Mike Deodato já ilustrou HQs da Marvel e da DC Comics. Atualmente se dedica a um trabalho autoral com o roteirista Jeff Lemire.
por Falcão Emmanuel em 07/06/22 10:56
O ilustrador Mike Deodato com Stan Lee. Foto: Reprodução Instagram
Falcão, Gavião, Lince Negra, Pantera Negra.
Não!
Não, estamos falando de um safari ou de um zoológico. Estamos falando de super heróis. Não está familiarizado? Deixe-me insistir um pouco mais: Abutre, Escorpião, Camaleão. Vilões! Todos vilões bem conhecidos pelos fãs do Homem Aranha. Se quer opções de “aranhas”, tem a ‘Viúva Negra’ também.
Achou um denominador comum? Vou te dar outra chance: Dente de Sabre, Homem Formiga, Fera, Tigresa, Pássaro de Neve, Serpente da Lua, Pássaro Trovejante, Raposa Branca.
Agora você me entendeu. Parece que o universo Marvel está sempre capturando virtudes morais, características físicas ou habilidades da fauna ao nosso redor, para compor personagens que farão parte de nossos imaginários.
Os heróis, os vilões, os dilemas sociais e afetivos que eles passam, suas histórias de drama e superação, etc, etc, etc. Não dá pra negar: as narrativas míticas, heroicas, as lições de moral que esse universo traz imprimem fortes referências na composição da personalidade de muitos admiradores desse nicho cultural.
Não gosta da Marvel? Já ouviu falar no Homem Morcego, Mulher Gato, Pinguim, Crocodilo, Mariposa Assassina? Bom, esses são heróis e vilões da Detective Comics¸ conhecidos popularmente como ‘Universo DC’, em especial, do mundo Batman.
Olha, e está pra além da Marvel ou da DC, viu? Tem em narrativas religiosas, no mundos dos Anime/Manga como Naruto, One Piece, Cavaleiros do Zodíaco, na Disney, no Folclore, nas músicas… acredite em mim, os animais estão sempre emprestando situações inspiradoras para aqueles que desejam contar uma história, passar uma mensagem, comunicar alguma lição.
Entretanto, se tratando de heróis, Stan Lee disse que “Eu não sou profeta, mas eu estou adivinhando que os quadrinhos vão sempre ser fortes. Eu acho que nada pode realmente bater a alegria pura e o prazer de segurar uma revista em sua mão, […] mostrar a um amigo, […] ter um monte de revistas empilhadas e ler de novo como série. Eu penso que os jovens sempre amaram isso. Eu acho que eles sempre vão amar”. Se o criador do Homem Aranha, Hulk, Thor, Doutor Estranho, Homem de Ferro, Feiticeira Escarlate, Magneto, entre tantos outros heróis, estiver certo, então eu estou inclinado a pensar que os jovens irão amadurecer e continuarão admiradores de HQ e heróis, pois o próprio Stan Lee confidenciou “Eu acho que eu nunca parei de me sentir igual a uma criança”. E para provar minha hipótese, quero trazer o exemplo de Mike Deodato.
É que Stan Lee falou que “Quanto mais você lê, melhor vai se tornar um contador de histórias”. Pois bem, Deodato, além de um exímio leitor, é também interprete e ilustrador, de entre muitas histórias, daquelas desenvolvidas pelo próprio Stan Lee. Deodato já foi ilustrador oficial da Marvel, desenhando o Homem Aranha, Thor, Hulk. Mas também desenhou, para a DC, o Batman, a Mulher Maravilha, entre tantos outros personagens. Seja da Marvel ou da DC, haverá os traços de Deodato, em algum momento.
Gosto de lembrar que foi Stan Lee que falou “Todos os personagens da Marvel eram minhas ideias, mas as ideias não significariam nada se não tivesse alguém que pudesse ilustrá-las”. Portanto, Deodato é mais que qualificado para contribuir ao tema.
Qualquer um que conheça o mínimo de ilustração de quadrinhos por brasileiros, já deve ter lido entrevistas Deodato falando sobre o começo de sua carreira, seu contrato com a Marvel e com a DC, trabalhos renomados, ou ainda, o assistiu em espaços de Comic Con, entrevistas a Omelete ou a Danilo Gentili. Várias dessas informações ainda estão disponíveis nesses espaços.
O meu objetivo, além de recomendar essas entrevistas já citadas, e respectivas participações, é questionar Deodato em pontos que eu ainda não conheço seus posicionamentos, portanto, eis o bate-papo.
Falcão: Você aprendeu, muitas coisas sobre a vida, relacionamentos e dilemas, lendo HQs?
