessem morrer 2,5 a 3 milhões de pessoas para provar que o capitão estava certo. Mas disso está cuidando a CPI da Covid. Com um adendo de última hora: a se confirmarem as denúncias a respeito do uso de pessoas como cobaias para experimentos não-científicos destinados a impulsionar o uso do kit Covid e outras terapias desautorizadas oficialmente e em escala global – articulação que envolveria a Prevent Sênior e o ministério-sombra da saúde – estaríamos diante de algo até aqui impensável mesmo para os padrões morais da política brasileira.

É aguardar os próximos capítulos para ver se o povo terá alguma chance.


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Porto Digital: bit, beat e outras vibrações por trás de um ecossistema de inovação https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/porto-digital-bit-beat-vibracoes-ecossistema-inovacao/ Wed, 08 Sep 2021 18:18:35 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/porto-digital-bit-beat-vibracoes-ecossistema-inovacao/ Fundado há 21 anos, o Porto Digital se transformou num ecossistema de inovação robusto no Nordeste brasileiro, que atualmente fatura 2,5 bilhões por ano

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A formação de um ambiente de inovação pode ser contada de diferentes maneiras. Idealizadores, construtores, sustentadores, empreendedores, cada um tem a sua própria leitura sobre como, desafiando o improvável e revirando o impossível, um punhado de gente botou de pé um ecossistema robusto de inovação, suportado por tecnologias digitais e muita criatividade. Estamos falando do Porto Digital, parque tecnológico do Recife fundado em 2000 e que hoje abriga cerca de 350 empresas, mais de 11 mil trabalhadores do conhecimento e fatura R$ 2,5 bilhões.

Porto Digital - um ambiente de inovação no Recife
Porto Digital transformou-se num ecossistema de inovação na capital pernambucana/Imagem: Pixabay

É preciso recuar no tempo para ir ao rizoma desse movimento. Aliás, desses movimentos. O Recife vivia a sua pior fase na virada dos anos 80-90, dentro de um país que descia ribanceira abaixo nos tresloucados anos Collor. A secularmente próspera capital pernambucana desandava e o estado perdia posição relativa na economia nordestina. Mas os fundamentos estavam lá, intactos e desafiados. Falamos aqui de conhecimento, tecnologia, criatividade: os ingredientes da nova economia. Havia uma vibração diferente em alguns segmentos da academia, especialmente o Centro de Informática da UFPE, e do mundo das artes, com destaque para o cinema, as artes plásticas e a música.

Era o tempo da globalização, das mudanças políticas de orientação liberal e da revolução tecnológica que se (re)inaugurava com a internet. Seja lá o que isso significasse para os protagonistas naquele momento (clareza a gente só tem depois), a ideia era abrir janelas para o mundo que se redesenhava nesse redemoinho e criar novas alternativas para economias periféricas como o Recife. Do outro lado do mundo, na Austrália, começavam a ser usinadas novas leituras acadêmicas para explorar as possibilidades conceituais e práticas da economia criativa – aquela encruzilhada entre ciência, tecnologia, artes e negócios, no contexto da nova sociedade hiperconectada em que o lado não prático das coisas, a dimensão simbólica escondida por trás dos objetos, a subjetividade da forma (estética) e a criação original em escala passavam a ter valor de mercado e significado econômico.

Do lado de cá, numa sincronicidade quase premonitória, eram criados dois movimentos paralelos: o Movimento Mangue e o Delta do Capibaribe. Com o primeiro, com sua icônica imagem de uma parabólica enfiada na lama, a inquietação ganhou forma e os coletivos criativos – a brodagem, numa palavra bem nossa – produziam freneticamente filmes, experimentações visuais, músicas e festivais. Com o segundo, espécie de prolongamento natural de uma longa história de pioneirismo em tecnologia tanto na universidade como no mercado, foram multiplicados empreendimentos de base tecnológica (ainda não havia startups no repertório dos negócios inovadores).

Foi nesse caldo de cultura, sem trocadilho, que as barreiras seculares que excluíam mutuamente cientistas e artistas foram rompidas. Para o bem de todos, os universos das artes e da tecnologia se encontravam e compartilhavam a mesma mesa de bar. Se a parabólica conectava a raiz ao éter, a frase-seminal de Fred Zero Quatro – “computadores fazem arte, artistas fazem dinheiro” – conectava as artes e as tecnologias digitais ao mercado.

Um registro que não pode passar em branco: as dinâmicas eram tão entrelaçadas que quase não havia distinção, na própria imprensa inclusive, entre as palavras beat (unidade rítmica) e bit (unidade computacional). Uma das primeiras incubadoras de negócios de tecnologia de chamava BEAT – Base de Empreendimentos Avançados de Tecnologia. E o site que precariamente reverberava isso tudo, em especial a música, se chamava MANGUE BIT. Daí para a criação do CESAR, e deste para o Porto Digital, e do PD para a comunidade empreendedora Manguezal, que agrega centenas de startups, e do conjunto de tudo para fazer do Recife a maior concentração per capita de estudantes em cursos de computação e informática do país foi um pulo. Mas não foi fácil.

E não será nunca, pois a construção de ecossistemas de inovação depende, entre tantas outras coisas, dos nontradable goods – aquela porção de componentes intrínsecos a cada lugar, a fração de características peculiares do pensar e fazer de cada realidade que não se compra e nem se vende em prateleiras. Mas a experiência do Porto Digital pode ser apropriada naquilo que é comum aos ambientes que constroem futuros: capital humano como base, inovação como regra, diversidade como princípio e conexões como meio para negócios. E muito trabalho.


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O trabalho híbrido e o que Google tem a desensinar https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/o-trabalho-hibrido-e-o-que-google-tem-a-desensinar/ Wed, 25 Aug 2021 17:52:01 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/o-trabalho-hibrido-e-o-que-google-tem-a-desensinar/ Ao reduzir salários, Google ressuscita o velho conflito entre capital e trabalho do século 19 nas empresas de serviços tecnologicamente avançados

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A discussão sobre a reconfiguração dos espaços de trabalho, sejam casas ou escritórios, segue acesa. O tema foi assunto da coluna passada, e volta aqui por demanda de uns poucos leitores e pela importância do assunto nesse momento de retomada econômica.

O movimento das big techs há tempos tornou-se balisa para a organização do trabalho em empresas intensivas em tecnologia. De pufes coloridos a mesas de bilhar em ambientes grafitados, tudo ali parece mais leve e sedutor para o trabalhador do conhecimento. Foram pioneiras na adoção do home office no início da pandemia, e agora surpreendem pela maneira crua como vêm articulando o retorno às atividades presenciais. Google à frente, causou surpresa a proposta de redução de salários para quem morasse em lugares cujo custo de vida médio fosse mais baixo. A escolha do local de trabalho (se escritório ou domicílio) é democraticamente compartilhada, mas haveria uma tabela de parametrização dos novos salários. 

'Sala Maracanã' no escritório do Google em São Paulo, capital.
‘Sala Maracanã’ no escritório do Google em São Paulo, capital. Foto: Guilherme T. Santos (Flickr)

A reconhecida capacidade de inovação tecnológica e criatividade na gestão de negócios das big techs só não é maior do que sua ambição. Dominar o mundo parece tudo, mas é apenas uma das facetas do propósito corporativo. A disputa narcísica pela condição de ser ‘A’ maior em qualquer coisa leva essas empresas a situações bisonhas. Desde cenas infantilizadas de dois dos maiores executivos da atualidade disputando pra ver quem brinca primeiro de gravidade zero, até propostas indecentes de redução de salários para empregados em home office.

Neste último caso, não tem nada de infantilidade (o outro também não, por trás; embora pareça, pela frente). Trata-se da busca natural pela maximização dos resultados financeiros dos negócios. É preciso estar ali nos top 10 da Forbes a qualquer custo. Faz parte da narrativa que suporta a construção de imaginários de poder e sucesso na sociedade digital. (A propósito, o formato fálico do New Shepherd de Bezzos foi mais comentado do que as propriedades aerodinâmicas do foguete em si).

Aparentemente, há um paradoxo nas estratégias de gestão de pessoas em empresas como Google. Enquanto expoentes da chamada nova economia, essas empresas são intensivas em capital humano qualificado – por definição mais criativo, questionador, autônomo e escasso. E, em tese, deveriam estar mais atentas aos riscos de fuga de talentos e às dificuldades de formação de novas equipes como consequência de medidas que não estão centradas no bem estar do trabalhador.

É fato que as grandes companhias lutam continuamente contra o engessamento e burocratização de seus mecanismos de gestão e processos decisórios. Mas nem sempre – ou quase nunca – conseguem. Uma vez no topo, suas estratégias alternam de uma posição ofensiva, de liderança tecnológica, para uma postura defensiva, de manutenção da posição de mercado. Isso ocorre trocando-se o risco da experimentação do novo pela segurança dos processos já estabilizados.

A intensidade da inovação, nesses casos, é administrada na medida justa do necessário para a garantia do desempenho superior. Nesse momento, as empresas passam a ser centradas nos resultados, e nisso Google não é diferente de outras da economia da informação, onde a disputa pela manutenção de padrões vencedores empurra o capitalismo de volta para modelos monopolistas de organização de mercados, deslocando a concorrência cada vez mais rala para o plano promissor das startups, que, exceções à parte, logo serão adquiridas pelos incumbentes supercapitalizados.

A despeito da decisão que ao final venha a tomar, a postura de Google traz onboard uma questão maior, que remete à ideia original da coluna: a opção pelo trabalho híbrido. Essa possibilidade está presente na nova política da empresa. Apenas propõe uma precificação diferente, inusitada, para o valor da força de trabalho. Por incrível que pareça, Google ressuscita o velho conflito entre capital e trabalho do século 19 nas empresas de serviços tecnologicamente avançados.

Ao reduzir salários, Google não apenas não disfarça esse propósito, como escancara o interesse de se apropriar de parte extra do esforço produtivo dos empregados (transferindo para eles o custo da estruturação e manutenção do ambiente de trabalho), ao mesmo tempo em que também se apropria integralmente da redução dos seus próprios custos. (Antigamente isso tinha nome: extração bruta de mais-valia. Mas deixa pra lá…).

A apreciação do caso Google aqui nesse pequeno espaço é menos por ele em si e suas consequências para o trabalho no universo das empresas de tecnologia do que pelos impactos nos ambientes físicos de criação de riqueza. O escritório está para a economia de serviços assim como a fábrica para a economia industrial clássica. Aí veio a pandemia, o uso intensivo de plataformas de cloud meeting, experiências de trabalho remoto em escala, novas métricas de eficiência produtiva e, sobretudo, uma nova consciência quanto a possíveis arranjos alternativos de trabalho.

Qual seria o novo locus de trabalho da economia de serviços modernos no mundo pós-pandemia? Vamos ter que voltar ao tema na próxima coluna.

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Eu, minha namorada e três gatos https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/mercado-eu-minha-namorada-e-tres-gatos/ Wed, 11 Aug 2021 14:27:45 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/mercado-eu-minha-namorada-e-tres-gatos/ O avanço da vacinação impõe uma retomada gradual das atividades presenciais. No entanto, modelos híbridos de trabalham conquistam influência entre os profissionais

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Agosto marcou a volta às aulas para a maior parte dos alunos das redes pública e privada. O fato dá uma sensação de retorno a algum grau de normalidade social. Os estragos do confinamento sobre a formação e equilíbrio emocional das crianças e jovens somente serão conhecidos lá na frente. Por enquanto, fica a certeza de que aqueles que não tiveram acesso às medidas mitigadoras do isolamento, como serviço de internet em banda larga, aprendizagem remota de qualidade e suporte familiar, terão muito mais dificuldades, no futuro, de inserção no mercado de trabalho. Roteiro certo para a ampliação das desigualdades sociais no país das injustiças seculares.

O mês também trouxe outras movimentações no universo produtivo. O avanço da vacinação acelerou a retomada dos negócios e as empresas, em especial do setor de serviços modernos (tecnologia da informação, serviços financeiros, comunicação, consultoria, design, arquitetura, etc), começaram a retornar ao chamado trabalho presencial. Muitas delas de um jeito diferente. E que jeito é esse?

Com o avanço da vacinação e a retomada das atividades, modelos híbridos de trabalho, como o coworking, ganham espaço.
Com o avanço da vacinação e a retomada das atividades, modelos híbridos de trabalho, como o coworking, ganham espaço. Foto: Reprodução (Sebrae-SP)

Recuando no tempo, experiências de trabalho a partir de casa já vinham sendo vivenciadas há anos, sobretudo em empresas de tecnologia, naquelas funções I. em que havia clareza quanto às tarefas a serem executadas; II. existia boa conexão; e III. onde os mecanismos de supervisão podiam funcionar tranquilamente à distância.

Com a pandemia, o trabalho remoto (ou híbrido, quando o corona parecia dar um refresco) impôs-se como modelo. Mas nem todas atividades fluem da mesma maneira, assim como nem todas as pessoas dispõem de condições materiais e psicológicas para converterem suas casas em escritório sem perda de performance profissional e satisfação pessoal. O aprendizado de dezoito meses de experiência forçada está sendo processado de forma diferente pelas empresas.

Pelos sinais do mercado, há três grupos de abordagens. Um para o qual a dissipação dos valores organizacionais provocada pelo distanciamento social sequestra potência de negócios (são as empresas centradas na cultura). Outro para o qual a economia com locação de imóveis, infraestrutura, energia e itens assemelhados justifica eventuais perdas de eficiência produtiva (são as empresas focadas no resultado). E um terceiro grupo que procura saltar essas duas leituras, deslocando a racionalidade da decisão para a perspectiva do empregado, ao invés do empregador (são as empresas centradas no bem estar do capital humano).

Em qualquer das situações, mudou tanto a relação do empregado com a sua própria casa quanto a visão empresarial sobre os espaços tradicionais de trabalho. O mercado vem registrando forte crescimento na demanda por habitações melhores e mais bem divididas, num sinal claro de que a cultura do home office foi absorvida por parte dos trabalhadores das áreas mencionadas mais acima (segundo o SECOVI/SP, a venda de imóveis residenciais na capital paulista nos últimos 12 meses foi 38% maior do que no período anterior).

Ao mesmo tempo, a locação de edifícios para escritórios ainda não recuperou o terreno perdido na pandemia, terminando o primeiro trimestre de 2021, segundo o portal InfoMoney, com uma taxa de vacância na cidade de São Paulo de cerca de 22%, contra aproximadamente 15% verificada no primeiro trimestre de 2020. No Rio de Janeiro, a vacância vai a próximo de 32%.

Há casos emblemáticos de enxugamento de espaço físico em empresas como a XP Investimentos, Itau, Embraer, Ticket Refeições, Tim, entre outras que fizeram opção por um esquema de trabalho híbrido. Esse modelo prevalecerá no mundo pós-covid, pois é quase certo que a capacidade de influência do empregado qualificado crescerá – e, em algumas atividades, até predominará – em relação à lógica puramente financeira das empresas.

Por esta linha de raciocínio, uma fração dos empregos estará definitivamente perdida para os escritórios convencionais, pois há vagas sobrando em qualquer parte do mundo para quem fale inglês, encare o fuso horário e tenha o domínio das habilidades profissionais requeridas na nova economia de serviços sofisticados suportados por tecnologias digitais e muita inovação. Esse profissional – o trabalhador do conhecimento, especialmente os mais jovens e sem filhos – quer flexibilidade e autonomia. Pode até ir no escritório vez por outra, mas prefere mesmo um co-working perto de casa ou trabalhar na sua própria residência, onde fica mais perto do companheiro ou companheira e dos pets queridos. E longe da próxima virose.

É esse público que, no limite, determinará o futuro jeito dos escritórios.

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O grande vagalume https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/o-grande-vagalume/ Wed, 28 Jul 2021 12:34:06 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/o-grande-vagalume/ O excesso de improviso na gestão pública federal, acrescido pelo descaso com a ciência e a educação, é a única explicação razoável para a atual situação do CNPq

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Os especialistas ensinam que planejamento é o contrário de improviso. Fora do planejamento, tudo é aventura. No planejamento, construímos futuros. No improviso, somos arrastados pelas circunstâncias: o destino é um lugar que nunca chega e o longo prazo não resiste a um vento forte. No improviso, é um salve-se quem puder a cada instante, e o futuro é matéria de arrivistas.

