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GUERRA NA UCRÂNIA

Homens fortes geram tempos difíceis

“Homens fortes geram tempos fáceis. Tempos fáceis geram homens fracos. Homens fracos geram tempos difíceis”. Será mesmo?

por Aniello Olinto Guimarães Greco Junior em 04/04/22 18:27

Protesto realizado contra a Guerra na Ucrânia na cidade de Halifax, no Canadá. Foto: Cody West (Unsplash)

Uma das reações comuns nos primeiros dias da invasão da Ucrânia por tropas russas, em especial entre apoiadores de Trump, foi a ideia de que a saída de Angela Merkel e a fraqueza de Biden teriam dado um sinal a Putin de que o Ocidente estaria fraco, incentivando o ataque. E que se os Estados Unidos e/ou a União Européia estivessem sob a tutela de líderes fortes, algo assim não teria acontecido.

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Há uma certa verdade nesta análise, mas apenas em um nível superficial e conjectural. Se olharmos com um distanciamento maior, o primeiro ponto a se questionar é que este confronto não começou em 2022, mas sim em 2014, com a tomada da Criméia, momento em que, em tese, o Ocidente tinha líderes “fortes”.

Sem dúvida as crises internas dos Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha, etc , foram um incentivo a Putin a retomar a iniciativa. Mas estas crises internas se devem não a fraquezas de líderes, mas a uma pandemia, e também ao excesso de força no debate democrático.

Citando apenas um exemplo, o ponto extremo da crise americana foi a Invasão do Capitólio. Não foi a fraqueza de um líder que enfraqueceu a maior potência militar do mundo, e sim o oposto: forças internas que esqueceram como dialogar. A escolha de um líder conciliador e “fraco” para combater Trump foi exatamente devido aos problemas de confiar em homens fortes e abrutalhados como líderes políticos.

Um ditado cada vez mais popular afirma que “Homens fortes geram tempos fáceis. Tempos fáceis geram homens fracos. Homens fracos geram tempos difíceis”. E por detrás deste ditado esta a ideia de que os “tempos fáceis” são construídos com base nos valores morais, no caráter, na retidão, no pulso firme e viril de líderes capazes de carregar a sociedade para a direção certa.

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Presidente da Rússia Vladimir Putin. Foto: Dimitro Sevastopol (Pixabay)

E os homens fracos, por não lidarem com problemas reais, acabariam por criar processos de vitimização e falsos dilemas, falsos conflitos. Notamos portanto que esse discurso é na verdade uma tentativa de varrer os problemas identitários como fraqueza e decadência moral. Algo como “seus avós lutaram contra nazistas, e agora você reclama de micro-agressões”.

Mas essa ideia não resiste nem mesmo a uma análise histórica rasteira. De fato, quando todos estão ocupados com o que comer ou se minha cidade será demolida por invasores, não perdemos muito tempo pensando sobre respeito a diferenças, felicidade, dignidade, etc. Mas isto não acontece por força, e sim por necessidade.

E os tempos extremos não nos torna melhores ou mais capazes. Pelo oposto. O faminto acuado e desesperado é exatamente a massa de manobra para homens “fortes” cativarem homens bons para cometerem suas atrocidades.

Se é para compararmos com a “geração de ouro” que lutou na Segunda Guerra, então temos que lembrar que os horrores da guerra surgiram exatamente por que as dificuldades da Primeira Guerra Mundial, a Gripe Espanhola e o Crack de 1929 alimentaram “homens fortes” como Mussolini, Hitler e Stalin. A ideia de líderes fortes que trarão com a força de seu caráter as nações para tempos gloriosos foi a causa de problemas ainda maiores.

Edifícios e carros destruídos após bombardeio em cidade ucraniana. Foto: Vladimir Koval

Indo ainda para um caminho ainda mais básico, por detrás desta ideia de “homens fracos geram tempos difíceis” está a defesa de que o homem só manifesta o seu melhor quando é reduzido ao extremo. Que a luta pela sobrevivência é a atividade realmente digna do humano. E não a arte, a filosofia, a diplomacia, a colaboração.

A ideia de que homens fortes criam tempos fáceis esconde uma pulsão pela morte. A afirmação do sofrimento como positivo, e da paz e da tranquilidade como um problema. É mais um sinal da necropolítica que infelizmente toma cada vez mais nosso imaginário.

Não precisamos de homens fortes. Precisamos de regras claras e bons consensos. De menos força, de mais diálogo. De menos virilidade.

Não é a toa que Putin, Trump, Bolsonaro e companhia sejam tão obcecados com a masculinidade como instrumento político. E o resultado está ai. Tempos realmente difíceis.

*As opiniões das colunas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews

Quem é Aniello Olinto Guimarães Greco Junior?

Servidor público concursado do Tribunal Superior do Trabalho, Aniello Greco passou tempo demais na universidade, sem obter diploma. Já fingiu ser jogador de xadrez, de poker, crítico de cinema, sommelier de cerveja. Sabe de quase tudo um pouco, e quase tudo mal.


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