Mike Deodato: Tudo que a gente lê traz alguma lição, aprendizado ou reflexão. Eu gosto de ler e de me expressar, por exemplo, no meu álbum ‘quadros’, de catorze histórias, eu expresso meus pensamentos sobre religião, vida, morte, timidez, sexo, e outros temas. São minhas opiniões pessoais, exposição de meus pensamentos. ‘Quadros’ é minha produção artística preferida.
Falcão: Eu já li ‘Quadros’. Tem umas historinhas curtas lá, com ilustração de ‘super heróis’. Como saber se somos ‘heróis’, ‘anti heróis’ ou ‘vilões’ em nossas vidas?
Mike Deodato: Todo mundo se identifica, em algum ponto, como ‘herói’, ‘anti-herói’ ou ‘vilão’. Ninguém é perfeito. Ninguém é bonzinho o tempo todo ou ruim para todo mundo, sempre. Algumas vezes já me identifiquei como vilão, em determinadas circunstâncias. Outras me identifiquei como herói. Eu aprendi muito com o Capitão América, que eu lia desde criança. Com o que ele ensinava de ‘certo’ e ‘errado’. Aprendi muito com os quadrinhos. Às vezes eu me identifico com o Wolverine. Wolverine não é sempre bom. Ele, quando tem problemas para lidar com a raiva, age impulsivamente. Nem sempre faz o que é certo. Portanto, os quadrinhos refletem um pouco a realidade da gente, os ‘heróis’ também tem defeitos. Um dos primeiros a evidenciar isso, foi quando o Stan Lee trouxe o Homem Aranha, nos anos 60. Um adolescente, cheio de falhas morais a serem corrigidas, como por exemplo ter sido omisso em relação a um bandido que, depois, veio a matar seu próprio tio.
Falcão: Agora que você lembrou. É verdade. Às vezes a ‘omissão’ de alguém só vem a favorecer o ‘vilão’. Eu agora estou pensando, em vezes que fui omisso, e, por consequência, favoreci ‘o lado mau’. Acho que é mais comum do que se imagina.
Mike Deodato: Com certeza. Dos heróis que eu criei, os mais legais foram os de ‘A Resistência’ que eu fiz para AWA Studios. A história se passa em um mundo no qual ocorre uma pandemia e, no final da pandemia, milhões de pessoas acordam com poderes, dos mais diversos. Eles precisam lidar com os poderes, dentro desse contexto plural, de pessoas em circunstâncias boas, pessoas com inclinação a índole ruim. Reflete bem o momento atual, porque o HQ foi produzindo antes do surto de Covid no mundo. Praticamente um anúncio.
Falcão: Acordar com poderes? Eu fico pensando que poderes eu ia curtir ter. Se fosse para fazer ‘rima clássica’ com o ‘homem aranha’, eu já fui mordido por meus gatos e meus cachorros. Portanto, ou eu iria ter poder de me ‘limpar com língua’ ou o de ‘coçar a orelha com o pé’. Você já pensou que poder você gostaria de ter?
Mike Deodato: Se eu tivesse um poder eu acho que eu ia querer os de telepatia. Sobretudo hipnotizar. Eu ia convencer todo mundo que eu estou certo. É tão difícil ir pelos métodos convencionais de argumentação e lógica. Principalmente casado com sua prima, que é uma socióloga. Ela me vence em toda discussão que a gente tem.
Falcão: Ah! Então acho que você está em dia com a ‘Feiticeira Escarlate’, que agora no filme do ‘Dr. Estranho no Multiverso da Loucura’, reutiliza dessas técnicas de ‘persuasão’, digamos assim, da mesma forma que usou na série WandaVision e contra o Gavião Arqueiro, nos vingadores. Agora que você falou, esse poder realmente seria muito útil. Porque, por exemplo, uma pauta política que me afeta muito, é o abandono e os maus tratos de animais. Com essa sua habilidade, que você citou, eu iria poder influenciar as pessoas a se importarem e adotarem as políticas publicas corretas, para proteção animal. Qual super herói, na sua opinião, poderia ajudar o Brasil, a cuidar desses mais de 30 milhões de animais em situação de abandono, segundo dados da OMS?
