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Resposta à questão “A Culpa é Minha?” do presidente Bolsonaro

Os seguidos reajustes dos combustíveis no Brasil têm relação com a política de preços adotada pela Petrobras. Bolsonaro tem culpa sobre esta questão?

por João Gabriel de Araujo Oliveira em 27/11/21 15:20

Como de praxe, eu gosto de contextualizar, historicamente, todo o processo de evolução dos problemas econômicos brasileiros até chegar à crítica à atual política adotada pelo governo. Durante o governo do presidente Lula e da presidente Dilma, a política de preços vigente para os combustíveis não dependia da variação do dólar e do preço do barril do petróleo, uma vez que, desde a exploração do Pré-Sal, o Brasil passa a ser um país autossuficiente em petróleo, o que justifica a ação de independência externa tomada pelo governo Dilma.

Contudo, por conta desta medida, seu governo passa a ser acusado de “interferência política” na Petrobras, especialmente para o controle da inflação nacional. Com essa manobra, ambos os governos conseguiram manter o preço dos combustíveis abaixo do mercado, o que favorece a população, não apenas no transporte, mas, uma vez que o combustível afeta os preços dos transportes, então favorecia consequentemente todo o mercado.

Quando aplicado o golpe na ex-presidente Dilma, o então presidente Michel Temer, convida Pedro Parente para assumir a presidência da Petrobras e este declara a “independência” da empresa. Para eles, o mecanismo de ajuste passa a ser, justamente, a variação do câmbio e dos preços do barril de petróleo, que assim não haveria interferência qualquer do governo vigente, com apenas reajustes mensais nos preços.

Em fevereiro de 2021, gasolina é vendida pelo preço médio de R$ 4,833.
Preço dos combustíveis no Brasil tem a flutuação do dólar como referência, seguindo a cotação internacional do barril de petróleo/Foto: Tomaz Silva (Agência Brasil).

Contudo, em um curto período de tempo, mais precisamente um ano depois, foi avaliado que a empresa não estava conseguindo acompanhar a volatilidade do câmbio e determinaram que os reajustes deveriam ser feitos com maior frequência. Levando então, como resultado do rápido aumento dos preços dos combustíveis em 2018, à maior greve dos caminhoneiros até o momento. Esse histórico de mudança de política nos preços é mais detalhado (recomendo a leitura) no artigo “A Cronologia da Crise do Diesel, do Controle de Preços de Dilma à Greve dos Caminhoneiros”, da jornalista Bruna Moura na BBC.

Assim, vamos entender e definir esses dois componentes da política de preços desenvolvida no governo Temer e que continua até os dias atuais. A definição de taxa de câmbio é a relação entre moedas de dois países, por exemplo e o mais usual no Brasil, quantos reais são necessários para comprar um dólar. De modo geral, os bancos centrais conseguem, por meio de política monetária, controlar essa relação, vendendo ou comprando Títulos e através da determinação da taxa de juros básica na economia (no Brasil, a Selic).

De modo geral, quando se vende os títulos, o Banco Central tem por intenção recolher parte da moeda nacional em circulação, com a intenção de valorizar a moeda nacional perante a moeda em comparação. Por meio da escassez de moeda nacional, o contrário ocorre com a compra dos títulos, que tem por intenção injetar moeda na sociedade. Outro mecanismo ocorre através da reunião do Copom (Conselho de Política Monetária), que determina a taxa básica de juros, Selic, que é considerado o principal instrumento de controle da inflação por parte do Banco Central.

No entanto, estes não são os únicos mecanismos de controle da taxa de câmbio. A escassez ou abundância de moeda estrangeira também afeta essas relações, além do poder de criação ou destruição de moedas por parte dos bancos comerciais. Contudo, vale a pergunta: a taxa de câmbio depende, então, apenas do Banco Central? A resposta é não, pois ações externas à política monetária também afetam essa taxa, tais como: alterações no cenário econômico local e internacional e acontecimentos políticos. Nessa coluna, vamos olhar esses dois últimos efeitos.

Mas antes disso, vamos agora definir como se analisa o preço do barril do petróleo. O barril de petróleo é uma commodity mundial cotada em dólar, a oscilação do seu preço obedece a lei da oferta e da demanda, ou seja, quanto mais escasso ou quanto maior a dificuldade de extração do mesmo, maior o preço desse bem. É amplamente conhecido que o Oriente Médio se destaca entre as demais regiões do mundo com relação a detenção de reservas de petróleo e, assim, quaisquer problemas, sejam políticos ou não, que ocorram naquela região, afetam drasticamente o valor do barril no mundo.