Falta de planejamento e descaso com a ciência configuram a atual situação do CNPq.
Falta de planejamento e descaso com a ciência configuram a atual situação do CNPq. Foto: Reprodução com alterações (Flickr)

No passado, os navegadores eram mais prudentes. Além dos instrumentos e cartas náuticas, carregavam qualquer informação que pudesse ajudar na missão. Muito apreciadas eram as instruções de outros que haviam feito percurso similar. Cabral é um exemplo de que isso funciona.

Restou pouca coisa dessa expedição. Um desses salvados é a deliciosa carta de Caminha. Outro, são as orientações fornecidas por Vasco da Gama, que tinha acabado de retornar do oriente e conhecia o regime das águas e dos ventos do mar oceano.

O marinheiro magistral registrou que, para contornar o continente africano, era recomendável fazer a volta do mar, se afastar da costa na direção do que veio a ser mais tarde o Brasil – precisamente a 600 léguas do litoral sul da Bahia – e só depois então apontar para o Cabo da Boa Esperança. Essa é uma das explicações possíveis para a tranquilidade que foi o “achamento” do nosso país.

Acontece que, depois de achado, o Brasil vez por outra dá um perdido nele mesmo por falta de quem pegue o leme com conhecimento de causa. Construir um país sem educação e ciência é como navegar sem piloto e instrumentos. Parado, no porto, você até sabe onde está. Mas no mar aberto, fica a critério das ondas. Boiando feito balsa n’agua.

O excesso de improviso na gestão pública federal, o descaso com a ciência e o descompromisso com o país são a única explicação razoável para a situação atual do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –, agência que há 70 anos suporta a pesquisa e formação de cientistas, pesquisadores, tecnólogos, professores de pós-graduação. De bolsas de iniciação científica até pesquisas avançadas sobre qualquer coisa, quase tudo tem o dedo do CNPq.

Quem vem acompanhando o calvário do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação teve, essa semana, mais um choque. Previsível, aliás. A precarização acelerada do CNPq acaba de evaporar – roga-se para que exista backup de tudo! Os dados de uma centena de milhares de pesquisadores brasileiros e colaboradores estrangeiros cujos históricos de estudos, publicações científicas, grupos de pesquisa, projetos e currículos, entre outros, estão registrados em um complexo de sistemas indisponíveis há 5 dias. E sem previsão de retorno.

Problemas de acesso já vêm sendo reportados há mais de um mês pelos usuários. Sistemas dão tilt. Justo por isso, quanto mais críticas as informações, mais seguros e controlados devem ser os ambientes onde operam. Redundância é o básico nessa arquitetura. Mas, a julgar pelas quantidades de posts nas redes sociais e grupos de WhatsApp, em que profissionais do próprio CNPq e instituições conexas pedem socorro externo, de servidor de backup a apoio técnico, a coisa parece ser muito séria.

O CNPq informou nas mídias que está tomando as medidas necessárias, e assegura que dispõe de novos equipamentos de TI, tendo a migração dos dados sido iniciada antes do ocorrido. Respostas vagas assim aumentam a apreensão e desconfiança quanto ao que verdadeiramente importa: a capacidade do órgão de promover a recuperação integral dos dados. Sem abrir o jogo, o MCTIC e a Agência passam a ideia de que o buraco é mais fundo.

E é mesmo, ainda que tudo dê certo nesse assunto.

Agora é esperar o próximo serviço público que vai colapsar. O país dos apagões está se tornando uma gigantesca nuvem de vagalumes.

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Reflexos da pandemia no empreendedorismo de baixo impacto https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/reflexos-pandemia-empreendedorismo/ Wed, 21 Jul 2021 23:14:56 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/reflexos-pandemia-empreendedorismo/ Um dos reflexos da pandemia do novo coronavírus no Brasil tem se dado no empreendedorismo de baixo impacto

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Dizia um amigo que, no torniquete, os números confessam qualquer coisa. Estatísticas requerem cautela no trato. Deveriam provocar mais reflexões do que afirmações conclusivas. O Brasil sempre se orgulhou de ser uma potência do empreendedorismo. Em certos momentos, chegou a ter a maior taxa de empreendedorismo do mundo. Hoje anda em 7º lugar.

Isso é calculado como a proporção de empreendedores, formais ou informais, sobre a população adulta na faixa de 18 a 64 anos que i. ou têm um negócio estabelecido (em operação há mais de 3,5 anos); ou ii. têm um negócio inicial, subdividido aqui em duas categorias: os nascentes (em processo de gestação ou criados há no máximo 3 meses); e os novos (até 3,5 anos). Em números absolutos, são 44 milhões de empreendedores no país. Em termos relativos, 31,6%.

A fonte usada é a pesquisa GEM – Global Entrepreneurship Monitor. É um trabalho realizado há 21 anos em mais de uma centena de países. Coisa séria, conduzida no Brasil pelo SEBRAE e pelo IBQP – Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade. A divulgação recente passou meio em branco pelos analistas. Mas é bom olhar alguns insights. Apenas para contextualizar, a pesquisa foi realizada no 2⁰ semestre do ano passado, o que dá autoridade aos números para falar sobre o que se passava no auge da 1ª onda da pandemia.

No geral, a taxa total de empreendedorismo caiu cerca de 20% em relação a 2019. Não é um movimento usual, especialmente em tempos de crise. Mas a retração econômica na pandemia foi particularmente impiedosa com os negócios estabelecidos há mais de 3,5 anos, eliminando cerca de metade deles. No outro lado da balança, cresceu enormemente aquela categoria de empreendimentos iniciais. Podemos afirmar que esse segmento segurou o tombo.

Hoje, eles representam 74% do total de empreendimentos do país, o maior índice de toda a série histórica do GEM e o dobro do que se observa em épocas de PIB em alta. A questão é que, dentro dessa categoria, mais da metade são os chamados empreendedores por necessidade. (Aliás, a principal razão para se empreender no Brasil é a falta de emprego, citada por 82% dos empreendedores em resposta múltipla).

Na pressa de cacarejar alguns índices, como a já falada taxa total de empreendedorismo, quase nunca nos damos conta de que o tipo de empreendedorismo brasileiro é no geral de baixo impacto econômico. Não inova, não exporta, na sua maioria não gera empregos, funcionando basicamente como alternativa de ocupação própria para quem empreende. Nessa linha de raciocínio, podemos considerar que o povo brasileiro empreende acima de tudo uma grande política social, talvez a maior d país, muito maior, por exemplo, do que o Bolsa Família, que alcança 14 milhões de lares.

Empreendendo por necessidade

Empurrados para o mercado por falta de opção no país do desemprego a 15% – e não por vocação ou vontade – milhões de pessoas abrem negócios sem nenhuma ou muito pouca qualificação para ir além da autossustentação. Esse esforço não é desprezível, em especial porque funciona como um amortecedor para as tensões sociais. Mas as chances de acerto do ponto de vista econômico são mínimas. A resultante é a realimentação do ciclo de empobrecimento e a ampliação das desigualdades sociais num mundo em que novas habilidades, inclusive empreendedoras, são requeridas a cada instante, impulsionadas pela revolução tecnológica em curso. Esse é o significado real do empreendedorismo por necessidade.

Historicamente, há uma relação direta entre crise econômica e crescimento desse tipo de empreendedorismo. Mas três outras características chamam atenção nesse cenário de pandemia. A primeira é um certo envelhecimento do contingente de novos empreendedores. Possivelmente tem relação com a já mencionada força da destruição dos negócios já estabelecidos, onde predominam pessoas mais maduras. Sem alternativa na crise, mudam de status, e vão se somar àqueles que começam do zero. Nos últimos três anos, a participação relativa dos empreendedores acima de 45 anos vai de 21% para 27,1%, enquanto a faixa de 18 até 34 anos decresce de 57% para 47,2%, alterando a proporção, em números redondos, de 1:3 para 1:2 entre os dois grupos etários.

Desigualdade de gênero

Outra mudança de perfil diz respeito a gênero. Quando se analisa a série de 20 anos de pesquisas, não se identifica um padrão de comportamento dentro do segmento de negócios iniciais. A participação de mulheres, tanto cai, como sobe, em momentos de declínio ou de expansão, gerando, na média dos últimos dez anos, uma divisão rigorosamente igualitária. Mas o fato é que as mulheres parecem ter sido mais penalizadas pela pandemia. Hoje, mulheres empreendedoras são apenas 45% do total, contra 55% de homens.

Informalidade, baixa escolaridade e desalento

Por último, a componente escolaridade. Nesse caso, independentemente da pandemia, vem acontecendo nos últimos anos uma mudança expressiva no padrão de formação daqueles que iniciam novos negócios. O fundamental incompleto, que por anos representava em torno de 25% do total, agora é inferior a 10%. Por outro lado, a escolaridade superior salta de 6%, em 2017, para 24%, em 2020.

Há muitas interrogações a serem respondidas com o intuito de conhecer esse novo perfil do empreendedorismo brasileiro. A pergunta central é: para onde estão indo os jovens, mulheres e pessoas de baixa escolaridade? Serão eles maioria no segmento de desalentados? Estarão acomodados com o auxílio emergencial e outros programas sociais de governo, como afirma o andar de cima? Estão alocados em ocupações informais, secundárias e mesmo dispensáveis, tão à margem do trabalho decente que sequer são enxergados por estudos como GEM?

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A Somália ainda é o pior lugar do mundo https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/a-somalia-ainda-e-o-pior-lugar-do-mundo/ Wed, 14 Jul 2021 18:02:15 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/a-somalia-ainda-e-o-pior-lugar-do-mundo/ A publicação da 17ª edição do Relatório Doing Business 2020 do Banco Mundial ratificou a péssima colocação brasileira no cenário global. Hoje, o Brasil amarga a 124ª posição no ranking de 190 países, mais ou menos o mesmo lugar de sempre

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O Brasil vive uma guerra longa, e até aqui mal sucedida, contra as travas que o estado impõe aos negócios. Isso vem desde fins dos anos 70 do século passado, quando a tentativa de reduzir os atritos burocráticos das leis e regulamentações resultou na criação do Ministério da Desburocratização. Desse período resultou, por exemplo, o Juizado de Pequenas Causas (1984). 40 anos depois, continuamos discutindo as mesmas questões.

Hélio Marcos Pena Beltrão, Ministro Extraordinário da Desburocratização, 1980.
Hélio Marcos Pena Beltrão, Ministro Extraordinário da Desburocratização, 1980. Foto: Reprodução (Domínio Público).

A publicação da 17ª edição do Relatório Doing Business 2020 (dados de 2019) do Banco Mundial e, mais recentemente, o recorte subnacional da mesma publicação (dados de 2020), ratificou nossa péssima colocação no cenário global e possibilitou uma comparação interestados. O Brasil amarga a 124ª posição no ranking de 190 países, mais ou menos o mesmo lugar de sempre. Duas vezes pior do que a classificação média dos demais países dos BRICS, por exemplo, e disputando no olho mecânico com o Paraguai (125º).

Mas o mergulho na realidade das capitais brasileiras, feito pela primeira vez, mexeu com os brios da pessoa comum e aproximou mais o problema das lideranças políticas e empresariais. Nas minhas redes sociais, foi certamente um dos trending topics do mês. Descobrir-se cinco vezes pior do que o Cazaquistão ou duas vezes mais inóspito para negócios do que o Kosovo ou Bielorússia (aquele país em que o presidente recomenda vodka contra a covid) é realmente desagradável. Mas pior é saber que o lugar onde você mora toma três vezes mais tempo para conceder um alvará de construção ou para licenciar um negócio que seu estado vizinho. Ou que sua cidade cobra 10 vezes mais para abrir uma empresa em comparação com outra.  

Pelo que se vê nos meios de comunicação, o índice parece ter despertado nos governantes uma disposição de ir além de promessas de reformas que nunca chegam. O governo federal já vem endereçando a questão por meio de um conjunto de iniciativas, com destaque para a lei da liberdade econômica (Lei nº 13.874/2019). Os governos estaduais e municipais, através de seus comitês de desburocratização ou equivalentes, tentam adequar-se ou mesmo avançar, ampliando, por exemplo, o número de CNAEs isentos de alvará para início de funcionamento – um dos pontos críticos na performance do país no referido ranking.

Tudo isso ajuda, mas tem alcance limitado. Primeiro porque as mudanças em curso se dão no contexto de um emaranhado de leis conflitantes entre si, dentro de cada nível e entre os níveis de governo, trazendo insegurança jurídica e retardo na implementação das melhorias propostas. Segundo, porque a questão tributária, maximus inter maximus dos problemas, segue sendo tabu, e nenhum ator, seja público ou privado, parece disposto a abrir mão de receita, ainda mais agora em momento de crise econômica. A balbúrdia que tem sido a condução da reforma fiscal, onde governo federal, congresso e mercado não se entendem em nada, espelha bem a nossa realidade e justifica porque somos o 184º país no quesito impostos do referido estudo do Banco Mundial.

Em terceiro, porque a questão de fundo nunca é tocada: gente. Muito do nosso atraso decorre da baixa produtividade do capital humano. Ora tangenciamos o problema, como quando confundimos melhoria de competitividade do setor produtivo com melhoria do ambiente de negócios (estão relacionadas, mas não são a mesma coisa); ora erramos o alvo, como quando, para fins de equilíbrio fiscal, asfixiamos o sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação e, dentro dele, com frieza e rigor matemático, suprimimos verbas para a formação de pesquisadores e capital humano qualificado.

O orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações foi reduzido em cerca de 29% em relação ao já minguado 2020, sendo hoje metade do que foi há oito anos. As universidades e Institutos Federais sofreram cortes de aproximadamente 20%, equivalendo a um sequestro de cerca de R$ 1 bilhão.

A atividade empresarial se ressente do apagão de mão de obra. A CNI – Confederação Nacional da Indústria, projeta um déficit de 300 mil trabalhadores somente nas atividades relacionadas com digitalização e automação industrial. Esse número é similar ao que se estima de vagas em aberto no setor de tecnologia da informação.

Pelo ranking do Doing Business 2020, o pior lugar do mundo é a Somália. Com um pouco mais de esforço, o país da cloroquina, do orçamento secreto e do desmantelo político chega lá.

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As startups mereciam mais https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/as-startups-mereciam-mais/ Wed, 26 May 2021 17:06:59 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/as-startups-mereciam-mais/ O Brasil não perderia mais essa oportunidade de perder uma oportunidade – apropriando aqui tirada célebre do economista e frasista Roberto Campos

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Um aluno fez uma pergunta aparentemente ingênua dia desses. “Por que agora toda empresa tem que ser startup?” Não tem, claro. Mas é como se tivesse, dado o destaque que esse tipo de empreendimento – prefiro modo de empreender – vem ganhando nos dias de hoje. É que as startups são os principais engenhos de inovação numa economia movida à … inovação! Elas geram, a custos ínfimos, mais empregos e riqueza do que qualquer empreendimento da economia tradicional. A diferença é de ordens de grandeza. No auge da crise financeira de 2008, metade dos novos empregos criados na economia americana foi em startups.

Esse universo movimenta anualmente centenas de bilhões de dólares em aporte de capital para novos empreendimentos, desde a fase nascente até o estágio de oferta de ações em bolsa. Somente nesta última semana, na plataforma de notícias sobre inovação e startups TechCrunch, foram registradas 331 rodadas de investimento, totalizando valor da ordem de U$ 12 bilhões. A notoriedade das startups aumentou ainda mais nesse período em que a pandemia jogou parte do trabalho para o modo remoto. Como as startups já têm em seu sistema operacional essa configuração de funcionamento, ficou mais fácil produzir no novo contexto. E, embora pareça um paradoxo, elas continuaram crescendo na crise. Somente no Porto Digital, parque tecnológico instalado no Recife e especializado em tecnologia de informação e economia criativa, atualmente com 340 empresas, a maioria startups, existem hoje cerca de 2000 vagas em aberto. Mas falta gente, o que é outra questão.

