Como lidar com aquele cunhado que não acusa você de ser contra Bolsonaro por querer uma parte na mamata?
por Aniello Olinto Guimarães Greco Junior em 07/12/22 14:05
Ceia de Natal em tempos de política | Foto: Pexels
Todo final de ano temos alguns dramas inevitáveis. Como aguentar os intermináveis e constrangedores amigos ocultos? Que por terem se tornado óbvios e cansativos, inventaram variações engraçadinhas que conseguem piorar o que já era desagradável. Como aguentar o enorme debate sobre as uvas passas? A música da Simone? O especial de Roberto Carlos?
Mas cada vez mais um dilema vai ganhando dimensões de problemas reais, e não apenas problemas de classe média para alimentar memes. Como lidar com a assim chamada polarização política?
Uns 10 anos atrás era apenas lidar com aquilo que hoje chamamos de “tios do zap”, ou seja, as pessoas que na festa natalina insistiam em soltar pérolas como “bandido bom é bandido morto” ou construir frases como “eu não tenho preconceito mas…”. E a solução que tentávamos adotar era tomar um gole a mais de vinho e mudar de assunto. Tipo perguntar para a nossa prima sobre o novo namorado.
Dava certo? Claro que não. O mesmo reacionário de plantão provavelmente iria comentar algo como “espero que seja melhor que aquele tatuado esquisito da última vez”. Mas entre mortos e feridos, no final da noite tudo o que se tinha era duas ou três fatias de torta de climão para contribuir para a ressaca da manhã do dia 25 de dezembro.
Contudo os últimos anos transformaram este climão inevitável em possibilidade de dígitos na extremidade do aparelho digestivo e diálogos intensos com volume acima do confortável. Uma coisa é lidar com os preconceitos difusos e falas abstratas. Outra é lembrar daquela visita no meio da pandemia com a pessoa sabendo estar infectada com o vírus, ou com o fato de seu sobrinho de 14 anos não estar vacinado.
Então, como lidar com aquele cunhado que não vacina seu sobrinho e ainda acusa você de ser contra Bolsonaro por querer uma parte na mamata? Ou com gente gritando que deste jeito a próxima ceia de natal vai ter o Totó como prato principal e com o choro de um primo de sete anos que não quer que seu cachorro seja comido?
A solução que a maioria das famílias irá tentar adotar é a da neutralidade e tolerância. Assumir o acordo de evitar assuntos polêmicos e, no inevitável momento que o poder revelador do vinho se juntar a intolerância, aceitar de forma condescendente a presença de discurso odioso na mesa natalina. Afinal o importante é manter a aparência de harmonia na família.
Para mostrar como esta postura é perigosa, irei lembrar de um dos episódios lamentáveis deste ano. Desculpe por isto. Lembremos do Mamãe Falei indo para Ucrânia e do vazamento daquela gravação com frases como “elas são fáceis porque são pobres”. A sociedade brasileira se revoltou não apenas com o conteúdo das frases, como também com aqueles que tentavam normalizar as declarações por ter sido feita em um grupo sobre futebol. Coisa de homem, disseram alguns.
Agora pensem comigo: se este tipo de frase é inaceitável em um grupo privado sobre futebol, porque seria aceitável na mesa da ceia de natal? Se tentamos convencer as pessoas a não aceitarem frases preconceituosas em uma mesa de bar, e demostrar repúdio contra o machista, o racista, o homofóbico, iremos tolerar isto em nossos parentes?
E pior, não se trata mais de apenas valores, não é mais uma questão de ser “politicamente correto”. Estamos falando de posturas que colocaram nossas vidas em risco na pandemia. Que deixaram algumas cadeiras vazias em nossas mesas.
E que hoje leva a nossos parentes, sangue de nosso sangue, a desejar que alguns de nós sejamos torturados, expatriados ou reeducados. As minorias que se submetam. Mesmo minorias com o mesmo sobrenome.
Buscar uma solução tolerante, diplomática, não é apenas subestimar a violência crescente do cenário atual. É também de uma arrogância perigosa. Se silenciar diante do discurso fascista no nosso lar, no momento de festa, é tratar o intolerante como apenas um iludido, que esta sendo manipulado e não é responsável por seus atos.
No nosso seio familiar o mais importante é criar um ambiente de amor. Mas amor não é apenas carinho, amor não é apenas harmonia. É criar um ambiente onde todos colaborem para que cada um de nós descubramos o caminho para sermos as melhores versões de nós mesmos.
Tolerar o ódio na ceia de natal não é um gesto de tolerância, não é um gesto de amor. É um gesto de covardia. É deixar o amor de lado para evitar um clima ruim, uma discussão, um rompimento. A coragem de criticar, e quando necessário, de repudiar também é um gesto de amor.
Se aquele que amamos esta adotando um caminho destrutivo, e ainda pior, arrastando outros de nós com eles, tolerar esta jornada como apenas uma divergência é colaborar com a ruína. As vezes um pai precisa repreender uma criança para que ela aprenda que a vida tem limites. As vezes temos que repudiar aquele que amamos por estarem destruindo a si mesmos e aos que o rodeiam.
Infelizmente àqueles que hoje acampam em frente aos quartéis, não vacinam seus filhos e que ontem contaminaram vários de nós com um vírus potencialmente letal não estão apenas iludidos ou fanatizados. São pessoas que acreditam estar em guerra pelo seu país, e estão dispostos a matar e torturar quem for inimigo. E sim, as vezes o inimigo seremos nós.
Infelizmente é o momento de demonstrar que o amor nem sempre é cordial. Que virar as costas é uma forma de transmitir a mensagem necessária. A mensagem que não iremos acompanha-los nesta jornada destrutiva.
Não precisa ser um gesto definitivo. O perdão é necessário. Mas não faz sentido perdoar aquele que acredita estar certo.
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