O fato é que o capital não tem nenhuma resistência com economias de países ditatoriais, desde que se mantenha uma economia nos moldes liberais.
por Aniello Olinto Guimarães Greco Junior em 23/08/22 10:13
Em uma matéria recente do Guilherme Amado para o site Metrópoles, o Brasil descobriu que um grupo de empresários bolsonaristas conversam abertamente sobre como, segundo eles, um golpe de estado seria preferível a volta do Lula a Presidência da República.
O jornalista teve acesso a conversas de WhatsApp destes empresários. Entre vários absurdos, quero destacar a frase de Jose Koury. Segundo o proprietário do Barra World Shopping, “Prefiro um golpe que a volta do PT. Um milhão de vezes. E com certeza ninguém vai deixar de fazer negócios com o Brasil. Como fazem com várias ditaduras no mundo.”
Esta frase é difícil de engolir em vários aspectos. Temos um empresário analisando o impacto de um golpe de estado nos Brasil sob o aspecto dos negócios. O que importa para ele é que os investidores estrangeiros não deixariam de investir no Brasil caso entremos em um regime de excessão.
Apesar da falta de compromisso com a democracia ser chocante, o mais assustador é que a frase é em sua essência verdadeira. Meio verdadeira. Se é verdade que a lógica do mercado não gosta de instabilidades e de incertezas, e portanto seria reticentes com reviravoltas ditatoriais, também é verdade que a história nos mostra que regimes ditatoriais não impedem uma economia de mercado.
Como exemplo histórico podemos citar a origem da marca Fanta, criada pela Coca-Cola para continuar a negociar com a Alemanha Nazista, contornando as dificuldades dos embargos econômicos em uma economia em guerra. Um exemplo inofensivo, se compararmos, por exemplo, com o uso de judeus em campos de concentração por empresas como a Bayer.
Mas nem de longe o exemplo se resume a Alemanha nazista. Podemos citar até exemplos domésticos como as empresas automobilísticas durante a Ditadura Militar. Exemplo ainda melhor foi o Chile de Pinochet, que adotava políticas econômicas liberais ortodoxas em um regime totalmente autoritário. Ou atuais, como a dificuldade de estrangular a economia e o comércio de petróleo e derivados russos, mesmo com embargos comerciais nunca antes visto.
O fato é que o capital não tem nenhuma resistência com economias de países ditatoriais, desde que se mantenha uma economia nos moldes liberais. Mesmo com estados interventores, mantendo-se o controle privado dos meios de produção, o dinheiro continua vindo. Até para a China do Partido Comunista.
Isto é em uma primeira vista contraditório. Afinal a ideologia liberal é a mãe do conceito de Estado Democrático de Direito. O liberalismo surge como uma crítica ao estado autoritário e como uma defesa das liberdades individuais. Algum malabarismo precisa ocorrer para que alguns liberais prefiram ditaduras a governos que defendam uma economia com perfil mais social. Importante destacar que no caso aula brasileiro são alguns empresários, uma parte minoritária, como as assinaturas da Carta às brasileiras e aos brasileiros demonstram.
Mas mesmo assim algumas figuras muito influentes e muito ricas dos “conservadores no costume, liberais na economia” escolhem, por motivos ideológicos, um regime autoritário, uma ditadura, o oposto do liberalismo em sua origem.
A ponte entre o liberalismo e o autoritarismo começa por um foco ilusório na economia. Primeiro se afirma que a essência do liberalismo seria apenas a defesa de um Estado Mínimo e de uma economia de livre mercado, retirando da ideologia a parte de direitos fundamentais e liberdades individuais. E depois se faz uma separação impossível entre economia e relações sociais, pretendendo que uma pode ser independente de outra.
Com esta distorção se torna possível defender a aprovação de empréstimos consignados com o Auxílio Brasil. Afinal se podemos separar a economia do social, então o fato do Auxílio Brasil ser uma verba destinada a retirar uma camada social da miséria absoluta se torna irrelevante, e passa a ser aceitável aplicar a lógica do mercado financeiro para uma verba que deveria ser de caráter alimentício e de subsistência.
Esta mesma lógica de tratar toda relação econômica livre como justa, ignorando a parte social, pode levar liberais como Joel Pinheiro a defender que a autorização do comércio de orgãos não vitais seria uma forma aceitável de diminuir as filas de transplante e ajudar pessoas em necessidade econômica. Ou, em outros termos, não ver problemas éticos em pessoas se mutilarem para evitar a miséria vendendo seus órgãos para quem possa comprar.
Mas esta desconexão entre economia e sociedade não explica totalmente como liberais podem apoiar os regimes mais extremos, o fascismo, o nazismo e seus similares. Para tanto precisamos de um ingrediente a mais. Algo que justifique ideologicamente que alguns grupos sociais possam ser colocados a parte dos direitos humanos supostamente universais. No século XIX alguns liberais não viam problema na escravidão. No século XX, outros liberais acreditaram que o fascismo era uma ferramenta para se evitar o comunismo. Hoje alguns liberais enxergam nas causas identitárias e nas políticas afirmativas uma ameaça a liberdade econômica.
A justificativa moderna para se excluir grupos sociais inteiros daqueles que merecem ter direitos humanos plenos é a meritocracia. Sim, a aparentemente inofensiva meritocracia, que parece ser apenas uma bobagem usada por coachs para capturar o dinheiro de seus alunos. Esta é a ponte possível entre o liberalismo e o fascismo contemporâneos.
Para tal basta passar a entender as diferenças econômicas e sociais como resultado de uma mentalidade inadequada, de escolhas erradas ou de mera incompetência ou falta de vontade de vencer. Este é o momento que classificamos os marginalizados como pessoas que querem privilégios, que não se esforçam, ou que são incompetentes. Em resumo, são inferiores. São incapazes. São parasitas. São menos do que nós, os cidadãos de bem.
A meritocracia não é apenas uma ilusão para convencer a classe média que ela pode ser tornar rica se trabalhar mais. É na verdade um culto as elites, e uma desumanização dos miseráveis. Pois para quem acredita na meritocracia, basta se esforçar para sair da miséria.
Não é coincidência que estes empresários que preferem um golpe de estado a um governo de esquerda sejam também os que defendem que os movimentos sociais são uma ameaça a democracia. E que querem que os cidadãos de bem se armem e exterminem as ameaças sociais que o outro, o diferente e o excluído representam. E também não é coincidência que sejam os maiores defensores da meritocracia. Estes são a ponte entre os supostamente liberais e os fascistas. Em nome de Deus, da Pátria e da Família. ANAUÊ!
*Aniello Olinto Guimarães Greco Junior é servidor público concursado do Tribunal Superior do Trabalho, Aniello Greco passou tempo demais na universidade, sem obter diploma. Já fingiu ser jogador de xadrez, de poker, crítico de cinema, sommelier de cerveja. Sabe de quase tudo um pouco, e quase tudo mal.
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