Diante da relevância das startups na nova arquitetura global de negócios, vários países vêm criando legislações específicas para facilitar a vida de quem empreende pesquisa e inovação tecnológica. Há duas semanas foi a vez do Brasil, com a aprovação pelo Congresso Nacional do chamado Marco Legal das Startups. Foi um avanço. Objetivamente, o Brasil vivia a ameaça de ficar fora da corrente de investimentos globais em startups, pois outros mercados se mostram muito mais receptivos ao capital investidor privado de risco. Esse tipo de dinheiro deve ser atraído e incentivado, pois dá mais resposta do que programas públicos de investimento direto em startups. Questão de eficiência de gestão e saber lidar com a dinâmica do mercado.

O primeiro ganho com a nova lei é a não responsabilização dos investidores na gestão das startups e o eventual comprometimento de seu patrimônio em passivos financeiros, fiscais e trabalhistas da empresa investida. A insegurança jurídica era um grande fator inibidor do crescimento do ecossistema de startups e, por consequência, da inovação no Brasil. A lei avançou também na ampliação do rol de investidores em startups, passando a incluir empresas dos setores regulados, como energia, telecomunicações, petróleo e outras que têm obrigação de investir em pesquisa, desenvolvimento e inovação.

Na perspectiva da esfera pública, a lei trouxe dois mecanismos que contribuirão para injetar mais inovação e qualidade nos serviços para a sociedade. Um deles é a formalização do Sandbox Regulatório – ambiente legal em que as regras tradicionais são temporariamente suspensas ou flexibilizadas para que as startups testem novas tecnologias, processos e modelos de negócio. O Banco Central já vem fazendo isso, como forma de absorver as inovações que vêm sendo despejadas no mercado pelo agressivo mundo das fintechs. O outro é a criação do contrato público de solução inovadora. Trata-se de uma regulamentação simplificada para contratação de startups em condições diferenciadas, com a ressalva de que, por esse instrumento, o poder público não necessariamente será detentor da propriedade intelectual da inovação formulada no âmbito do projeto.

Mas como naturalmente o Brasil não perderia mais essa oportunidade de perder uma oportunidade – apropriando aqui tirada célebre do economista e frasista Roberto Campos – a lei também tem seus pontos vulneráveis. Um deles foi a injustificável vedação do uso das stock options, ou opção de compra de ações. É uma prática comum, no meio das startups, que os empreendedores, diante das limitações financeiras para contratação de capital humano qualificado, ofereçam em troca participação no negócio. Há repercussões de natureza fiscal e trabalhista associadas a esse tipo de operação. Por isso havia uma expectativa de que a Lei regulamentasse a utilização desse instrumento por parte das startups.

As consequências poderão ser graves para o país. Com a disseminação da prática do trabalho a partir de casa, combinada com a reconhecida escassez global de mão de obra qualificada em tecnologia, o risco dos melhores talentos trabalharem para empresas estrangeiras, técnica e salarialmente mais competitivas, é muito alto.

Outro mecanismo contraproducente para o desenvolvimento das startups diz respeito à exigência de que aquelas empresas que são legalmente obrigadas a investirem em pesquisa, desenvolvimento e inovação, somente possam aplicar recursos em editais ou concursos conduzidos por entidades da administração pública.

Prevaleceu aqui o conservadorismo mais extremo, em detrimento do próprio espírito da lei. Enquanto governos não resolverem sua relação confusa com o mercado, o país seguirá andando de lado.

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Orçamento da ciência é pura alquimia https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/orcamento-da-ciencia-e-pura-alquimia/ Wed, 19 May 2021 16:40:29 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/orcamento-da-ciencia-e-pura-alquimia/ Não sendo prioridade, a ciência sangra na navalha do ajuste fiscal

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A situação dramática da ciência, tecnologia e inovação do país tem sido objeto de muito debate nos últimos anos. Nada parece sensibilizar as autoridades públicas quanto à importância dessas três palavras para o desenvolvimento. A perda progressiva de relevância no cenário econômico global (já não somos a 8ª nem a 10ª economia, talvez a 12ª); o declínio no ranking de inovação (saímos da 47ª para a 62ª posição entre 2011 e 2020); a desonrosa posição no fila dos países mais competitivos (penúltimo em lista de 18 economias assemelhadas, segundo a CNI).

Na dura disputa por maior protagonismo na economia mundial, os países investem parcelas crescentes de sua renda em C,T&I. Quanto a nós, andamos para trás, despendendo em torno de 1% do PIB, metade da média dos nossos competidores diretos. Nessa contabilidade descuidada, a fatura chega depressa. Somos altamente deficitários em nossa balança comercial com o resto do mundo quando se trata de itens de maior intensidade tecnológica. Mesmo com redução significativa na importação de máquinas, equipamentos e serviços avançados, consequência direta da crise econômica que se arrasta há seis anos e da menor oferta de recursos públicos incentivados, o furo aí já se aproxima dos US$ 100 bilhões.

Tem algo fundamentalmente errado na estratégia nacional de desenvolvimento. Devemos ter orgulho da eficiência do agronegócio brasileiro? Sim, claro. Até porque ela se deve muito aos investimentos acertados feitos no passado em pesquisa e desenvolvimento para a agropecuária. Mas o Brasil teria que se transformar em um grande campo de soja para dar conta das necessidades nacionais de insumos e produtos que nossa negligência impediu de gerar internamente. Além, claro, de fazer uma boa diplomacia externa e aposentar a motosserra para não perder os clientes que os empreendedores brasileiros conquistaram por mérito. Por mais importante que seja, uma pauta baseada em commodities é insuficiente para gerar emprego e renda à altura das demandas do país.

Não sendo prioridade, a ciência sangra na navalha do ajuste fiscal. No MCTIC, os cortes chegaram perto de 30% frente à proposta orçamentária original, e os recursos do país para essa área são hoje cerca de metade do que eram há 10 anos. Pelo quinto ano consecutivo, as universidades federais tiveram redução em seu orçamento. Neste caso, da ordem de 18% frente a 2020, coisa de 1 bilhão de reais. Até mesmo a coluna vertebral do financiamento público de CT&I no Brasil – o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Ciência, Tecnologia e Inovação (FNDCT) – segue na mira dos snipers da sociedade do atraso. Ainda que oficialmente proibido de sofrer contingenciamento (Lei 177/21), o Fundo foi descarnado em 90% no orçamento de 2021.

Existindo um mínimo de coerência legal e compromisso com o futuro, R$ 5,5 bilhões estariam integralmente disponibilizados ainda neste ano para sua finalidade, sem cortes. Isso significaria uma alforria para cientistas, tecnólogos, gestores de ambientes de inovação, empreendedores e outros agentes que se dedicam a produzir conhecimento e gerar negócios inovadores para o desenvolvimento do país.

O uso do condicional duas vezes seguidas pode parecer estranho, mas o fato é que FNDCT tem sido retorcido até trincar a emenda dos ossos. Como a Lei referida acima foi simplesmente ignorada quando da elaboração do Orçamento da União, sobraram R$ 500 milhões para financiar a infraestrutura de pesquisa, laboratórios, parques tecnológicos, startups etc. O claro conflito entre as duas Leis provavelmente será judicializado, levando a questão para o STF e aumentando desnecessariamente o tempo de permanência na UTI do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação.

Antevendo problemas, o governo articula uma outra forma de esvaziamento do FNDCT. Trata-se aqui de requentar dinheiro velho, acomodando verbas orçamentárias já aprovadas em outras atividades no âmbito do MCTIC ou mesmo de outros órgãos federais como se fossem despesas passíveis de financiamento pelo Fundo. O objetivo é aliviar o impacto fiscal sobre as contas públicas, tal como está escrito em ofício do Ministério da Economia do início deste mês.

Além de lesiva para o país, a manobra é igualmente ilegal, pois usurpa a competência do Conselho Diretor do FNDCT, a quem cabe definir a alocação e uso dos recursos do Fundo. Não precisava ser assim. Mas é assim que as coisas vêm funcionando pro lado da ciência, tecnologia e inovação no Brasil.

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Empreendedorismo e as expectativas econômicas dos pequenos negócios https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/empreendedorismo-e-as-expectativas-economicas-dos-pequenos-negocios/ Tue, 11 May 2021 18:12:05 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/empreendedorismo-e-as-expectativas-economicas-dos-pequenos-negocios/ Deveríamos tratar bem o empreendedor e cultivar o empreendedorismo como uma estratégia nacional de desenvolvimento

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Empreender não é uma tarefa fácil em nenhum lugar. Aqui é um pouco pior. Além das dificuldades naturais, o já tão decantado custo Brasil – aquela mistura de burocracia, impostos elevados e quase inadministráveis no manicômio tributário, crédito curto e caro, etc. – torna a vida de quem gera emprego e riqueza uma tormenta. O empreendedor não é um tipo que se acha em qualquer esquina. Ele tem habilidades especiais. A mais importante é a capacidade de combinar, numa única estrutura psicológica, uma forte capacidade de visionar e um elevado senso prático. Isso chama dois outros traços marcantes desse personagem: a disposição para correr riscos e a perseverança, aquela energia que move as pessoas na direção certa apesar dos obstáculos. 

Não se trata de características que convivem habitualmente numa mesma pessoa. Todo mundo conhece alguém que sonha tanto que parece até que vive no mundo da lua (quando isso tinha outro significado, já que hoje todos temos um pé lá). Qualquer um também lida com pessoas altamente pragmáticas, que possuem os dois pés fincados na pedra dura do chão. Mas a mistura desses dois traços não é trivial. Tomando emprestado a poesia de João Cabral, empreendedor, como engenheiros, sonha coisas claras: … o mundo que nenhum véu encobre

Por isso deveríamos tratar bem o empreendedor e cultivar o empreendedorismo como uma estratégia nacional de desenvolvimento. Aquele que mira o futuro, articula recursos e coordena a produção, que entrega valor para o mercado comprando a preços certos pra vender a preços não sabidos – para ficar aqui numa das definições mais antigas de empreendedorismo, do banqueiro francês do século 18, Richard Cantillon – merece ser melhor tratado pelo estado. Afinal, não existe nação próspera sem altas dosagens de empreendedorismo. Com apoio do estado, melhor ainda.

No Brasil, o tecido empreendedor é formado por 96% de pequenos negócios, incluindo aí MEIs – Microempreendedores Individuais; MEs – Microempresas e EPPs – Empresas de Pequeno Porte. Passado um ano de pandemia, o SEBRAE foi atrás de medir o ânimo desse segmento econômico. Num país onde prestígio, riqueza e poder se confundem com tamanho, ser pequeno no Brasil é carregar um fardo dobrado. Pois bem, pesquisa realizada pelo SEBRAE/FGV, publicada em março, traz dados inquietantes. O principal deles é a preocupação com o futuro do negócio. O estado de espírito é de aflição para 57% dos pequenos negócios. Apenas 10% estão otimistas. Alguns segmentos estão particularmente impactados. Alimentação (68%), economia criativa (67%) e beleza (64%) são os três mais críticos. No geral, esse universo só tem alguma esperança de voltar à normalidade (vender, faturar e pagar as contas) em julho de 2022. São 17 meses contados da data da pesquisa. Para se ter um parâmetro de referência, o Índice de Confiança do Empresário Industrial (Icei), medido pela CNI, superou 54% no mesmo período. Deixando claro aqui que são indicadores distintos, a comparação permite delinear o contraste entre esses dois mundos.

Essa mesma pesquisa do SEBRAE traz dois indicadores que ajudam a explicar tal estado de ânimo. O primeiro é a queda do faturamento em relação ao período anterior à pandemia, que piorou para 79% dos estabelecimentos.  O segundo é o grau de endividamento, que jogou 69% dos negócios nas garras dos bancos oficiais, cooperativas de crédito e agiotas. 38% já não conseguem honrar suas dívidas. Não é à toa que as duas principais esperanças dos PNs eram o retorno das linhas de crédito especiais abertas pelo governo durante a fase inicial da crise, com destaque para o Pronampe; e a prorrogação do auxilio emergencial, pela capacidade desse benefício aquecer a demanda por bens e serviços. 

Técnicos do SEBRAE, ao início da pandemia, estimavam que, sem apoio oficial, a capacidade de enfrentamento da crise por parte dos pequenos negócios, o chamado fôlego do empreendedor, era de 3 a 4 meses. No limite da asfixia, vieram os programas governamentais. Que foram erroneamente suspensos em dezembro e somente agora retomados numa edição mais tímida.

Estamos em maio de 2021 e o governo anuncia mais atrasos no cronograma de vacinação. Quantos pequenos negócios ficarão pelo meio do caminho?

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Pobre MEI https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/pobre-mei/ Tue, 04 May 2021 20:05:34 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/pobre-mei/ Na pandemia, os MEIs cresceram, mas o faturamento caiu para 82% dos estabelecimentos. A perda média mensal de faturamento foi de 38% e a necessidade de crédito obviamente cresceu.

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Na era do conhecimento, a gente fez a opção pela ignorância, pelo desconhecimento de tudo. O apagão da ciência, os cortes na educação, o cancelamento do Censo são demonstrações claras. Há meses, o ministro da economia mostrou-se abismado com a descoberta de que havia 38,1 milhões de pessoas invisíveis no Brasil. Tipo os reis europeus quando viam a exibição de nativos americanos na época dos descobrimentos. 

Só quem desconhece a realidade do Brasil profundo é que pode chamar essas pessoas de invisíveis. Porque elas estão aí. Só não vê quem não quer. Elas acordam, trabalham, estão nas ruas, nos sinais, nos lixões. Muitas são exageradamente pobres e desassistidas a ponto de sequer pleitearem algum benefício. Outras, por não serem tão pobres, ficam no limbo, naquele terreno onde nem se tem carteira assinada, nem se tem direito aos benefícios públicos. Passa de um milhão os que têm seus pleitos negados e estão aguardando na fila do Bolsa Família. 

Para o burocrata, tudo é questão de cadastro. Se não tá lá, então não existe. E assim, o mundo real fica reduzido ao que Brasília enxerga. Um pouco de boa vontade com esse pedaço da sociedade e o governo já teria descoberto há muito tempo os tais invisíveis no cadastro do SUS, das escolas públicas, da conta de luz.

Existe um outro segmento quase invisível da sociedade recém descoberto pelo Brasil oficial, que embora tenha até CNPJ, é como se não existisse. Falo do MEI. Gente que, produzindo de alguma forma, ajuda o país a sustentar seu precário equilíbrio social. MEIS são os Microempreendedores Individuais, categoria de autônomos resgatados da informalidade econômica com base em Lei Federal de 2008, com faturamento até 81.000,00/ano. Ao custo individual, para o indivíduo, próximo de R$ 60,00/mês, o MEI passa a ter direito a um CNPJ, acesso à previdência, possibilidade de abrir uma conta bancária, auxílio natalidade, essas coisas triviais no cotidiano de quem vive do lado onde o sol bate todos os dias. Precisamos conhecê-los melhor para melhorar a qualidade das políticas públicas para esse segmento. 

O SEBRAE, que liderou o movimento pela criação dos MEIs, roda sistematicamente pesquisas que jogam luz nesse universo. Desde o início da crise sanitária, foram criados perto de 1,5 milhão de MEIs. Eles são hoje cerca de 11 milhões. Esse crescimento já era esperado em virtude da elevação do desemprego do período. Na falta de empregos formais, de habilidades e recursos para empreender algo mais estruturado – um negócio, como se diz – milhões de brasileiros contornam a precarização das condições de ocupação e renda se convertendo em MEIs. Excluindo mais de 5 milhões de desalentados (pessoas que desistiram de procurar trabalho), o Brasil está beirando 15 milhões de desempregados.

Estamos então falando de quase 60% dos negócios formais (o Brasil tem perto de 19 milhões de CNPJs, segundo a Receita Federal). Talvez essa seja uma das políticas sociais mais impactantes do país. Ela ombreia com o Bolsa Família, de cujo núcleo aliás vem parte desses microempreendedores individuais. 

Pobres custam muito ao país, mas o combate à pobreza não. Os críticos fazem contas pelo lado estritamente financeiro, e argumentam que MEIs dão prejuízo ao país sob forma de subsídios (perda de arrecadação), coisa de R$ 2,5 bilhões/ano. Equivale a 8% do Bolsa Família. Somados, os dois programas custam menos ao Tesouro do que a elevação de 1 ponto percentual da taxa SELIC. É muito pouco pelo tanto que entregam em favor da redução das desigualdades sociais e da pobreza.  Que aliás, voltou a crescer muito ultimamente. 12,8% da população vivem hoje em extrema pobreza.

