O leitor talvez não saiba, mas se tornou um Titular de Dados. A lei é a 13.709 de 2018 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais
por Marcelo Leite em 05/08/21 17:51
Verdade que agora todo site e aplicativo te pede biscoito? Pois deixe explicar: antes eles simplesmente tomavam de você. A expressão vai nessa direção porque na maioria das vezes é o seu computador ou celular quem manda para lá os famigerados cookies, quando você tem que clicar que concorda que sabe que existem e sejam utilizados para melhorar sua navegação. “Sua privacidade é muito importante…” Se tudo isso são verdades, essa última frase é a mais digna de nota delas.
O leitor talvez não saiba, mas se tornou um Titular de Dados. A lei é a 13.709 de 2018 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, e fala de privacidade. Garantir à pessoa natural o seu direito à privacidade não é algo novo. O conceito foi fundado na Convenção Europeia de Direitos Humanos, em 1950, como a proteção do direito à “vida privada e familiar, seu domicílio e sua correspondência”, não sem motivo no pós-guerra.
O processamento de dados pessoais em massa fora usado contra o indivíduo, na forma de uma eficiente máquina de censo populacional nazista. Quando era diretor de pesquisa da American Jewish Historical Society, o escritor Abraham Peck comentara que “a destruição da vida de seis milhões de judeus e de uma quantidade incontável de não judeus não teria sido possível sem as máquinas Hollerith da IBM.” Sim, a holerite que se popularizou o trabalhador chamar seu contracheque descende diretamente daquele equipamento eletromecânico para contagens e tabulações estatísticas, com cartões perfurados.
Não é um salto gigantesco pensar na computação moderna, depois de falar da IBM, mas e os biscoitos? Ninguém está vindo perseguir você através deles, então a gente pode voltar a um detalhe que pode parecer anacrônico, quando da Europa definindo privacidade: sua correspondência. Cartas? Sim. Mas também no sentido mais amplo, tudo aquilo que possa ser identificado de volta a você, titular, lhe corresponde. Desta forma, a exata definição de privacidade de 1950 foi incorporada no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados da União Europeia, palavra a palavra, em 2016.
O que cabe é comentar a abrangência deste conceito de dados pessoais adotado. Se a informação pode levar à identificação de uma pessoa natural, esteja você pedindo a ela seu endereço IP navegando a web ou anotando uma placa de carro, até mesmo solicitando seu CPF para descontos naquela ou em novas compras, toma guarda de um dado pessoal. E agora precisa pensar, deste ponto, a necessidade de tê-lo feito, os usos corretos desta informação e o tempo pelo qual ela será necessária.
Não há motivos para temer cookies, muitos são operacionais e simplesmente garantem que, por exemplo, ao visitar o site de uma loja o que você colocar no carrinho está lá lhe esperando fechar sua compra. Ou o que é menos operacional, como aquele vendedor lembrando o que o comprador gosta e sugerindo mais daquilo ou similares, quando voltar. Ou aquele e-mail dizendo “você deixou algo no carrinho, volta aqui!” Ou aquele outro e-mail dizendo “você que foi naquela loja lá, que tal um cartão pré-aprovado?” Ou aquela ligação de um número desconhecido no dia seguinte. Pois é. Quando se vai além do meramente operacional é que talvez o biscoito dado não seja muito confortável.
A grande maioria das vezes que houver esse tipo de acesso a dados pessoais, as devidas transações correrão como esperado, contratos seguirão seus rumos e o titular realmente não será incomodado após ceder ao pedido – em troca de facilidade de uso, por exemplo. Mas e quando um aplicativo ofertando pagamentos com descontos vende seus dados a uma instituição bancária que abre uma conta corrente, sem nunca haver lhe informado? Não há justa finalidade, se em inúmeros outros aplicativos você sempre usou seu cartão de crédito e comandou pagamentos sem inchar a carteira de clientes de banco algum. E conhecer um pouco mais seus direitos ajuda a entender, por exemplo, que o aceite de “fornecer seus dados a terceiros” jamais poderia estar contido na mesma caixinha de marcação do aceite de dados para uso do aplicativo em sua finalidade principal.
Em maio de 2020, o Supremo Tribunal Federal em julgamento relativo à Medida Provisória 954 foi já categórico em pôr-se em defesa da Privacidade de Dados, impedindo que empresas de telecomunicação devessem repassar ao IBGE a relação de dados pessoais de usuários. Em seu voto, o ministro Ricardo Lewandowski esclareceu:
“O maior perigo para a democracia nos dias atuais não é mais representado por golpes de Estado tradicionais, perpetrados com fuzis, tanques ou canhões, mas agora pelo progressivo controle da vida privada dos cidadãos, levado a efeito por governos de distintos matizes ideológicos, mediante a coleta maciça e indiscriminada de informações pessoais[…]”
Quanta informação identificável sobre você é dada todo o tempo e não tem relação com o “Aviso de Cookies” do aplicativo ou navegador? A ficha preenchida no hospital, no banco, no RH da empresa onde trabalha? Os muitos formulários online? Os dados pedidos em ligações gravadas “para sua segurança”. Não é sobre a pergunta já repetitiva, em toda página que você acesse, mas principalmente sobre o seu direito de se proteger de situações de constrangimento ou mesmo abuso do consenso fornecido para o uso e processamento de suas informações.
Com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, você se tornou titular, dono de tudo o que é e comunica sobre si mesmo. Arrisca suas redes sociais saberem melhor até o quão abrangente é isso. Algoritmos pensando você enquanto comem seus cookies, é seu direito ser informado da finalidade, sempre. A proteção de dados pessoais é também defesa da personalidade.
Marcelo Leite é bacharel em Ciências Econômicas e Encarregado de Proteção de Dados membro do comitê de segurança da Associação Nacional de Profissionais de Privacidade de Dados.
* As opiniões das colunas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews
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