Não é preciso entrar no mérito se os jogos eletrônicos podem ser considerados esportes para que não sejam destino de verbas públicas
por Walter Moreira Dias em 13/01/23 11:43
(Foto: Divulgação/Netflix)
Ana Moser, nova Ministra dos Esportes, na última terça-feira (10) fez uma declaração que causou um certo alvoroço nas redes sociais. Em uma entrevista para o portal UOL, a ex-atleta afirmou que os jogos eletrônicos estão na esfera da indústria de entretenimento e não do esporte ao ser perguntada se este setor receberia incentivos públicos federais em sua gestão.
Em seguida, para sustentar sua análise, ela aborda duas questões. Faz uma comparação descabida entre os ensaios de artistas como a Ivete Sangalo para fazer shows e os treinos dos jogadores profissionais de e-sports, considerando ambos como artistas de entretenimento, excluindo completamente o nível e a rotina de preparo e o aspecto competitivo dos torneios dos atletas dos jogos eletrônicos.
Para completar afirmou que os esportes eletrônicos não são imprevisíveis por serem desenhados por uma programação digital. Se formos por este caminho, isolando o fator humano nas disputas, teremos dúvidas inclusive se os esportes automobilísticos são esportes também. E uma grande discussão seria possível se analisássemos diversas partidas, dos mais diferentes esportes, em que o seu resultado, ou mesmo o desenrolar do seu jogo, é bastante previsível.
Mas a Ministra está certa em sua premissa: os e-sports não devem receber incentivos públicos no campo esportivo durante a sua gestão. Mas não é preciso entrar no terreno espinhoso de descredibilizar estas modalidades para justificar essa medida, pois apenas fez gerar uma onda de críticas via redes sociais, incluindo a revolta de diversos atletas famosos dos esportes eletrônicos.
Ana Moser poderia ter lembrado da preocupação central que ficou nítida em seu discurso de posse, no dia quatro do corrente mês, quando destacou que seu objetivo era desenvolver a cultura da prática motora em um país sedentário em que apenas 30% da população praticava algum tipo de atividade física regularmente.
Medida mais que acertada. Vivenciamos um apagão na área do esporte – como em várias outras – nos últimos 4 anos do governo Bolsonaro, como o sucateamento ou a descontinuidade de políticas públicas como o Programa Segundo Tempo, o Mais Educação e o Programa Esporte e Lazer nas Cidades (PELC). Políticas públicas que buscavam tanto aliar oficinas e esportes à ampliação de carga horária nas escolas públicas, como propiciar núcleos de esporte recreativo e de lazer.
Os primeiros governos Lula e Dilma mobilizaram um relevante aumento no orçamento do Esporte, e agora, sem o ciclo de grandes eventos é possível fomentar de forma muito melhor a transformação da realidade de crianças e jovens do Brasil. Porém, o atual orçamento para 2023, deixado pelo governo Bolsonaro, é de apenas R$ 190 milhões inicialmente. Há realmente necessidade de se investir em e-sports neste cenário?
Além disso, também acertou de forma fundamental ao afirmar que o objetivo maior do Ministério não será o investimento em atletas de alto rendimento, com o impacto em um reduzido número de atletas, e sim buscar o direito ao esporte para todos.
Para ilustrar essa questão, sobre os investimentos somente no topo da pirâmide, podemos refletir sobre o mundo do futebol. Não é raro vermos cidades de pequeno e médio porte utilizando verbas públicas para financiar times masculinos de suas regiões. O que nos leva a fazer algumas perguntas: Quantas pessoas são impactadas diretamente por estes investimentos? Qual o ganho real para as populações desses locais?
E se essas verbas de patrocínio fossem destinadas para políticas públicas visando garantir o direito social ao esporte e lazer? Por exemplo, financiar instalações, arenas esportivas e quadras públicas; Praças com equipamentos e programas de atividade física gratuitos; Piscinas públicas para natação e hidroginástica; Aulas gratuitas de diferentes danças, dentre outras ações.
Neste cenário, dois pontos elucidariam o porquê de os jogos eletrônicos não contarem com investimento estatal: o foco da atual gestão em atividades que levem ao exercício físico para combater o sedentarismo e o apoio deve priorizar e revolucionar o cotidiano das classes populares no tocante à atividade física.
Para incentivar a atividade física não se pode investir em e-sports. Nem nos esportes da mente, como o xadrez, que tem sua Federação Internacional reconhecida pelo Comitê Olímpico Internacional desde 1999. Já os esportes automobilísticos ou os e-sports já conseguem se organizar por meio da iniciativa privada, ao mesmo tempo, que há uma parcela relevante de crianças e jovens brasileiras que estudam em escolas que não possuem nem quadra poliesportiva.
Um caminho sempre possível para as políticas públicas do Esporte é a sua intersecção com a Educação, fortalecendo a prática da Educação Física na Educação Básica. Os objetos de conhecimento previstos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) são as práticas corporais dos esportes, lutas, danças e ginásticas.
O objetivo do espaço educacional deve ser democratizar o acesso ao conhecimento, e não selecionar os melhores e cercear determinada prática a esse grupo. É fundamental que as camadas populares experenciem as mais variadas práticas esportivas, conheçam e se apropriem dos elementos das atividades físicas, o que não necessariamente se traduzirá em resultado esportivo, pois o central é se os estudantes se tornarão atletas profissionais ou não, e sim um compromisso ético com o dinheiro público.
Porém, outro assunto importante seria melhorar a vivência digital das crianças e jovens de classes populares, dos equipamentos disponibilizados à qualidade da conexão, além dos ganhos educacionais, potencializaria, indiretamente, o surgimento de novos jogadores profissionais de e-sports nas periferias. Mas isto pode ser uma consequência de políticas públicas de outras áreas, como Ciência e Tecnologia.
Desta forma, o Ministério do Esporte tem total condições de fazer a diferença no campo das políticas públicas nesses quatro anos do terceiro governo Lula, focando no combate ao sedentarismo e garantindo o acesso a atividades físicas para grande parcela da população. Até mesmo o senador Romário (PL-RJ), antigo cabo eleitoral do ex-presidente Bolsonaro, parabenizou a escolha de Ana Moser e a própria recriação do Ministério.
Assim, para cumprir as melhores expectativas, deve-se evitar essas bolas divididas. Deixemos os e-sports fora dessas polêmicas, afinal são sim um tipo de esporte e que cresce sem o aparato estatal. Essa discussão só gera críticas ácidas em debates rasos nas redes sociais e atrapalha o desenvolvimento das políticas públicas almejadas e a rotina do novo Ministério.
Professor, graduado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e mestre em Sociologia e Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atua na Secretaria de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ) e na Secretaria Municipal de Educação de Maricá (SME-Maricá)
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