Na pandemia, os MEIs cresceram, mas o faturamento caiu para 82% dos estabelecimentos. A perda média mensal de faturamento foi de 38% e a necessidade de crédito obviamente cresceu. Mas apenas 1 de 5 solicitações é emplacada. Continuam quase invisíveis aos olhos das instituições financeiras. 

A legislação que regula o MEI não ajuda na mobilidade social. Se faturar no limite mensal de R$ 6.750,00, ele paga 0,9% do que ganha para se manter em dia com o governo. Mas se passar disso, pula para outra categoria, a de microempresa, cujo faturamento vai até R$ 360.000,00/ano. Nessa condição, o custo mínimo para se manter adimplente com os tributos é de 4% do faturamento. Um MEI do segmento do comércio que tenha a virtude de progredir e passe a faturar R$ 10.000,00/mês é brindado com um custo fiscal de R$ 400,00 – 7 vezes mais do que na faixa anterior. Por que não criar alíquotas diferenciadas para várias faixas de faturamento, de maneira a suavizar o impacto sobre a renda do MEI? O Ministério da Economia sinaliza com o BIP –Benefício de Inclusão Produtiva. Um anagrama de gosto duvidoso, vindo de quem já mirou em empregadas domésticas e acertou em porteiros. Se não for ironia, quem sabe mais pedaços da população invisível venha a fazer parte do PIB real?

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Pedalaram o orçamento e a ciência pode ficar com a conta https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/pedalaram-o-orcamento-e-a-ciencia-pode-ficar-com-a-conta/ Tue, 20 Apr 2021 19:58:07 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/pedalaram-o-orcamento-e-a-ciencia-pode-ficar-com-a-conta/ O fato do Brasil investir apenas 1,2% do PIB em CT&I, contra perto de 4% de países como Coreia e Israel, não constrange as autoridades

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Agora é oficial: aquilo que já causou a queda de uma presidente está liberado pelo Congresso. Para pagar a conta do apoio político do centrão, arranjo feito entre o presidente da Câmara e o Governo Federal fura o teto de gastos e a meta de déficit fiscal para viabilizar R$ 16 bilhões de emendas parlamentares enfiadas no orçamento pelo seu relator. O imbróglio do orçamento, considerado inviável por subestimar na cara dura despesas obrigatórias para acomodar pleitos da base aliada, já foi esmiuçado por especialistas. A questão agora é saber quem e como se vai pagar a conta, incluindo aí o que sobra para a ciência e tecnologia do país.

No limite das negociações, o orçamento criativo suprimiu do denominador da equação o Pronampe – Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte e o BEm – Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda para fins de cálculo do teto e déficit. Somando-se ao que já havia sido eliminado antes, como o auxílio emergencial, a operação leva o dedo fura-bolo para perto de R$ 100 bilhões. Por coincidência, estes dois itens equivalem aos tais R$ 16 bi. Salvou as emendas e jogou o problema lá pra frente, aumentando o deficit público, que marcha ligeiro para 100% do PIB. Cresceu também o déficit de credibilidade do ministro Paulo Guedes, cujo fervor liberal não resistiu a 2 anos de frigideira da política real. Flagrado há duas semanas cozinhando um pacote fura-teto, o Ministério da Economia descartou o prato mas aproveitou a receita.

Como o nível de ajustes necessário será maior do que o acordo feito no Congresso, outras rubricas devem ser remanejadas para bancar as despesas obrigatórias subdimensionadas no orçamento 2021. É aí onde pode entrar o FNDCT – Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. O Fundo foi reestruturado por meio da Lei Complementar 177/21. Essa lei sofreu dois vetos do presidente. No vai e vem das negociações, um dos vetos foi derrubado, resultando daí a proibição de contingenciamento dos recursos do Fundo. Uma grande vitória.

Para se ter uma ideia do que isso representa, a proposta orçamentária para este ano previa valor superior a R$ 5 bilhões, dos quais 90% ficariam contingenciados. Objetivamente, o orçamento real para a pesquisa e inovação seria reduzido a pouco mais de R$ 500 milhões. Pois bem, com a nova lei do FNDCT, a boa contabilidade foi restaurada e R$ 5 bi são R$ 5 bi. Mas a astúcia tem seus métodos, e a Lei 177/21, que foi aprovada (17/03) antes da Lei do Orçamento (25/03), não foi sancionada pelo presidente no tempo devido (a assinatura só encontrou o documento em 26/03), de sorte que, não sendo sancionada, formalmente não existe. E não existindo, não pode ser considerada no orçamento.

Foi o que aconteceu. Desta maneira, a comunidade científica e quem joga no time da ciência tecnologia e inovação ganhou mas não levou, e o FNDCT provavelmente será, mais uma vez, contingenciado, devendo ser objeto de negociações desgastantes para se preservar um mínimo. O Governo já sinalizou suas intenções ao propor, em reunião da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, dia 7 de abril, que seja liberado R$ 1 bilhão em alguma janela orçamentária e R$ 2,5 bilhões posteriormente, por meio de um PLN, projeto de Lei do Congresso Nacional. Compromissos assim, sem data, são frágeis. Além disso, a conta não fecha, ficando, na melhor das hipóteses, a meio caminho do que a Lei determina. Coisas do Brasil. Existe uma probabilidade real de judicialização da matéria. Mas, do ponto de vista prático, dará no mesmo, considerando-se o ritmo dos processos legal e legislativo combinados.

Os otimistas ainda dizem que há saída para financiamento da moribunda ciência nacional este ano. Seria por meio do referido PLN. Os pessimistas dizem que não, que governos assim, hostis à ciência e ao conhecimento, usarão a oportunidade de contingenciar o FNDCT para cobrir as falhas do orçamento. Os realistas esperançosos, categoria criada por Ariano Suassuna para designar quem fica entre os tolos da primeira e os chatos derrotistas da segunda, dirão que as chances da ciência são diminutas diante da pauta política congestionada por CPIs, déficit fiscal, teto de gastos, pedidos de impeachment e eleições à vista.

O fato do Brasil investir apenas 1,2% do PIB em CT&I, contra perto de 4% de países como Coreia e Israel, não constrange as autoridades. Porque investir em ciência, tecnologia e inovação é uma operação que transcende o tempo presente, e somente lá na frente é que se vai colher o fruto da decisão acertada. Coisa para estadistas. O que o governo precisa agora é de voto no Congresso e apoio fora dele. Isso tem preço. Um sério candidato a pagar a conta é o FNDCT.

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Existe mesmo uma estratégia brasileira de inteligência artificial? https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/existe-mesmo-uma-estrategia-brasileira-de-inteligencia-artificial/ Tue, 13 Apr 2021 19:01:25 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/existe-mesmo-uma-estrategia-brasileira-de-inteligencia-artificial/ Minha sugestão: revoga o decreto, reescreve reduzindo para cinco páginas, renomeia como ‘diretrizes básicas para uma estratégia de IA no Brasil’

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A EBIA não passou no teste de Turing. Não o teste original proposto pelo genial cientista inglês, um dos pioneiros da ciência da computação e da inteligência artificial. Mas uma adaptação em que as posições homem-máquina estão invertidas. Se você submeter a EBIA a uma máquina inteligente, e essa máquina espremer o burocrata que escreveu o texto, ela vai dizer: eu sei quem é o autor: é um ser humano. Qualquer máquina da minha classe faria melhor!

Se fossem apenas diretrizes gerais, caberia em cinco páginas e tudo bem. Mas enquanto estratégia, não cumpre o papel. Com um excesso de generalidades, citações repetitivas e desconexas, fontes de qualidade duvidosa e, principalmente, sem números, metas, recursos e responsáveis, a EBIA – Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial tem pouca utilidade. Se é estratégia, tem que ter foco, senso prático, servir como um norte e ter um ponto de chegada para posicionar o país de forma mais competitiva na economia digital. Estratégias expressam escolhas claras. Ronaldo Lemos, em sua coluna de ontem na FSP, manifestou a sensação de que se parece com um documento de graduação de faculdade, sujeito à reprovação. De acordo.

A EBIA é estruturada em nove eixos temáticos. Infelizmente, como quase tudo que é criado a partir das costelas da tecnoburocracia de Brasília, começa logo falando de limites, regulação e governança (eixos 1 e 2, para quem se der ao trabalho de contar, já que a organização e editoração do texto não indexam os tópicos), ao invés de enfatizar as possibilidades de aplicações da Inteligência Artificial para a prosperidade do país. É uma inversão de ordem que sacrifica o conteúdo. 

A EBIA escolheu caminho diverso de uma outra iniciativa do MCTIC, em parceria com o BNDES, que é o Plano Nacional de Internet das Coisas (2018). Este define com clareza o que fazer (as áreas prioritárias: cidades, saúde, indústria, agronegócio) e como fazer (as áreas habilitadoras: capital humano, inovação e inserção internacional, infraestrutura de conectividade e as questões regulatórias, de segurança digital e privacidade). A comparação entre os dois estudos é inevitável, não apenas pelo contraste quanto à clareza e objetividade, mas sobretudo pelo desalinhamento conceitual e de visão enquanto política pública. Este é um dos pontos mais vulneráveis, pois, apesar de citar o Plano de IoT, a EBIA definitivamente não dialoga com ele e desperdiça grande potencial de sinergia entre as ações de governo na área de ciência, tecnologia e inovação. O mesmo ocorre em relação a uma outra iniciativa recente do próprio MCTIC, que é a Estratégia Brasileira de Transformação Digital (2018).

Se fizer uma recombinação destes três instrumentos, o MCTIC terá uma chance de legar ao país uma política integrada para uso das tecnologias digitais. Enquanto isso não ocorre, resta comentar alguns pontos isoladamente. Alguns sérios, outros pitorescos. Na primeira categoria, surge de cara a questão ambiental. O documento cita diversas vezes a OCDE como referência. Em algum momento, no que deve ser a introdução do documento, diz aderir aos princípios da Organização, entre eles o de que a IA deve beneficiar as pessoas e o planeta, impulsionando o crescimento inclusivo, o desenvolvimento sustentável e o bem-estar. O compromisso parou por aí. Em nenhum dos nove eixos o tema sustentabilidade ambiental reaparece. E essa é uma das aplicações efetivas em que engenhos de inteligência artificial podem fazer a diferença, em especial se combinados com os programas de sensoriamento remoto para proteção dos biomas brasileiros.

Também chama atenção a importância, corretamente posta na EBIA, do acesso aberto a grandes massas de dados para desenvolvimento de artefatos de IA. Sem detalhar como, só nos resta lembrar que o executivo federal, há pouco, teve que ser pressionado por entidades da economia digital para vetar artigo do PL 317/21 (Lei do Governo Digital), que facultava a prestadores de serviços públicos como Dataprev e Serpro, por exemplo, a cobrança pelo fornecimento de informações públicas. Além de ir na contramão do que as economias desenvolvidas vêm implementando há uma década, a cobrança pelo acesso a dados públicos contraria disposição da OCDE. 

Na segunda categoria, dos pontos pitorescos, descobrimos que os cabeleireiros e cabeleireiras podem dormir tranquilos: sua profissão não está no rol daquelas ameaçadas pela disseminação do uso da inteligência artificial. Também não deixa de ser interessante uma ação formulada dessa maneira: “Definir áreas prioritárias para investimentos em IA, de maneira alinhada a outras políticas relacionadas ao ambiente digital”. Para quem comprou um plano estratégico achando que as áreas prioritárias já deveriam estar embutidas, deve ter ficado com a sensação de que levou pra casa um livro em branco.

Minha sugestão: revoga o decreto, reescreve reduzindo para cinco páginas, renomeia como ‘diretrizes básicas para uma estratégia de IA no Brasil’ e mobiliza de volta a inteligência real, humana, aquela que desde os antigos gregos é um misto de intuição, conhecimento e capacidade de abstração para formular sínteses lógicas, isto é, elaborar raciocínios corretos que precedem a ação exitosa.

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Os Estados Unidos voltaram pro jogo https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/os-estados-unidos-voltaram-pro-jogo/ Wed, 07 Apr 2021 00:15:19 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/os-estados-unidos-voltaram-pro-jogo/ Biden anunciou um pacote de investimentos para ampliar a competitividade da economia americana. É uma espécie de New Deal

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Semana passada, o presidente Biden anunciou um pacote de investimentos para ampliar a competitividade da economia americana. É uma espécie de New Deal para os próximos 70 anos. De alguma forma, ele já havia manifestado a ideia em carta enviada ao presidente do Broad Institute (MIT/Harvard) após sua eleição – gesto similar ao de Roosevelt em 1944, onde perguntava ao seu conselheiro científico o que a ciência e tecnologia poderiam fazer pela prosperidade do país. Essa provocação feita há 75 anos gerou as bases do Sistema Nacional de Ciência do país e os EUA lideraram o mundo com folga por décadas. 

O plano movimentará algo em torno de U$ 2,25 trilhões em investimentos em 8 anos. Para se ter um parâmetro de referência, equivale a cerca de 20 Planos Marshall, pacote de subsídios e empréstimos para a reconstrução da Europa no pós guerra. E também equivale a 20 vezes o plano de revitalização da economia europeia, o Europe 2020 Strategy, lançado em 2010. As maiores rubricas são voltadas para infraestrutura de transportes e logística (U$ 620 bi); indústrias high tech (U$ 300 bi); pesquisa, desenvolvimento, inovação e banda larga (U$ 280 bi); sustentabilidade ambiental (veículos elétricos + energias renováveis, U$ 274 bi). Nada de foguetes, bombardeiros e mísseis, cujo ganho marginal em termos de poder é perto de zero, considerando a capacidade de estrago que o arsenal já existente nas grandes potências é capaz de causar. O teatro da guerra volta a ser a economia. Ou mais precisamente, a economia do futuro. 

A China faz parte dessa equação. O pacote é uma resposta inteligente ao poderio do país asiático, e o oposto da reação do antecessor Trump, que preferiu instaurar uma guerra comercial anacrônica e de resto perdida na largada. A questão é a competitividade em mercados globais. Depois de viver literalmente nas trevas do conhecimento no período da Revolução Cultural (1966-1976), numa abordagem negacionista da ciência e educação combinada com a exacerbação do sectarismo doutrinário maoísta (nenhuma ironia aqui, talkey?!), a China iniciou há cerca de 40 anos um amplo programa de reformas que incluía a produção low-end de manufaturas básicas, alguma abertura para o mercado externo e a reabertura e criação de universidades. Em fases posteriores, o modelo de desenvolvimento chinês passa a priorizar o progresso científico-tecnológico e a criação de indústrias high-end de produtos de alto valor agregado para, através de estratégias agressivas de internacionalização, comercializar e rentabilizar inovações tecnológicas por meio de uma pauta industrial altamente competitiva. Compreender a China é tarefa megacomplexa, da qual cuidam especialistas, o que não é o meu caso. 

Mas o fato é que o modelo parece estar dando certo. Possui o segundo maior PIB (US$ 13 trilhões), ameaçando ser o primeiro em 10 anos; tem o maior banco do mundo em ativos, o Banco Industrial e Comercial da China (estatal); é o maior exportador do planeta, produz 75% dos celulares, 80% dos painéis solares e 90% dos computadores do mundo. Tem um quarto das empresas 500 mais da Fortune, Alibaba é maior do que a Amazon e Huawei lidera a tecnologia 5G. Como o futuro é logo ali, a China lançou há cinco anos o MIC – Made In China, programa que visa fixar a liderança do país em áreas como tecnologia da informação, robótica, saúde e biotecnologia, novos materiais e energias renováveis, entre outras. Como resultado de todo esse esforço, 850 milhões de chineses saíram da linha de pobreza nas últimas quatro décadas, segundo o Banco Mundial. É esse o pano de fundo do pacote americano.

O presidente Biden parece ter acertado ao focar na competitividade da economia americana, endereçando as áreas críticas corretas para o desenvolvimento econômico e social nas próximas décadas. A outra opção seria insistir na litigância comercial, que apenas enfraqueceria ainda mais a já fragilizada liderança econômica e diplomática do país. O fato da China ter uma arquitetura política, institucional e econômica especial, onde as fronteiras estruturalmente imprecisas entre um gigantesco estado-ator econômico (produtor, consumidor, financiador, regulador…) e um igualmente gigantesco setor produtivo privado, que cresce geometricamente em simbiose com o estado-sócio, impedem o país de ser considerado pela OMC como uma economia de mercado, é irrelevante, pois o país já domina O mercado. Questionar ideologicamente o capitalismo de estado chinês – essa deformação do capitalismo com infiltrações socialistas, como rotulam os críticos – com base nas combalidas teorias liberais e reivindicar que o país obedeça ao laissez-faire dos mercados genuínos, é inútil. Melhor seria reconhecer, pragmaticamente, que o jogo econômico tem novos players, algumas regras diferentes e muita gente fazendo gol. Com um treinador novo, os Estados Unidos voltaram pro jogo.