Mas não devemos, de modo algum, culpá-los pela variação do preço. A América do Sul e a África também detêm parte significativa das reservas de petróleo, especialmente o Brasil com o Pré-Sal. Assim, existem países autossuficientes dessa commodity, entre eles o Brasil, e com isso não há justificativa plausível para o país manter o preço do seu barril para uso próprio dependente da oscilação preço do barril internacional (isso apenas valeria para os casos de exportação), que junto com a oscilação do câmbio formam a atual política de preços de combustíveis no Brasil.

Essa política de preços, desde Temer, tem sido mantida até a presente data nesta coluna. Medida esta, que com todo o desastre econômico, ambiental e sanitário causado pelo atual governo, tem se mostrado cada vez mais rígida e impositiva para a desvalorização cambial, alavancando os preços dos combustíveis a níveis absurdos, que historicamente não foram verificados no Brasil.

Devemos lembrar que, um dos principais fatores que afetam as relações internacionais e com isso, o câmbio, são as boas relações diplomáticas entre os países. Contudo, o Brasil, desde 2019, ou até mesmo antes, quando o então deputado Jair Bolsonaro atacava as principais relações comerciais do Brasil, especialmente a China, tem gerado uma deterioração dessas relações.

Com isso, as relações comerciais e empresariais entre o Brasil e os demais países do mundo passaram a se desgastar, além de enfraquecer a capacidade diplomática do Brasil perante as maiores potências mundiais. Hoje, o então presidente não só ataca a China, mas com a mudança de presidente nos Estados Unidos, ataca também o presidente norte-americano Joe Biden, além dos representantes das principais potências europeias, como a Alemanha e França.

Esse isolamento social e econômico do Brasil foi, recentemente, refletido pela cúpula do G20, em Roma, quando Bolsonaro não conseguiu se incluir em nenhuma das rodas de conversas dos representantes ali presentes. Esse fardo, que hoje afeta a vida do brasileiro, tem como um de seus resultados a oscilação cambial, que afeta também o preço do barril de petróleo, aumentando assim o valor dos combustíveis na bomba.

Como desculpa, Bolsonaro tenta agredir os governadores e, falaciosamente, culpá-los através do ICMS, não sei se por má fé ou falta de conhecimento. O presidente não se atém ao fato de que essa cobrança é a mesma porcentagem desde antes do seu governo e em nada é responsável pelo brutal aumento do combustível. Ela apenas incide como uma parcela no valor do combustível.

Assim, o aumento da arrecadação através dessa tributação é devido ao aumento do preço do combustível por conta da política de preços adotada e não por alguma interferência dos governos de estados (ex.: supondo que a alíquota do estado seja de 28% e o preço inicial do combustível 1 real, temos o aumento do preço do combustível para 1,1 real, logo: 10,28=0,28 e 1,10,28=0,308).

Respondendo, então, à pergunta do presidente, a culpa é sim sua e do ex-presidente Michel Temer, que corroboram com essa política de preços atual da Petrobras. E não adianta aparecer com um discurso de que prometeu não interferir na petroleira, mas querer privatizá-la também é interferência.

A sua responsabilidade, como presidente, é se ater aos problemas da sociedade e solucioná-los. Sabendo que entre esses problemas, um dos mais graves é o combustível, então deveria ater-se a trabalhar para que essa política de preços fosse mudada, podendo assim controlar e até subsidiar valores para que a população pudesse voltar a consumir decentemente e podendo, então, buscar conter a inflação atual.

Não me venha também dizer que isso feriria o teto de gastos, pois este já foi condenado pelo senhor mesmo, tendo como principal instrumento um calote nacional que é a PEC dos Precatórios. Em especial, reavalie a posição do Sr. Paulo Guedes e Sr. Roberto Campos Neto, que apenas lucraram com a desvalorização do câmbio que causou todo esse problema que hoje vivemos.

Podemos ver, para alguns desde o início e para outros demoraram dois anos, que o lema do senhor “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos” deveria ser “Brasília acima de tudo e Deus que salve a população”, pois em breve, penso eu, até Ele o senhor estará culpando pelos erros que comete.


Quem é João Gabriel de Araujo Oliveira?

João Gabriel de Araujo Oliveira é doutorando em Economia Política pela Universidade de Brasília. Mestre em Economia Regional, com ênfase na pesquisa sobre “Distribuição de Renda e Orientação Política”. Formado em Ciências Econômicas pela UEL.

* As opiniões das colunas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews


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