Mike Deodato: Eu acho que não precisa de super herói pra resolver isso. Na verdade, apesar de eu ter vivido trinta anos desenhando super heróis famosos, eu não sou mais tão fã de super heróis, hoje em dia, como eu fui no passado. Hoje eu prefiro as histórias que eu faço das pessoas mais comuns, como a ‘Bad Mother’ que é sobre uma senhora de subúrbio, com sobrepeso, de meia idade, invisível para a família, mãe de uma filha que foi sequestrada. Ela quer resolver esse rapto, e não consegue contar com a ajuda de ninguém. Outra história é de uma mulher de sessenta anos de idade, em um mundo pós apocalíptico, que precisa aprender a se defender e, para isso, vira pistoleira. Eu prefiro pessoas comuns, hoje em dia, contar história de pessoas sem poderes. E eu acho que no mundo de hoje em dia, não precisa de super heróis. Basta você votar bem! No Brasil de hoje, a gente precisa tirar Bolsonaro do poder, que é um assassino, um psicopata e colocar alguém que consiga auxiliar na resolução dos problemas do Brasil. No caso, hoje em dia, vejo que a única saída é Lula, e os problemas vão se resolvendo a partir do voto democrático ou por uso da pressão popular como manifestações, protestos, cobrança de participação civil. Não é preciso de super heróis, basta usar o bom senso e votar em pessoas com propostas e representações boas para o Brasil.
Falcão: Agora que você trouxe essa reflexão, penso que você está certo. Super heróis, nos dias de hoje, é quem consegue sustentar uma família, ganhando apenas um salário mínimo. O Brasil não encontrará um super herói para dar ordem as necessidades civis da grande maioria. Então, como você acha que podemos fazer Deodato?
Mike Deodato: Os heróis em quadrinhos estão lá para divertir. Talvez até passar algumas lições, mas não vai aparecer nenhum super herói na vida real para resolver os problemas da gente. Ou nos envolvemos, coletivamente, para tentarmos resolver problemas, ou no caso da política a gente escolhe melhor. A gente analisa melhor a coerência histórica de cada candidato e vota melhor. Porque a gente está vendo o resultado aí: mais de cinquenta milhões de pessoas votaram em um louco, o resultado está aí. Mais de seiscentos mil pessoas mortas, por descasos na pandemia, florestas destruídas, a saúde em frangalhos, a educação regredida, um caos. A gente tem que se envolver mais na política, gostando ou não, tem que escolher bem, tem que se unir em torno de um candidato que possa derrotar o que está lá, com perigo de continuar no poder, e decidir, porque se você ficar em casa e não fazer nada, você está favorecendo, por inércia, o lado ruim, está dando poder, por omissão, a quem não merece. Então, não tem ‘herói’, não tem ‘super herói’, tem ‘nos’. Tem a gente. A gente se une, vota melhor e por consequência teremos uma vida melhor por conta de nosso envolvimento.
Falcão: Essa análise que você ilustrou em seu discurso, é bem visível. Sobretudo para mim, que perdi amigos e colegas de profissão, durante essa pandemia. Sei que muitos brasileiros perderam pessoas queridas. Também sei que você conheceu a dor do luto, porque, além da morte de ‘Angelina’, sua gatinha, você teve uma subtração muito forte, na sua vida, que foi a despedida de seu pai.
Mike Deodato: A morte de meu pai foi ‘bem pesado’, por conta do que ele significava para mim. Da relevância que teve no incentivo da minha carreira, da ligação que compartilhávamos. Eu imaginava que eu ia ser mais forte para superar essa despedida, mas foi bem pesado. Eu nunca tinha perdido alguém tão próximo assim, então foi uma fase diferente, para mim, para eu passar. Muita gente deve ter passado por isso, ou está passando. Principalmente nessa época de pandemia. Eu realmente tenho dificuldades de pensar em dizer algo para essas pessoas, porque eu não sou religioso, eu penso que a vida é essa que temos diante de nós, e acho que meu pai teve uma vida muito rica, ele teve uma vida muito boa, claro que teve momentos difíceis, mas ele aproveitou bem a vida dele, ele criou uma família com muito amor, eu acho que ele viveu bem a vida. Portanto, temos que pensar o quanto a pessoa que se foi nos fez bem e foi importante para a gente e para pessoas próximas a nós.
Falcão: No meio de tanta injustiça social, tanto sofrimento, parece que deveríamos ser mais gratos, por sermos privilegiados em estarmos em condições mais favoráveis
Mike Deodato: Temos que aproveitar a vida, viver bem, sempre que possível, faça um reflexão sobre o que você está vivendo. Temos consciência da sorte que temos de estarmos vivos, vivendo essa nossa vida, é aproveitar.
Falcão: Infelizmente, nem todos tem a sorte de alguns. Existem momentos difíceis na vida das pessoas. Em uma de suas histórias pessoais, da obra ‘Quadros’, tem um enredo que diz “[…] sua origem não importa. Seu nome não importa. […] No final, o que realmente importa, é sua determinação”. Você acha que esse é o melhor ‘super poder’?