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Inovação entre a intenção e gesto https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/inovacao-entre-a-intencao-e-gesto/ Tue, 30 Mar 2021 17:31:18 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/inovacao-entre-a-intencao-e-gesto/ O fato é que nos últimos 10 anos o país perdeu posição relativa no índice de inovação

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No dia em que o governo federal lança a medida provisória de ambiente de negócios, a Folha de São Paulo repercute o resultado do IGIÍndice Global de Inovação 2020, discutido em um de seus seminários regulares sobre o tema, com moderação de Vinícius Torres.  Esta classificação é feita anualmente pelo Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi), em parceria com a Universidade de Cornell (Estados Unidos) e com o Instituto Europeu de Administração de Empresas (Insead). Coisa séria. O plano do Ministério da Economia mira em um outro ranking, o do Banco Mundial (Doing Business 2020), igualmente sério, porém restrito. Foca essencialmente numa visão microeconômica, associada a dez indicadores que vão da criação, funcionamento, financiamento, tributos até o encerramento de um negócio. No primeiro ranking, o Brasil está na 62ª posição, enquanto no segundo fica na 124ª.

O título da apresentação distribuída pelo ME fala em caminho para o top 50 países mais competitivos. Pelos caminhos traçados, não vamos chegar nunca no destino. O propósito do plano é essencialmente a melhoria do ambiente de negócios. Fundamental, pois estamos 50 anos atrasados nesse quesito. Mas é conveniente não confundir as coisas. Competitividade e ambiente de negócios são coisas relacionadas, mas distintas. Ficaram de fora temas críticos como a educação, pesquisa e desenvolvimento, qualidade do capital humano, inovação tecnológica, além de questões ambientais, identitárias e outras que o mundo fora da bolha, o mundo real, elegeu como prioridades para a atratividade dos negócios e competitividade dos países. É como se numa disputa de um campeonato de futebol, o presidente do clube priorizasse a melhoria do gramado achando que com isso o time iria pra série A. Tem mais coisas em jogo. 

Existe uma indústria de rankings. Há ranking para tudo. Poucos merecem ser considerados, estudados e tomados como referência para um bom planejamento, o que não é o caso do Banco Mundial. Mas daí a torná-lo objetivo de uma política nacional parece um tremendo equívoco.  Está lá escrito, melhorar a posição do Brasil no indicador doing business do WB. O propósito da boa política pública será sempre aumentar o bem estar social, a sustentabilidade sócio-ambiental e a prosperidade econômica da nação por meio da competitividade, principal resultante da inovação. É isso que realmente importa em uma economia de mercado em um mundo aberto.

É aí onde enxergamos a luz cada vez mais distante. A competitividade possui dezenas de atributos, e a qualidade do ambiente de negócios é apenas um deles. Isso quer dizer basicamente menos burocracia, menos impostos e menos governo asfixiando o empreendedor. Uma parte da equação, portanto. Se tomarmos como referência o IGI e seus sete pilares, estamos falando grosso modo de um sete avos do problema a ser resolvido. Carregando aqui nas tintas, a Alemanha, que é o 9º no IGI, é o 90º em termos de custos de mão de obra e 96º em facilidade de se abrir um negócio. Com esses números, seria um Brasil que deu certo. Resumo da ópera: um país sem infraestrutura logística, sem internet de qualidade, sem bons níveis educacionais, sem altos investimentos em ciência, tecnologia e inovação, sem universidades de alto padrão, sem instituições sólidas, sem estabilidade política dificilmente avançará. Talvez nem mesmo no ranking selecionado pelo governo. 

O fato é que nos últimos 10 anos o país perdeu posição relativa no índice de inovação, sendo hoje o 62º (era o 47º em 2011). Pior, ficando cada vez mais distante do bloco de países competidores diretos. No antigo e já inútil BRICS, por exemplo, o Brasil já foi o segundo, agora é o último, atrás de Rússia, Índia e África do Sul. Na América Latina, perdemos para Chile, Costa Rica e México. Este último, aliás, progrediu no período da 81ª para a 55ª posição. 

Lembrava há anos o ministro Luiz Roberto Barroso que não somos atrasados por acaso. O atraso é bem defendido entre nós. Pelas corporações, para manutenção de seus privilégios; por segmentos empresariais, para arrancar mais um naco de um estado secularmente privatizado; pelo clientelismo da classe política em sua infindável relação patrimonialista com a coisa pública. Os governos seguem dando a sua demão, enfrentando os complexos desafios do século 21 com um repertório do século passado. 

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O Futuro que Nunca Chega https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/o-futuro-que-nunca-chega/ Tue, 16 Mar 2021 17:36:18 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/o-futuro-que-nunca-chega/ 80 anos depois da publicação do livro “Brasil, um país do futuro”, a nação brasileira ainda vive de passado

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Chega a dar uma angústia lembrar que, 80 anos depois de Brasil, País do Futuro, a leitura de Stefan Zweig, escritor austríaco que escolheu o Brasil para se suicidar nos anos 40 do século passado, ainda provoca incômodos e reflexões. Já não era pro país ter chegado lá? O Brasil tem uma característica singular, e não é apenas seu povo pacífico, culturalmente harmônico, como celebrava o escritor em sua leitura otimista que contrastava com o cenário infernal da Europa em guerra. É a incapacidade de lidar com o futuro de forma objetiva, meio que fugindo dele ou, na melhor das hipóteses, adiando o encontro. É um país saudoso de um passado que nem é lá essa Brastemp. Não fossem Pelé e Tom Jobim, e a gente não teria muito o que contar.

O futuro é formado de coisas concretas, mas nasce de sonhos e imaginação. E a ciência, cultura e meio-ambiente são os principais vetores dessa jornada. Fazemos a melhor música, mas ninguém fora daqui ouve. Basta checar as estatísticas de economia criativa, onde as exportações de cultura são um traço. Temos as maiores matas, mas parece que temos raiva delas, a ponto de destruí-las com método. A generosidade do povo, retribuímos com políticas públicas que aprofundam a pobreza e as desigualdades sociais.

Arte do livro 'Brasil, um país do futuro' (1941), de Stefan Zweig.
Arte do livro ‘Brasil, um país do futuro’ (1941), de Stefan Zweig. Foto: Reprodução com alterações (Redes Sociais).

Fazendo da negligência uma política de estado, vamos nos distanciando do rol das nações mais prósperas. O Brasil corrói o seu futuro numa espécie de autossabotagem permanente. Já fomos a 8ª economia do mundo, somos a 10ª e tudo indica que seremos ao fim dessa pandemia a 12ª. Nada parece segurar o país rumo ao século 20, quiçá 19, onde éramos uma gigantesca e bucólica fazenda. E não se trata aqui de exagero de retórica, mas de fato. Pois o presidente do IPEA, o think tank  oficial do país, que deve, através de estudos e pesquisas econômicas aplicadas, subsidiar a formulação de políticas de desenvolvimento de longo prazo, recentemente nos brindou com a perspectiva de limitar o país à produção de agrocommodities e minérios. E não foi demitido.

Mas tudo poderia ser diferente, porque, apesar de tudo e ao nosso modo, conseguimos desenvolver uma forte capacidade científica e tecnológica. Para ficar só num número, são 377 ICTs espalhadas pelo país, muitas dentro da universidade, outro tanto fora dela. Instituições assim, melhor aproveitadas, mobilizadas pelo setor produtivo e governo para inovar no enfrentamento dos desafios da sociedade, fazem a diferença.

Mas a realidade é desfavorável, e vem piorando. Somos o 14º produtor de conhecimento científico; ao mesmo tempo, ostentamos péssimos indicadores de inovação, produtividade e competitividade global, este último lá pela casa da 100ª posição. Esse hiato é mortal, e encurtar a distância entre o mundo da produção científica e o da produção econômica segue sendo a prioridade zero para a construção do país do futuro. Isso requer visão de longo prazo. Nas vezes em que pensou seriamente nisso, o Brasil gerou uma EMBRAER, EMBRAPA e PETROBRAS, para ficar nestes três exemplos de um país que deu certo.

Como o longo prazo mora no futuro, e a inovação é a construção permanente de futuros, não haverá saída para o país fora daí. Mas não um futuro difuso, qualquer um que se apresente. Mas aquele construído conscientemente, dia-a-dia, 24 horas por dia. Como ensinam os profissionais dessa área, o futuro manda sinais, e a gente tem que aprender seus códigos, falar a sua língua, para poder incorporar nas estratégias presentes porções generosas do que ainda está por acontecer, deixando o passado de lado. Em tempos de intensos avanços tecnológicos, de mudanças de paradigmas de produção e mesmo de comportamento social, o passado virou uma roupa que já não serve mais, como lembrava há décadas o genial Belchior. É um livro pra ser estudado, mas tem outra tarefa mais importante, que é escrever os próximos capítulos.

[A propósito, o Congresso Nacional está na iminência de votar pela aceitação ou derrubada dos vetos do presidente da República à LC 177. Esta Lei, aprovada de forma quase unânime, incluindo aí a base do próprio governo, concedia autonomia financeira e contábil ao FNDCT – principal instrumento de financiamento da ciência, tecnologia e inovação do país -, proibia o contingenciamento de seu orçamento e vedava a utilização do saldo não gasto no exercício para pagamento da dívida pública. O poder executivo vetou esses dispositivos. Quem quiser apoiar essa causa, vai aqui http://chng.it/KxqHmymFMF ].

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A Bomba que Vem do Congresso https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/a-bomba-que-vem-do-congresso/ Tue, 09 Mar 2021 22:13:21 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/a-bomba-que-vem-do-congresso/ O FNDCT, uma das principais fontes de recursos para o apoio à infraestrutura científica e tecnológica do Brasil, pode ser usado para pagamento da dívida pública

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No final do ano passado, escrevi aqui nesse espaço que 2020 não havia acabado em pizza para a área de Ciência, Tecnologia e Inovação. Comentava a aprovação, pelo Congresso, de Projetos de Lei essenciais para o progresso do país. Dentre eles, um se referia a Startups e outro ao FNDCT – Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Ignorando a máxima do Barão de Itararé – de onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo – dava como certa e até comemorava a aprovação dos mesmos nas respectivas instâncias.

A situação hoje é a seguinte: o marco legal das Startups (PLP 146/19), aprovado por maioria esmagadora da Câmara dos Deputados em dezembro do ano passado (361 a 66), foi remexido, para pior – e o pior, por unanimidade -, no Senado; e o FNDCT (LC 177/21), aprovado no Senado por 71 a 1 e na Câmara por 385 a 18, foi sancionado com vetos pelo presidente da república. Ambos devem passar por nova apreciação pela Câmara. Pelo visto, os poderes em Brasília não se entendem em relação ao que fazer com o país.

FNDCT é sancionado com vetos do Governo Federal.
FNDCT é sancionado com vetos do Governo Federal. Foto: Reprodução (Agência Senado).

No caso do FNDCT, não são vetos quaisquer. Eles simplesmente atingem a espinha dorsal da Lei. O primeiro veto mantém a possibilidade do Governo Federal contingenciar os recursos do Fundo para usá-los em outras finalidades, como o pagamento de dívida pública, por exemplo. O segundo veda a utilização do saldo de exercícios anteriores para a sua finalidade legal de fomento à pesquisa e à inovação.

O FNDCT é o principal instrumento de financiamento do futuro do país. Mas valor superior a R$ 25 bilhões está retido no Tesouro Nacional para formação de superavit. Esse bolo inclui o contingenciamento de R$ 4,2 bi do ano passado e deve crescer com nova rodada de represamento de gastos já anunciada da ordem de R$ 4,8 bi para 2021 (cerca de 90% da arrecadação estimada para o FNDCT no ano em curso). A situação é tão calamitosa que conseguiu unir semana passada onze ex-ministros de C&T de governos politicamente antagônicos, de Collor a Dilma, em um manifesto-apelo para a retomada dos investimentos e, assim, evitar o colapso iminente do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. 

Para combater mais essa violência contra o país, cerca de 90 entidades, sob a liderança da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, lançaram abaixo assinado endereçado ao Congresso para derrubar os vetos da presidência da república e restaurar a versão originalmente aprovada. (Quem quiser apoiar essa causa, vai aqui). Mas, como reza o dito popular em seus momentos de desalento, nada é tão ruim que não possa piorar. O agravamento da crise sanitária trouxe de volta a necessidade de se restabelecer o auxílio emergencial. A PEC 186/19, aprovada no Senado, libera o governo para gastar até R$ 44 bilhões com o programa de socorro aos mais necessitados, mas impõe a redução de 50%, no prazo de oito anos, dos incentivos fiscais atualmente concedidos, que andam na casa de R$ 300 bi.

Vários segmentos serão impactados, e não há nenhuma garantia de que os recursos do FNDCT não sejam ainda mais afetados nesse ajuste. Num cenário razoável, provavelmente um dos dois vetos entrará como moeda de negociação quando da apreciação da LC 177/21 pela Câmara. Num cenário ideal, a Câmara preserva a versão original do FNDCT e o excepcionaliza dos cortes previstos na PEC 186/19, assim com foi feito, por exemplo, com a Zona Franca de Manaus.

Cabe aqui um comentário derradeiro sobre esta questão. A distinção concedida na PEC ao polo de eletroeletrônicos do Amazonas certamente ajudará as empresas lá instaladas, mas inviabilizará a vida daquelas que estão em outras regiões do país. Como elas perderão progressivamente os benefícios fiscais, perderão também a sua capacidade competitiva frente às demais, recaindo sobre elas o ônus de bancar o ajuste previsto na PEC. De quebra, a medida asfixiará a indústria de TICs nacional, ICTs e polos de tecnologia que há 30 anos se valem dos benefícios da Lei de Informática para gerarem centenas de milhares de empregos qualificados e trazerem alguma perspectiva de futuro para um país nostálgico que se contenta em ter um grande passado pela frente, como alertava o genial Millôr.

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Ambientes de inovação e o declínio das cidades https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/ambiente-de-inovacao-e-o-declinio-das-cidades/ Wed, 03 Mar 2021 12:30:01 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/ambiente-de-inovacao-e-o-declinio-das-cidades/ As cidades hoje têm que ser mais competitivas segundo os parâmetros da sociedade do conhecimento

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Um dos efeitos colaterais da pandemia sobre os negócios da economia digital é a hipermobilidade do capital humano. Para empresas e lugares mais fragilizados, isso tem outro nome: fuga de cérebros. Mais do que um problema restrito apenas aos negócios com reduzida capacidade de retenção de seus melhores talentos, o fenômeno fragiliza as cidades. Principalmente aquelas em estágio intermediário de desenvolvimento, que se caracterizam, de um lado, por possuírem boa base de formação acadêmica e, de outro, reduzida demanda por capital humano criativo devido ao baixo dinamismo e tradicionalismo de seu tecido produtivo.

É como se essas cidades fossem involuntariamente convertidas em plataformas de lançamento de talentos para outros lugares, beneficiando-se pouco ou quase nada do potencial de geração de riqueza desse ativo na nova economia. Elas arcam com o ônus da formação, mas não usufruem de nenhum bônus da mesma. E pior: nessa segunda onda do brain drain, o cérebro vai e o corpo fica, restando às cidades assistirem impotentes a seu declínio tendo a solução literalmente à mão. Esse é um paradoxo duro de roer.

O problema não é recente, e seu enfrentamento há décadas passa pela criação de parques tecnológicos e mecanismos promotores de novos negócios inovadores, como aceleradoras, incubadoras, espaços de coworking, maker spaces, entre outros. Estes ecossistemas de inovação são espaços de formulação, articulação e implementação de políticas de desenvolvimento de longo prazo para promoção de novas dinâmicas produtivas intensivas em conhecimento e inovação. Transplantando o conceito para a prática, são plataformas de lançamento de negócios competitivos em escala global, ajudando as cidades a substituírem os paradigmas seculares de vantagens locacionais baseadas, por exemplo, em recursos naturais ou posição estratégica para fins de logística ou defesa militar.

