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A balada da arrasada dos pesquisadores brasileiros: desabafo de um mestrando prestes a defender

Viver a preocupação de finalizar a pesquisa e aquela referente a procurar um emprego é demasiado angustiante

por Marcos Paulo Magalhães de Figueiredo em 05/08/21 17:14

Eu, assim como outros colegas pós-graduandos, estou nos momentos finais da escrita da pesquisa de mestrado. Esta reta final tem um gosto agridoce de ansiedade e um gosto amargo de tristeza. Agridoce porque obviamente qualquer pesquisador fica feliz no momento da defesa, contudo, ao mesmo tempo vem a insegurança material propiciada pela falta da bolsa e a emergência de se arranjar um emprego. E é na procura do emprego que o agridoce fica amargo. Sou da área das Ciências Sociais, mas pelo o que vejo de relatos de colegas pesquisadores de outras áreas em grupos de Facebook e no recém lançado Quinta Chamada do MyNews percebo que nosso caso não é isolado.

Viver a preocupação de finalizar a pesquisa e aquela referente a procurar um emprego é demasiado angustiante. Hoje não é surpresa que a maioria dos professores e pesquisadores das ciências sociais formados nos anos 70 a 90 eram em sua maioria de classes mais abastadas. Afirmo isso com base no projeto “Memória das Ciências Sociais no Brasil” coordenado pelo antropólogo Celso de Castro da Fundação Getúlio Vargas. Para ser pesquisador nesse país com um mínimo de autonomia o ideal é ter um colchão de proteção financeira excelente. Além de tal colchão, o pesquisador em formação no Brasil tem que torcer para viver numa família que entenda como funciona a carreira acadêmica brasileira. O que eu vejo que é a minoria entre meus colegas de universidade. Ainda hoje fico embasbacado quando escuto “meu pai e minha mãe dão todo apoio e incentivo pra fazer mestrado”.

Uma das piores partes é que quando os pesquisadores reclamam sobre as condições de nosso trabalho no Brasil escutamos aquele lindo argumento “ahhh mas vocês têm bolsa e só pra estudar!” (isso antes dos agressivos cortes do governo obviamente). Os valores das bolsas são verdadeiras misérias. Seja de iniciação científica, projetos de extensão, mestrado e doutorado. O valor parece ainda mais irrisório quando pensamos na carga de trabalho do pesquisador brasileiro e a demanda de uma dedicação exclusiva para a pesquisa – mesmo que implícita. Atualmente muitas/os chefes de família estão ingressando na carreira acadêmica. A baixa remuneração dificulta a permanência dos discentes na graduação e na pós-graduação. Para além dos gastos para a própria subsistência tem o encargo com livros, materiais de pesquisa, viagens para pesquisa de campo, compra de equipamentos e insumos.

O ingresso na carreira docente também está um inferno. Seja no âmbito privado ou público. No âmbito público alguns concursos estão reproduzindo uma lógica empregatícia torpe. O recém lançado edital n°25/2021 da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO – para professor substituto está exigindo a titulação de doutorado com o salário de R$ 3.500,00. Não é raro os concursos de Institutos Federais fazerem a dobradinha de contratar um professor para dar duas disciplinas de humanidades -sociologia/filosofia ou geografia/história são as mais comuns. Fora o ingresso em algumas faculdades privadas.

Uma crítica indigesta, mas que se faz necessária, é que parte da culpa dessa precarização do trabalho docente e da qualidade de ensino nos podemos atribuir a gestão petista no executivo. Não por fomentarem programas de acesso ao ensino superior como o FIES ou o Prouni. Mas por deixarem construir um oligopólio educacional bem abaixo de seus narizes. Isso inclusive acabou prejudicando as próprias faculdades privadas menores e de qualidade que foram engolidas no processo. O vídeo do canal no Youtube GregNews do dia 29 de novembro de 2017 explica em maiores detalhes o ocorrido.

Quanto às empresas privadas que contratam cientistas ou pesquisadores, muitas pedem um tempo de 3 ou 5 anos de pesquisa. O ponto é, a pesquisa que realizamos na universidade de mestrado, doutorado, iniciação científica ou em grupos de extensão não conta como tempo de trabalho pesquisado. Como conseguir experiência se toda contratação exige uma experiência irreal para os padrões empregatícios do Brasil atual?

Moral da história. Quem segue na carreira acadêmica continua realmente porque ama. A gente tá nisso é por amor, por gosto. Porque pelo prestígio social, estabilidade financeira e laboral e apoio com certeza não é. Em suma, pode-se resumir a situação da pesquisa e do pesquisador no Brasil pela música Balada da Arrasada de Angela Ro Ro.


Quem é Marcos Paulo Magalhães de Figueiredo?

Marcos Paulo Magalhães de Figueiredo é professor de sociologia e antropólogo. Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) e mestrando em Antropologia pela mesma instituição.

* As opiniões das colunas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews

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