Mike Deodato: Cada caso é um caso. Muitas vezes não depende só da pessoa de conseguir se auto ajudar. Às vezes a pessoa tem casos de depressão, às vezes a pessoa precisa ser ajudada. Então cada caso é um caso. Se a pessoa tiver condições de acreditar em si própria ou de se erguer, de brigar contra os obstáculos que o impedem de ser feliz, ótimo. Se não, a gente precisa contar uns com os outros. Tem família, amigos, ninguém está no mundo sozinho. Precisamos nos ajudar mesmo. Se espera que familiares e amigos ajudem, porque o mundo ‘é do jeito que é’ e não ‘da forma como queríamos que fosse’. Tragédias podem acontecer. O que está ao nosso alcance, como seres humanos, é ajudar uns aos outros.
Falcão: Além de seguir você no insta @mikedeodato, onde mais podemos conhecer seus novos desafios?
Mike Deodato: Quem quiser conhecer meus trabalhos autorais, ‘The cartoon art of Mike Deodato Jr’, ‘Quadros’, que é super autoral e pessoal, é o que considero de melhor que fiz até aqui. Foi o que fiz depois que sai da Marvel. Também tem ‘The Resistance’, ‘Bad Mother’, ‘Redemption’, ‘Not All Robots’ que foi indicado, em duas categorias, ao Eisner Awards, que é uma espécie de ‘Oscar’ dos quadrinhos. Tem ‘Fourth Man’, ‘New Think’, e o mais novo agora, que eu estou fazendo, que é ‘Absolution’. Se quer me conhecer mais, convido a conhecer meu trabalho autoral. Meu trabalho de quadrinhos foi muito bom, fiz com muito prazer, mas esse meus trabalhos autorais, tem em sua composição, meus mais de 30 anos de experiência no mercado e as minhas impressões pessoais sobre os temas. Tenho a felicidade de ver os trabalhos. Procurem a AWA Studios na internet e tá tudo lá,
Falcão: Obrigado pelo tempo concedido, pelo carinho com o qual aborda seus seguidores e os admiradores de seu trabalho. Cuide bem de ‘Angel’ e de ‘Daniel’ (pets) e estamos torcendo pelo ‘Not All Robots’.
Mike Deodato: É isso aí. Abração.
O papo com Deodato, me fez pensar bastante em luto. Um protetor de animais, tutor, ou ‘mãe ou pai de pet’, já teve, que uma hora ou outra, ser confrontado com debates sobre eutanásia animal. Conversando com veterinários, eles relataram que, na grande maioria das vezes, em escalas muito discrepantes para ‘mais’, os donos de animais que passarão por eutanásia de seus animais, saem da sala, antes de começar a injetar a medicação. Os veterinários também relatam, que é muito comum, enquanto o tutor vai embora, e o medicamento começa a ser injetado, parecer que o pet está à procura do dono, na sala. Depoimentos como esse, também podem ser coletados na página de @aero_vet. Já a página @petforeverslz dá dicas, de como tutores que tiveram que se despedir de suas companhias peludinhas, podem fazer para, mais facilmente, conseguir superar essa dor.
A eutanásia é um assunto muito polêmico, sobretudo quando a prática é utilizada por governos, para controle populacional de cães e gatos, que não estão em situação crítica o bastante para se submeterem ao procedimento. Por outro lado, certas doenças, em animais domésticos, na posse de tutores particulares, entendem que certos animais, precisam passar pela eutanásia, para pararem de sofrer. O tema é muito polêmico e páginas no Instagram, como o @adotabrasil, se dispõem debater esses e outros pontos de vistas.
Eu acho que Deodato está certo. Não existem super heróis, com poderes, nos dias de hoje. Mas acho que todo cão, enxerga em seu tutor, um herói, a todo momento que regressa em casa. A cada abano do rabo do cachorro deve existir uma confirmação frasal equivalente a “[…] você é meu herói, você é meu herói, você é meu herói”. Diferente de gatos. Bom, pelo menos o meu. O meu gato deve achar que eu sou um vilão, sempre que ele mia para mim, porque o pratinho da ração dele só está 90% cheio. Talvez eu seja uma espécie de ‘malvado favorito’ para meu gato, na hora que atraso o sachê dele. De toda forma, considere: Você é um herói para seu pet, pois somos “[…] eternamente responsável por aquilo que” cativamos.
*As opiniões das colunas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews
Quem é Falcão Emmanuel?
Falcão Emmanuel é professor, paraibano e protetor dos animais.
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