As cidades hoje têm que ser mais competitivas segundo os parâmetros da sociedade do conhecimento. Para tal, precisam ser atrativas para pessoas de fora e para capitais financeiros de risco conectados com a nova economia. Mais eficientes para a população, com melhores serviços e infraestruturas urbanas e, como consequência, mais capazes de reter talentos criativos. Mais justas socialmente, mais inclusivas, mais participativas, mais democráticas. E, naturalmente, mais amigáveis para os negócios inovadores. Como a dispersão de fatores não ajuda nesse esforço, os ecossistemas de inovação tornaram-se o ponto focal dessa estratégia devido a sua capacidade singular de concentrar ativos críticos como infraestruturas e serviços tecnológicos de alto valor agregado, gerar múltiplas interações entre pessoas e empresas, estimular fluxos de conhecimento, fortalecer vínculos de cooperação e sinergia para desenvolvimento de negócios competitivos.

Se tomarmos como verdade que o capital humano é o único que cria soluções originais para problemas relevantes, o êxito de um ambiente de inovação repousa essencialmente na sua capacidade de gerar, atrair e reter os melhores talentos criativos, sendo todo o resto quase que consequência. Botando o coronavírus na jogada, a crise sanitária revelou que o isolamento não foi apenas uma imposição. Foi uma descoberta: podemos produzir mais e melhor de forma remota para uma quantidade apreciável de atividades. É fato que o território tangibiliza muito mais do que qualquer instância virtual. Mas a realidade tornou-se muito mais híbrida. Ao mesmo tempo, a criação segue sendo um esforço coletivo. Desta maneira, o sentido literal da fixação de capital humano ganhou outro significado: pessoas podem trabalhar de qualquer lugar, desde que trabalhem para o seu lugar, em prol da sua cidade: temos então que reter cérebros. Ambientes de inovação precisam assimilar essa nova realidade e serem reconfigurados para que se mantenham como alavancas do desenvolvimento local.

Qualquer esforço de reconfiguração deve partir de dois vetores. O primeiro, a necessidade de se intensificarem as interações humanas, sem as quais o processo de criação de valor por meio do compartilhamento do conhecimento entre talentos perde potência; o segundo, o reconhecimento da impossibilidade de se manter o mesmo padrão de trabalho em escritórios de antes, do que resulta um esvaziamento crescente dos espaços físicos.

Cruzando estes dois vetores, discussões realizadas na ANPROTEC – Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores – vêm sinalizando para duas alternativas não excludentes. Uma trata da conversão de espaços em co-livings, que são moradias compartilhadas com infraestruturas para trabalho e serviços comuns, a serem ocupadas por jovens empreendedores, startups e trabalhadores das empresas desses ambientes de inovação. A outra ideia consiste na fragmentação dos parques tecnológicos e sua rearticulação em diferentes pontos da cidade, criando o conceito de parque em rede, cujos nós teriam infraestruturas e serviços comuns e seriam compartilhados pelos atores que o integram de acordo com sua conveniência. As atuais sedes desses parques seriam o nó central, o back-bone dos parques em rede, abrigando a gestão e serviços de maior complexidade.

Assim, os modelos híbridos ganhariam outra conotação, com ganhos para as cidades, empresas e trabalhadores.

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O Lugar do Lugar nos Negócios de Tecnologia https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/o-lugar-do-lugar-nos-negocios-de-tecnologia/ Tue, 23 Feb 2021 11:55:17 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/o-lugar-do-lugar-nos-negocios-de-tecnologia/ O distanciamento forçado revelou novas possibilidades para o mundo dos negócios

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A locação de espaços corporativos não vive lá os seus melhores momentos, como se conclui da leitura de matéria recente do Estadão e outras fontes. Houve um aumento da vacância ao longo de 2020, e uma taxa de 13% que caminhava para 10% no começo do ano terminou em torno de 17% (SP) e 24% (RJ). Para imóveis na faixa A, chegou a 40%. Ocorre que não se trata de um fenômeno de mercado clássico, relacionado apenas à oferta e demanda por área e que varia conforme o ritmo de crescimento da economia. Parece ser algo mais estrutural, que, entre outros fatores, está de alguma forma associado a um modelo de real estate voltado para atração de startups, empreendimentos de tecnologia e outros serviços modernos e mais sofisticados – segmentos que sabidamente crescem a taxas muito maiores do que a média da economia. Tanto que elas continuam contratando no meio da crise e nem assim preenchem todas as vagas disponíveis.

A novidade aí é que a pandemia atravessou o samba, e aquela imagem idealizada de ambientes sofisticados em grandes lajes para algumas atividades, e alegres e coloridos, com jovens descolados jogando ping-pong, para outras, revelou-se inviável diante da crise. Os jovens empreendedores e trabalhadores criativos continuam descolados e adorando jogar ping-pong no meio do trabalho. O que não se sustenta mais é o mito desses ambientes como indispensáveis para a organização da produção na economia do conhecimento. Google, o modelo e farol desse tipo de arquitetura, está em home office. Twitter deixou a escolha para os funcionários.

Sobram vagas, faltam profissionais e mulheres: desigualdades no setor de tecnologia no Brasil
Apesar da oferta de vagas, setor de tecnologia vive dificuldade para preenchê-las.
(Foto: Annie Spratt/ Unsplash)

O distanciamento forçado revelou novas possibilidades para o mundo dos negócios. Vai dar trabalho para a justiça do trabalho dar conta dessa nova realidade, mas o fato é que a maioria das empresas do setor de tecnologia (nos EUA, 84%) tem revelado disposição de seguir com modelos híbridos de funcionamento e com relações de trabalho mais flexíveis. E mais: cerca de 60% dos empregados aprovaram essa forma de trabalho. Habilidades técnicas e um bom inglês ampliam o seu mercado em escala global, e mesmo aqueles que não falam outra língua aumentam as suas oportunidades no próprio país. Boas perspectivas para o trabalhador, sem dúvida. Porém ruins para as empresas menos estruturadas, pois terão mais dificuldade em reter seus talentos; péssimas para as cidades menos competitivas, que vêm com muito esforço estruturando polos de tecnologia e terão agora que assistir a uma segunda onda de fuga de cérebros (na primeira, o corpo ia junto); e desastrosas para quem vivia da locação de área para abrigar esses empreendimentos.

Em mais um movimento de desmaterialização da economia por meio do digital, nos mudamos pras nuvens. É lá o principal lugar de trabalho hoje em dia. Um processo que já vinha sendo habilitado por plataformas de trabalho remoto, mas adotado apenas esporadicamente, foi acelerado neste ano que passou e agora virou regra. Mas essa conexão com o cyberespaço não prescinde de um local físico, onde deve ser instalada a estrutura mínima de trabalho para atuar nas nuvens. Essa base física agora está distribuída entre espaços empresariais mais enxutos e as casas dos trabalhadores convertidas em escritórios improvisados. Essa triangulação nuvem-escritório-casa é a expressão concreta do hibridismo de que tanto se fala. A experiência do trabalho remoto reinseriu as casas nas engrenagens do sistema produtivo, como nas velhas artesanias pré-industriais. Casas agora são parte de um novo modelo de organização do trabalho. E se esse arranjo viabilizar novas oportunidades para o mundo dos negócios, o que é tendência vira norma.

Diante disso, para quem estruturou seus negócios no modelo tradicional de locação de área para as atividades da economia digital, é hora de dar um cavalo de pau. Focar no essencial. Uma sugestão é repensar os espaços como ambientes de formulação presencial, experimentação e aprimoramento de novas estratégias e modelos de negócios. Os novos escritórios devem capturar aquela fração do trabalho criativo que não sobrevive à distância, na abstração das nuvens. A troca de ideias, o desenho de projetos estratégicos, as fricções criativas, a validação do novo, o olho-no-olho que gera cumplicidades, a simples presença do outro que humaniza, a conversa à toa. Essa é uma proposta de valor superior. Se insistirem em prover aquilo que os aplicativos de cloud meeting já fazem, a chance de dar errado é gigantesca.

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A internet possível https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/a-internet-possivel/ Wed, 17 Feb 2021 15:00:20 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/a-internet-possivel/ Quebrar o poder dos monopólios globais das bigtechs na internet é uma das condições de sobrevivência da economia de mercado e da própria democracia

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A Internet é um daqueles mecanismos imperfeitos de um sistema maravilhosamente imperfeito chamado democracia. Por muito tempo, a sociedade consumiu passivamente conteúdos da mídia tradicional, um complexo concentrado de dinheiro e poder a serviço da visão de mundo das classes dominantes (sim, elas existem).

A Internet era uma miragem. Com sua chegada, porém, todo mundo agora podia opinar e ser ouvido sobre qualquer coisa. Sem intermediários. A Internet era libertária, a nova Ágora, o sonho da democracia direta. Nada podia estar mais próximo do ideal de cooperação e fraternidade global.

Internet revolucionou o modo de se comunicar do mundo e também virou espaço de discussão política.
Internet revolucionou o modo de se comunicar do mundo e também virou espaço de discussão política. Foto: Pixabay (Reprodução).

Mas o idílio durou pouco e o tempo logo deu razão a Umberto Eco. Numa visão sagaz – tida por alguns como preconceituosa – o pensador afirmou que a Internet “deu voz a uma legião de imbecis”. E como eles são muitos, lembrava Nelson Rodrigues, o problema tá instalado. Imbecis não dialogam, escarram insultos. Não têm dúvidas – domínio da filosofia -, apenas verdades absolutas. E como também não têm tempo a perder com leitura e estudo, consomem de primeira qualquer notícia e se tornam involuntariamente vetores de desinformação, espalhando fake news com a mesma velocidade com que negam o óbvio ululante. E por serem tantos, tomaram a Internet de assalto: ela agora é sua mídia, o canal por onde escoam suas verdades. Zerou o jogo.

Monopólios

Mas isso é apenas uma parte do problema. A Internet também foi capturada pelas grandes corporações e, mais recentemente, por seitas políticas. Seja em redes sociais, mecanismos de busca, sites de e-commerce, tudo parece descarrilhado. Em paralelo ao reconhecimento dos incontáveis benefícios para todos, cresce a desconfiança de que a Internet é predominantemente uma plataforma de criação de valor para muito poucos.

O que fazer então? Aperfeiçoá-la. Essa discussão é recorrente e veio à tona mais recentemente com a decisão do Twitter e outras plataformas de excluir o ex-presidente Trump de sua lista de usuários. Três questões devem ser abordadas aí: organização de mercado, censura e curadoria.

Quanto à organização de mercado, trata-se de uma questão conceitual. O sistema capitalista idealizado pelos teóricos liberais seria virtuoso entre outras razões por permitir a livre concorrência. O ideal não resiste à cinco minutos de realidade, e o que predomina são mercados oligopolizados ou mesmo monopolistas. Esta, aliás, é uma característica da economia da informação. Varian e Shapiro (Information Rules, 1999) apontam um atributo singular dos novos arranjos econômicos. Diferentemente da economia industrial clássica, onde se extraía competitividade da escala de produção, na nova economia ela vem da escala de demanda. Ninguém quer ficar de fora da festa ou falando uma língua que ninguém entende. A disputa é portanto por padrões tecnológicos. Aquele que ganhar leva tudo. O objeto de negócios adquire uma dimensão simbólica, e o marketshare perde espaço para o mindshare.

Esse traço da economia digital nos levou aos monopólios indesejados das grandes plataformas como Google, por onde passa cerca de 90% dos fluxos de busca por conteúdos na Internet, totalizando algo como 4 bilhões de buscas/dia. Só Google sabe o que o mundo está pensando. Ou Facebook, onde estão pendurados quase 3 bilhões de usuários ativos mensais. Só Facebook sabe o que o mundo anda compartilhando, e por conseguinte, o que a sociedade em escala global prioriza no seu dia-a-dia. Ou Amazon e AliBaba, que sabem como ninguém quem, porque e o que o mundo está comprando. Com essa base gigantesca de dados em mãos e a capacidade de desenvolver algoritmos inteligentes combinados com inovações tecnológicas contínuas e modelos de negócios efetivos, as bigtechs se tornaram empreendimentos mais relevantes do que a maioria dos governos nacionais.

Qual o limite socialmente desejável para essas corporações? Muita gente aposta na LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) e equivalentes como freio. Elas são sem dúvida um avanço no trato dos dados pessoais, mas ainda estão longe de reduzir o poder discricionário das plataformas. O fato é que leis e governos estão sempre pelo menos dez anos atrasados em relação ao mercado, e a capacidade de fazer o bem ou o mal, seja lá o que isso signifique, está hoje nas mãos dos CEOs. Isso é uma falha sistêmica do mundo digital. Daí porque o bloqueio imposto a políticos farsantes, mesmo em condições extremas, deve ser comemorado com cautela.

No princípio, qualquer ideia de intervir na Internet parecia (e para muitos ainda parece) um ato autoritário. A Internet era libertária, já foi dito. Mas já é hora de reconsiderar a questão. A vasta gama de serviços e benefícios on line providos aos usuários não justifica o laissez-faire de que desfrutam as grandes corporações. Simplesmente não dá pra terceirizar para o Vale do Silício a condição de Tribunal Global da Democracia. Hoje foi Trump. Amanhã pode ser o Green Peace, por exemplo.

A questão é complexa e a saída está não na tecnologia, mas na política. Numa política exercida de forma inovadora, por meio de uma grande aliança global entre governos, empresas, ONGs e outras  representações da sociedade, incluindo aí as redes digitais de pessoas e negócios. A política é trabalhosa e lenta, mas é ela quem influencia e faz as leis, além de ser o espaço de mediação de conflitos sociais e de diálogo entre partes interessadas.

Alguns pontos devem fazer parte da nova agenda. Um exemplo: quebrar o poder dos monopólios globais das bigtechs. Essa é uma condição de sobrevivência da economia de mercado e da própria democracia. Relatório de outubro de 2020 do Congresso Americano propõe impressionantes 449 medidas para combater esse quadro. Elizabeth Warren, senadora pelos EUA, advoga pelo desmembramento dos grandes trustes. Na Europa, a discussão vai nessa mesma direção.

Parece claro que os mecanismos atuais falharam quando, por exemplo, consentiram na aquisição de Instagram e WhatsApp por Facebook, ou YouTube e Waze por Google. Startups são por definição ameaças aos incumbentes e promessas de mais concorrência. Mas quando elas são compradas no nascedouro, apenas reforçam a condição monopolista das adquirentes. Esse é outro ponto da nova agenda.

Ao lado da reorganização dos mercados de serviços digitais, apontamos mais acima a necessidade de se discutir também a função de curadoria na Internet (não confundir com censura), em especial de conteúdos em redes sociais. Alguém já deve estar resmungando aí: ôps, impossível! Trata-se realmente de uma questão de difícil operacionalização. Por limitações de espaço, esse tema ficará para a coluna da próxima semana.

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Redes Sociais e o Direito de Mentir https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/redes-sociais-e-o-direito-de-mentir/ Tue, 16 Feb 2021 15:48:50 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/redes-sociais-e-o-direito-de-mentir/ Sob pretexto de preservar a liberdade de opinião, a ala mais antidemocrática da política nacional deseja um passe livre para a mentira

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Atribui-se a Ésquilo, ao senador americano Hiram Johnson, até a Churchill eu já vi aqui pela internet, a frase de que numa guerra a primeira vítima é a verdade. Não importa a autoria. A frase é boa demais para ser desperdiçada. O que importa é emplacar a sua narrativa antes que outros o façam. Como as redes sociais são um verdadeiro campo de batalha, vale o dito de origem disputada. Aquela esperança de uma rede mundial de fraternidade entre pessoas foi pro espaço. E a verdade foi junto com ela. A fase ingênua ficou pra trás, e hoje as redes sociais mal servem para reconectar amigos antigos, marcar encontros, compartilhar fotos dos filhos, dos pets e daqueles pratos desajeitados de restaurantes da farra de ontem [fotografar comida é uma arte].

No ambiente hostil em que se transformaram, não sobra mais muito espaço para diálogo. As redes sociais foram capturadas pela infantaria do ódio à serviço do extremismo ideológico com a ajuda de robôs e de algoritmos de retenção de audiência alegremente disponibilizados pelos grandes provedores de serviços. A dinâmica das redes ajudou a cristalizar grupos de interesse antagônicos que se fecham, se protegem e se preservam como feudos. Os novos suseranos digitais articulam sua rede de vassalagem entre recalcados e paranoicos dispostos a viver em bolhas-feudos e empreender uma guerra santa sem fim contra a civilização moderna, disparando posts, tweets e memes carregados de inverdades e desinformação. A Internet das redes sociais é uma idade média sem cavaleiros, mas com cavalos de sobra. 

Voltando ao tema, semana passada o país se deu conta de que tem agentes públicos (ministros, deputados, desembargadores…) defendendo a legitimação da mentira nas redes sociais. Isso mesmo. Numa ação coordenada e ágil em resposta ao banimento de Trump e também de blogs nativos, e sentindo a ameaça que isso representa para a sustentabilidade, inclusive financeira, de seus canais-bolhas na mídia digital, esses agentes abriram duas frentes para enquadrar as bigtechs.

Uma no plano internacional, conduzida pelo Itamaraty – pegando carona em um processo que aliás já está em curso na Comissão Europeia e outros fóruns – e outra no plano interno, através de movimento articulado por parlamentares da chamada ala ideológica do PSL. A primeira tende a dar em nada. Os protagonistas brasileiros não possuem credibilidade nesses fóruns e suas posições devem ser ignoradas. Já a segunda pode dar em algo, devido ao maior alinhamento da atual mesa diretora da Câmara dos Deputados com o governo federal, patrono das iniciativas.

Mas o que esses projetos propõem exatamente? Eles visam basicamente proibir a remoção, por parte dos provedores, de postagens consideradas falsas, hostis, preconceituosas, sediciosas, antidemocráticas. Vai além, e veda até mesmo a moderação de conteúdos através da rotulação, mecanismo que alerta para o risco do consumo daquela informação, feito cigarro e bebida.

É uma proposição insidiosa, partindo de quem vem. Sob pretexto de preservar a liberdade de opinião – condição inegociável nas democracias modernas – a ala mais antidemocrática da política nacional deseja um passe livre para a mentira e, através de sua legitimação, golpear as instituições que dificultam seu projeto autoritário. (Aqui um parênteses: ainda ontem, o presidente da República apresentou uma solução simples e “democrática” para a questão das fake news: fechar os veículos de imprensa, que, em sua opinião livremente manifesta, são seus principais propagadores).

Negar a verdade factual é apenas mentir. Simples. E não deve se confundir com discordar ou ter opinião divergente dos outros e defendê-la de maneira aberta. Um conteúdo sabidamente falso deve ser removido. Um conteúdo duvidoso, sinalizado. Um propagador contumaz de mentiras, banido das redes.

As redes sociais foram capturadas pela infantaria do ódio à serviço do extremismo ideológico (Foto: Pixabay)

E não porque os grandes provedores podem fazer o que quiserem, já que são entes privados. Esse raciocínio é equivocado, pois a natureza das atividades que exercem, seu alcance e impacto são de interesse público e, como tal, possuem uma função social que prevalece sobre qualquer outra. Trata-se de proteger a sociedade de uma legião que explora com competência as fendas da democracia para sufocá-la.

O que resta é uma sociedade na encruzilhada. Conhecimento e velocidade são os recursos mais valiosos na nova sociedade e base para estratégias exitosas. Esperar pela justiça comum, com sua lerdeza proverbial, pode ser tarde demais. Deixar a decisão sobre o que pode ou não ser comunicado nas mãos das provedoras é uma aberração. A saída parece ser mesmo uma curadoria de conteúdos plural, como já foi falado aqui nesse espaço em colunas anteriores. Assim a gente foge do risco de ter que optar entre o cruzado Ernesto e o czar Zuck – que parecem igualmente se alimentar de conteúdos duvidosos – dizendo não ao direito de mentir.

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Os Pequenos Negócios e o Desafio da Inovação https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/os-pequenos-negocios-e-o-desafio-da-inovacao/ Tue, 09 Feb 2021 14:39:31 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/os-pequenos-negocios-e-o-desafio-da-inovacao/ Reduzir a assimetria tecnológica é a condição de sobrevivência e o maior desafio dos pequenos negócios hoje

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Pequenos negócios no Brasil envolvem três categorias de empreendimentos. Os MEIs – Microempreendedores Individuais (faturamento até R$ 81 mil/ano); as MEs – Microempresas (faturamento até R$ 360 mil/ano); e as EPPs – Empresas de Pequeno Porte (faturamento até R$ 4,8 milhões/ano). Juntas, totalizam perto de 18 milhões de estabelecimentos, em torno de 95% do total registrado na Receita Federal, e respondem por cerca de 54% dos empregos do país. Os MEIs equivalem a 60% desse contingente, abrigando profissionais autônomos, ambulantes, salões de beleza, profissionais da cultura e toda uma sorte de trabalhadores (existem quase 500 atividades enquadráveis). São mais de 10 milhões. É muito.

A pandemia trouxe visibilidade a essa fração do tecido produtivo, até porque foi ela a que mais sentiu os impactos da perda de renda com a falta de ocupação, despertando um misto de preocupação com uma crise social junto com um sentimento de solidariedade que chegou ao Congresso Nacional e levou à criação do auxílio emergencial para trabalhadores informais, desempregados, famílias de baixa renda e MEIs. MEs e EPPs foram contempladas com outros programas públicos, especialmente de crédito. Campanhas lideradas pelo Sebrae, como “Compre do Pequeno, Compre do Local” ajudaram a preservar um fluxo mínimo de renda para essas categorias de empreendedores.

Mas a ajuda oficial passa, e as dificuldades de se manterem vivos e competitivos permanecem as mesmas de sempre para os pequenos negócios. A pandemia ressaltou suas limitações com letras garrafais. O deficit de inovação é uma delas e ajuda a explicar o baixo dinamismo da economia brasileira nas últimas décadas. E aqui, o raciocínio vale tanto para os pequenos negócios como para os médios e grandes. Claro que estes últimos têm recursos e capacidade técnica para ajustarem suas estratégias e processos e responderem melhor aos novos desafios do mercado numa economia digital. Como ficou evidenciado neste ano que passou.

Já os PNs têm uma desvantagem em relação aos demais: eles são acentuadamente analógicos em suas práticas de negócios. Ao mesmo tempo, o consumidor final é hoje muito mais digital (são 70 milhões de pessoas que fazem compras online no país), condição que lhe dá poderes crescentes sobre os fornecedores pela facilidade de acesso a informações sobre produtos, preços, prazos de entrega, reputação do vendedor etc por meio de um simples telefone celular. Reduzir essa assimetria tecnológica é a condição de sobrevivência e o maior desafio dos pequenos negócios hoje.

A explosão do comércio eletrônico e outros serviços online representa a principal ameaça para os negócios tradicionais. Na fase mais crítica da pandemia, foram fechadas mais de 11 mil lojas nas unidades filiadas à Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), segundo estimativas da entidade. Número que se soma a outro tanto que já estava fechado antes da calamidade sanitária. Ainda assim, a situação nem de longe é tão dramática como a do comércio tradicional de rua, cuja decadência tem transformado os centros das cidades em verdadeiros escombros urbanos.

O e-commerce é irreversível. Dados mundiais compilados pela Statista para o ano de 2019 apontam para a existência de mais de 2 bilhões de consumidores virtuais e uma receita de U$ 3,5 trilhões, o que equivale a 15% do comércio global (a previsão para 2040 é de que 95% de todas as compras sejam online). E se no Brasil esse percentual é ainda baixo, de aproximadamente 8% do varejo interno, o ano de 2020 sinalizou um novo panorama: o volume de compras eletrônicas cresceu cerca de 40% (ou até mais, a depender da fonte dos dados) frente ao ano anterior, devendo manter um ritmo sustentado de crescimento de 17% a.a nos próximos quatro anos. De um modo geral, vendas eletrônicas crescem a uma taxa 5 vezes maior do que o comércio convencional.

O cenário está desenhado. Boa notícia para os pequenos negócios que apostarem em modelos inovadores de vendas suportados por tecnologias digitais puras ou combinadas com estratégias de vendas físicas, tirando partido da omnicanalidade. Péssima notícia para os que insistirem em encostar a barriga no balcão e esperar o cliente passar na porta da loja para fechar uma venda.

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A Internet Desejada https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/a-internet-desejada/ Fri, 05 Feb 2021 14:17:24 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/a-internet-desejada/ Líderes mundiais estão preocupados com o poder econômico e político das plataformas online

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O noticiário da semana que passou foi farto em declarações de líderes globais sobre a Internet. Autoridades aproveitaram o Fórum de Davos para alertarem sobre as ameaças à economia de mercado e à própria democracia representadas por uma Internet sem freios. A memória dos escândalos protagonizados por Facebook-Cambridge Analytica, em que o vazamento de dados de mais de 50 milhões de pessoas interferiu diretamente nos resultados de campanhas que elegeram Trump e viabilizaram o Brexit, foi reavivada pelos episódios recentes do assalto ao Capitólio por extremistas de direita americanos articulados nas redes sociais. E assim o tema voltou à agenda.

Capitólio, sede do Congresso dos EUA, durante a invasão
Capitólio, sede do Congresso dos EUA, durante a invasão por apoiadores de Donald Trump, em 6 de janeiro.
(Foto: Redes sociais)

De início, o gigantismo das plataformas digitais e a concentração de poder em áreas sensíveis em uma sociedade cada vez mais dependente de fluxos de informações em rede eram vistos basicamente como aberrações de mercado. Esse fenômeno vem sendo denunciado há tempos. Microsoft envolveu-se num longo processo judicial nos já distantes anos 90 do século passado com base numa prática chamada de vaporware, que quer dizer mais ou menos o seguinte: uma empresa não pode travar o mercado, criar expectativas nos consumidores e inibir a concorrência vendendo ilusões – no caso, propagandeando futuras e, portanto, inexistentes versões aprimoradas de produtos campeões de mercado.

Mais recentemente, na Europa, Google recebeu três multas bilionárias da Comissão Europeia em função de atitudes anticompetitivas no mercado online de anúncios publicitários. A razão é a mesma de sempre: sufocar a concorrência e impedir que os consumidores usufruam dos benefícios da competição. 

A componente política foi chegando aos poucos, associada à capacidade de mobilização de grandes massas em movimentos como a ‘primavera árabe’ (2010), ‘ocupe wall street’ (2011) e as grandes manifestações de rua no Brasil em 2013; além do poder devastador sobre governos nacionais de sites como o Wikileaks, que vazou, entre outros, documentos ultrassecretos americanos em 2010, ou de ações independentes como as de Edward Snowden, que em 2013 revelou documentos sobre práticas de espionagem também do governo americano. Dessa maneira, nos últimos dez anos, o poder crescente das bigtechs deixou de ser uma questão meramente econômica, a ser tratada nos tribunais, e passou a ser questionado em fóruns de natureza política. 

Como se vê, o cerco está se fechando sobre elas. Por vários caminhos, o que se pretende é reduzir o poder que as grandes companhias possuem de usar a Internet para sua própria agenda de negócios às custas de e em detrimento do cidadão usuário de seus serviços. A questão agora é o que fazer. 

A presidente da Comissão Europeia propõe uma aliança global entre governos para conter o poder das plataformas online. No mesmo evento, a primeira-ministra alemã, Angela Merkel, retoma assunto adormecido nos últimos anos, por resistência do governo americano, da sobretaxação das empresas digitais – sugestão que já foi chamada de “Bit Tax” – em sintonia com posição antiga da França dentro da OCDE. Nos Estados Unidos, a senadora Elizabeth Warren advoga explicitamente pelo desmembramento das grandes plataformas de conteúdos e serviços online. Relatório de outubro de 2020 do Congresso Americano propõe 449 medidas para combater o monopólio das bigtechs, o que dá bem uma medida do problema. 

As próprias companhias vêm sentindo o peso da cobrança social. E, coincidência ou não, o Twitter reagiu lançando na semana passada versão teste do ‘Birdwatch’, programa para combater a desinformação usando seus próprios usuários como fact-checkers, com capacidade de adicionar notas em tweets visando reduzir a disseminação de conteúdos falsos. Outra saída possível pode se dar na linha do que o criador da World Wide Web, Tim Berners-Lee, já vem apontando há alguns anos. Consiste basicamente em descentralizar a Web e restaurar o poder das pessoas e usuários frente ao das companhias. 

O desejo de uma nova governança da internet vem ganhando força. O modelo não parece claro ainda, mas muito provavelmente será um mix de todas as ideias apontadas acima. Enquanto a reorganização dos mercados de negócios digitais não vem, conteúdos sensíveis devem ser objeto de escrutínio com nível máximo de zoom por intermédio de uma curadoria coletiva global, exercida por milhares de pessoas, escolhidas de forma randômica nas próprias redes sociais, com mandato de poucas horas de duração, ad-hoc, para opinarem em tempo real sobre conteúdos duvidosos e proporem desde advertência ou exclusão dos mesmos até a expulsão definitiva dos autores reincidentes. 

Tecnologias e experiências de ação colaborativas e ágeis para validação de conteúdos já existem, como a Wikipedia (através de uma equipe interna paga, editores voluntários e guias claros e definidos do que pode ou não ser publicado); a Reddit (onde a comunidade avalia positivamente ou negativamente as contribuições de seus membros e moderadores voluntários auxiliam na remoção de conteúdos); ou o jogo Counter-Strike (onde voluntários verificam jogadas suspeitas e opinam se houve o uso de algum programa ilícito ou não). Algoritmos construídos de forma aberta e em rede, aliados a editores experientes com chancela de entidades multilaterais fariam a camada de controle, checagem e proteção contra robôs, vândalos e milicianos digitais. O principal resultado desse tipo de iniciativa seria pressionar as próprias redes sociais e bigtechs a usarem seu poder de forma mais democrática.

Apesar da opinião contrária de muitos, curadoria e censura são coisas bem distintas. A democracia tem seus mecanismos de proteção, e o controle social sobre conteúdos publicados, em especial em redes sociais devido ao seu imenso poder de reverberação, é um deles. 

[Este artigo complementa análise publicada na coluna da semana passada.] 

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Transformação digital não é digitalização https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/transformacao-digital-nao-e-digitalizacao/ Tue, 29 Dec 2020 12:47:36 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/transformacao-digital-nao-e-digitalizacao/ O despertar para a transformação digital nem sempre vem acompanhado da devida compreensão do fenômeno

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As medidas restritivas de isolamento social para enfrentamento da Covid-19 ajudaram a disseminar o conceito de “transformação digital”, trazendo um sentido de urgência para certas mudanças de estratégia que corporações, pequenos negócios ou governos já deviam estar fazendo há muito tempo. Nada de novo. O potencial das tecnologias digitais para alavancar novos ou antigos negócios é reconhecido há décadas. O problema é o ritmo de adoção, que sempre andou a passos de tartaruga por aqui. A pandemia parece ter despertado o tecido produtivo brasileiro para a economia digital.

Não necessariamente com esse nome, “transformações digitais” (no plural) vêm ocorrendo pelo menos desde os anos 80, motivadas por fatores como a consolidação da microcomputação e consequente ampliação da base de usuários digitais, e a introdução da internet comercial com banda larga nos anos 90-00’s. O que se viu a partir daí foi a articulação exponencial de redes de computadores (incluindo smartphones), de pessoas e, mais recentemente, de objetos.

Dados passaram a ser gerados e consumidos em volume e intensidade inimagináveis e por quantidades cada vez maiores de agentes digitais, oportunizando, por meio de sofisticados complexos de tecnologias e algoritmos, a exploração econômica inteligente de toda uma riqueza antes perdida em bancos de dados de transações em formato digital.

Potencial das tecnologias digitais para alavancar novos ou antigos negócios é reconhecido há décadas
Potencial das tecnologias digitais para alavancar novos ou antigos negócios é reconhecido há décadas.
(Foto: Pixabay)

O valor dos dados na nova economia foi particularmente evidenciado a partir da imagem criada pela revista inglesa The Economist, em 2017, segundo a qual “dados são o novo petróleo”. É uma boa metáfora para caracterizar os dois estágios de um mundo em transição: o tradicional-analógico e o moderno-digital.

Se os dados são isso mesmo, então as empresas têm dois desafios pela frente: correr atrás deles e desenhar novas estratégias orientadas por eles, em especial aquelas voltadas para conhecimento, conquista e retenção de clientes. Tirar proveito de dados em contextos de inovação e incerteza em relação ao futuro, estruturar negócios diferenciados em redes e plataformas digitais e desenhar novos modelos de negócios voltados para a geração crescente de valor para o cliente em mercados abertos e hipercompetitivos são o core da Transformação Digital. É conveniente lembrar que, como apontam os especialistas em mercados digitais, não se compra mais um cliente com propaganda; conquista-se com experiências de relacionamento mobilizadoras e com propostas de valor efetivas e continuamente calibradas pelas suas necessidades.

Retomando o raciocínio do primeiro parágrafo, a questão é que o despertar para a transformação digital nem sempre vem acompanhado da devida compreensão do fenômeno. A transformação digital não é um produto de prateleira; é um processo complexo que envolve, além das tecnologias digitais em si, a capacitação de pessoas em novos repertórios habilitadores de novas práticas e a mudança da cultura organizacional. Mas isso dá um trabalho imenso e é mais fácil criar atalhos. Um deles é reduzir a Transformação Digital à Digitalização de Processos. Não que seja fácil digitalizar um negócio. Também toma tempo, custa caro e quase sempre dá errado.

O que se coloca é a necessidade de se diferenciarem as coisas para avançar na implementação eficaz de uma e outra. O foco da digitalização é obter a máxima eficiência operacional por meio da utilização de sistemas e tecnologias de informação para automação de tarefas operacionais e administrativas e para suporte à condução dos negócios, especialmente quanto ao processo de tomada de decisão. Isso é desejável em qualquer contexto. O alerta aqui é que, em tempos de mudança acelerada na dinâmica dos negócios, esse esforço tende a malograr por uma razão muito simples: o dinheiro vai pro lugar errado, vai pro passado, ao encontro de estratégias empresariais vencidas no tempo.

Na economia digital, digitalização não é estratégia. Transformação Digital sim. E provavelmente será A estratégia pelos próximos 5 anos. Quem não a fizer nesse tempo, corre o risco de não ter mais o que fazer em tempo algum.

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E o ano não acabou em pizza para a ciência https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/e-o-ano-nao-acabou-em-pizza-para-a-ciencia/ Tue, 22 Dec 2020 12:42:24 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/e-o-ano-nao-acabou-em-pizza-para-a-ciencia/ Este mês de dezembro trouxe algum alento para as instituições que lidam com educação, ciência, tecnologia e inovação no país

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Os ecossistemas brasileiros de educação e de ciência, tecnologia e inovação andam na lona. Mas este mês de dezembro trouxe algum alento para as instituições que lidam com o assunto no país. O Congresso trabalhou como se espera e aprovou três projetos relevantes. Um deles foi a Lei do Fundeb (PL 4373/20), que destina recursos para valorização da escola pública e seus profissionais, favorecendo especialmente os municípios mais pobres e seus mais de 8 milhões de alunos.

Espertalhões tentaram incluir escolas ligadas a igrejas e entidades filantrópicas como beneficiárias. Para não escancarar o real propósito de turbinar o ensino doutrinário nestas escolas e aliviar seus custos com pessoal, incluíram também aquelas ligadas ao Sistema S. Dois equívocos aí. O primeiro é que o Fundeb é um fundo filosoficamente destinado ao aperfeiçoamento da educação básica pública. Igrejas são entes privados. O segundo é que entidades como Senai, Sesi, Sesc e Senac, que também são de natureza privada, simplesmente não precisam.

Claro que não se trata apenas de injetar mais recursos para melhorar salário ou infraestrutura das escolas. Isso é necessário mas não resolve. Há um déficit crônico de gestão da educação, do ministério sem rumo à escola sem prumo. Assim como faltam novas abordagens engajadoras e motivadoras para os alunos perceberem valor na escola e desejarem frequentá-la. A aprovação do Fundeb não garante nada disso, mas tudo fica mais fácil quando se tem recursos para financiar o longo prazo.

Inovação, ciência, tecnologia
Fim de 2020 trouxe algum alento para as instituições que lidam com educação, ciência, tecnologia e inovação no Brasil.
(Foto: Pixabay)

Um outro Projeto de Lei aprovado foi o das Startups (PLC 146/19). Ainda falta o Senado se pronunciar. Esse PL está estritamente relacionado com inovação e ajuda o Brasil a desenvolver um olhar diferenciado a respeito desses novos arranjos empreendedores para alcançar padrões mais elevados de produtividade e competitividade. Startups são conceitualmente novos empreendimentos capazes de escalar de forma acelerada por meio de inovações tecnológicas e novos modelos de negócios. Elas criam exponencialmente mais valor do que qualquer outro grupo em termos de empregos e receitas. Por isso recebem tratamento especial em muitos países.

O país estava muito atrasado, e a nova lei traz avanços ao simplificar a burocracia para o empreendedor, dar mais segurança jurídica para o investidor, propiciar mais flexibilidade para o governo contratar inovação junto às startups. Mas deveríamos ir muito além. Por que não conceder imunidade fiscal, previdenciária e trabalhista para as startups, por um certo período, para compensar os vários gaps de quase tudo que contribuem para jogar o país na fila do fundo quando o assunto é inovação e competitividade?

O Brasil precisa ser mais radical em muitas coisas. Mas o passado pesa muito mais do que o futuro na formulação de leis e políticas públicas, e por esta razão as propostas mais ousadas e justas não foram aprovadas. Por exemplo, investidores-anjo continuarão a ser tributados sobre o ganho de capital, se houver. É como se você fosse punido por ter colocado o seu dinheiro em uma startup – que é, por definição, uma operação de alto risco – e por estimular a inovação no país. Nesse caso, é melhor investir numa LCA ou LCI, operações em que ganhos de capital não são tributados. Ainda há tempo do senado aperfeiçoar o projeto. Como fez com o Fundeb. Toc, toc, toc…

O último dos projetos aprovados em favor da comunidade de C,T&I foi o PLP 135, que descontingencia o FNDCT e o transforma em um fundo contábil-financeiro. É uma espécie de Fundeb para a pesquisa e desenvolvimento e, como este, aguarda sanção presidencial. Este PL foi assunto da coluna anterior.

Como vemos, são três movimentos em paralelo que endereçam a educação, a pesquisa, a inovação e potencialmente, o futuro do país. Admitindo-se que os três sejam sancionados em breve, teremos um ano de 2021 com pelo menos dois novos grandes desafios para gestores públicos e entidades do meio.

O primeiro é regulamentar o uso dos recursos. A burocracia legislativa tem disso e as leis nunca são autoaplicáveis. O Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, promulgado em 2016, levou mais de dois anos para ser regulamentado.

O outro desafio é muito mais complexo: trata-se de elaborar a estratégia de uso dos recursos viabilizados pelas novas leis. O ponto de partida é reconhecer que falhamos. Por décadas à fio. Se repetirmos o mesmo modelo de sempre, ficaremos no lugar de sempre. E, como sempre, o Brasil não terá perdido mais uma oportunidade de perder uma oportunidade… como nos lembra o professor Sílvio Meira.

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De apagão em apagão, o Brasil desce ribanceira abaixo https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/de-apagao-em-apagao-o-brasil-desce-ribanceira-abaixo/ Tue, 15 Dec 2020 14:03:59 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/de-apagao-em-apagao-o-brasil-desce-ribanceira-abaixo/ O atraso do Brasil é um projeto. Só assim podemos explicar o que somos diante do que poderíamos ter sido

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Há quase 20 anos o Brasil apagou, faltou luz. Literalmente.  Faltou energia para casas, fábricas, para o comércio. O PIB cresceu apenas 1,5% em 2001, contra 4,3% no ano anterior. A imprensa se referia a esse episódio como apagão. Palavra fácil, que comunicava com clareza o drama nacional. Meses seguidos de racionamento de consumo geraram intimidade com o tema e fizeram o país adotar essa palavra quase como autojustificativa para as coisas que não dão certo. Falhou? É culpa do apagão. Como aquele 7 x1 que tomamos da Alemanha em casa, com tudo iluminado para o mundo apreciar melhor nossa tristeza. Locutores atordoados tentavam justificar o fracasso e, pimba!, foi o apagão. Para comentaristas mais sensíveis, foi um bloqueio psicológico diante da pressão extrema de se ter que ganhar em casa; para a geral, foi falta de vergonha mesmo. Mas esse tipo de apagão a gente tira de letra.

Difícil mesmo é conviver com o apagão da ciência, tecnologia e inovação. Porque este, quando combinado com outro apagão, o da educação, resulta no estreitamento das possibilidades do desenvolvimento nacional, na perpetuação das diferenças sociais e na implosão do futuro das novas gerações. Darcy Ribeiro se dedicou a entender as raízes da desigualdade e a crise da educação. Conclusão: o atraso do Brasil é um projeto. Só assim podemos explicar o que somos diante do que poderíamos ter sido e entender o paradoxo da pobreza de quase todos em meio à abundância de quase tudo.

Congresso Nacional, em Brasília, durante apagão que afetou a Esplanada dos Ministérios em junho de 2016
Congresso Nacional, em Brasília, durante apagão que afetou a Esplanada dos Ministérios em junho de 2016.
(Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)

Existem certas situações que somente se explicam por escolhas deliberadas. Por exemplo: o Brasil é, ainda, a 10ª economia do mundo e o 15º produtor mundial de conhecimento em publicações acadêmicas. Mas é apenas o 54º produtor de patentes internacionais, o 62º em inovação (caiu 20 posições nos últimos 10 anos, ficando atrás inclusive de 5 outros países latino-americanos), e o 80º em competitividade. Daí vêm duas lições. A primeira é que não conseguimos converter conhecimento em tecnologia produtiva e fonte de geração de riqueza e emprego. A segunda é que, apesar de tudo, o país segue vivo, esbanjando resiliência. Mas basta olhar o movimento de países como Coreia do Sul , Índia e outros para ver que essa nossa condição tem dias contados. E em breve seremos a 12ª, 15ª ….

Esse tipo de apagão faz com que o déficit da balança comercial de produtos de elevada intensidade tecnológica e mais alto valor agregado venha crescendo sistematicamente. Voltamos a ser um país preponderantemente exportador de commodities. Há quem veja ganhos nisso, mas é bom lembrar que a soma das exportações de soja, minérios e petróleo – nossas principais estrelas – não paga o que importamos de computadores, produtos eletrônicos, óticos e outros da pauta relevante das economias modernas. 

Como chegamos até aí? É que o projeto a que se referia Darcy Ribeiro continua de pé e hegemônico. Um dos seus pilares é o baixo volume de investimentos em C,T&I como proporção do PIB. Andamos na casa do 1%, muito baixo se comparado com a media de 2% da OCDE e baixíssimo em relação a países como Coreia e Israel, que investem por volta de 4%. O orçamento federal destinado ao MCTI [Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação] para 2021 é de cerca de R$ 5,3 bilhões, dos quais perto de 90% estão contingenciados, restando míseros R$ 500 milhões (contra R$ 3,7 bilhões de sete anos atrás) para equipar laboratórios, formar pesquisadores, apoiar parques tecnológicos, subvencionar inovação nas empresas etc. O principal instrumento de fomento, o FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) está igualmente contingenciado, com mais de R$ 25 bilhões retidos no Tesouro Nacional para formação de superávit, num caso escandaloso de desvio de finalidade.

Sem recursos não se perenizam ações de longo prazo. Ciência não combina com imediatismo. Inovação não combina com incerteza política. Desenvolvimento tecnológico rima, mas não combina com terraplanismo ideológico. Se quiser sair do nó em que se meteu, o Brasil vai ter que se livrar antes das mentes apagadas que nos governam desde Brasília, desde sempre. (ET: se o Congresso Nacional quiser dar uma chance ao país, aprova o PL 135/2020, que tramita em regime de urgência e que descontingencia o FNDCT). 

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O que vacinas e eleições possuem em comum https://canalmynews.com.br/francisco-saboya/o-que-vacinas-e-eleicoes-possuem-em-comum/ Thu, 10 Dec 2020 00:01:23 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/o-que-vacinas-e-eleicoes-possuem-em-comum/ Cientistas, Quintana, são passarinhos. Maus políticos e negacionistas carregam a escuridão trancada por dentro. Esses, passarão. Quando? Somente as próximas eleições dirão

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Eleições e vacinas são tecnologias inventadas com o mesmo propósito: nos livrar de muitos dos males modernos, e outros nem tanto, amém. As primeiras são tecnologias da vida social; as segundas, da vida biológica. Ambas criadas pelo engenho humano, pela força do conhecimento e do progresso técnico. Elas são como marcadores do processo civilizatório.

Há 200 anos vacinas cuidam da imunização contra moléstias que têm a capacidade de limitar ou matar seres humanos. Peste bubônica, tifo, febre amarela. Cólera, varíola, caxumba e difteria. Pólio, sarampo e rubéola.  A ciência chegou lá. Outras estão ainda na fila de espera, como a malária e Aids – flagelo que faz 40 anos já levou mais de 35 milhões de vidas. Anunciada há pouco no Reino Unido, e com outras à caminho, brevemente o mundo disporá da anticovid, da xô-corona!

Olhando do retrovisor a partir desse ponto — quem sabe 3, 6, 12 meses? — perto de 2 milhões de pessoas teriam sido poupadas se laboratórios fossem formados por cientistas-videntes capazes de chegar adiantados pro compromisso de salvar vidas. Mas a ciência é lenta. Tem seus métodos e princípios. Foi com ela no entanto que chegamos até aqui. E por causa dela, milhões de pessoas todos os anos escapam da ‘mais indesejada das gentes’ (Bandeira era tuberculoso e morria de medo de morrer disso. Mas pulou a fogueira e nos deixou o delicioso Pneumotórax como herança.)

Movimentação de idosos no posto da 612 Sul, em Brasília, para Vacinação contra Influenza
Movimentação de idosos no posto da 612 Sul, em Brasília, para Vacinação contra Influenza. (Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

Eleições têm muitas semelhanças com vacinas. Eleições aliás são como vacinas, só que de outro tipo. Do tipo que nos protege do obscurantismo, do negacionismo, da falsa moralidade, de éticas de conveniência que fazem da vida humana reserva de mercado para convicções medievais. Somente “eles” podem falar. Por isso odeiam a ciência. Eleições nos resgatam dos desvãos onde se perdem nossos melhores sonhos. Dão sobrevida às nossas esperanças e nos salvam da morte política precoce. Renovam nossa crença no futuro construído a partir de nós mesmos. A sociedade é o que queremos que ela seja. E esse “queremos” aí fala de um coletivo gigantesco, cheio de contradições e de difícil articulação. Mas é a política que faz a boa costura.

Há poucos dias o povo teve uma nova chance de reativar a memória imunológica da sociedade contra o atraso. Terá acertado na dose? O Brasil muitas vezes repete sua própria história com sinal trocado. O que é uma farsa (ou tragédia) ao quadrado. Há pouco mais de 100 anos, campanhas de vacinação e outras medidas de saúde pública eram vistas como condições para a prosperidade, e o Rio de Janeiro tornou-se palco talvez do primeiro grande programa de gentrificação do país. Milhares de famílias foram removidas para demolição dos cortiços e porões em que habitavam para dar lugar a uma nova urbanização. Houve reação popular, em parte justificada pelo caráter impositivo das medidas de higienização, em parte pela má qualidade dos serviços públicos. Sobrou para Oswaldo Cruz e a vacina.

Na época, como agora, existiam outros interesses em jogo: uma agenda retrógrada que se escondia atrás da insatisfação popular e que escorou uma tentativa de golpe político. Mas o Brasil é previsível demais nos erros, e hoje são os grupos no poder que golpeiam a agenda progressista negando a pandemia, menosprezando a ciência e sabotando programas de vacinação, com o objetivo mal disfarçado de jogar o país nas trevas onde alimentam seu projeto de dominação social.

Cientistas anunciam a aurora e comunicam a luz para todos. Cientistas, Quintana, são passarinhos. Maus políticos e negacionistas carregam a escuridão trancada por dentro. Esses, passarão. Quando? Somente as próximas eleições dirão.

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