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POLÍTICA

O Fetiche da Maçonaria

A sugerida ligação de Bolsonaro com a tradição que data do século XV não é uma estratégia aleatória de comunicação

por Karen Gimenez em 13/01/23 10:52

Ex-presidente Jair Bolsonaro em discurso (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Dada a largada da campanha eleitoral para o segundo turno federal e em alguns estados, além da dança das cadeiras habitual em relação aos apoios, um dos destaques das redes sociais é a suposta adesão do presidente e candidato Jair Bolsonaro (PL) à Maçonaria. A sugerida ligação de Bolsonaro com a tradição que data do século XV não é uma estratégia aleatória de comunicação.

Se vai dar certo ou não no resultado das urnas é difícil dizer e não é o foco desta reflexão. A proposta aqui é analisar por que diante de tantos temas ligados à pandemia, compra de imóveis, orçamento secreto e afins que poderiam ser utilizados como tentativa de virar voto no segundo turno, foi escolhida a Maçonaria.

Quem explica é Umberto Eco, o popularmente conhecido autor do romance “O Nome da Rosa” e um dos maiores estudiosos das teorias da conspiração de toda a Europa. Para Eco, um dos principais nutrientes de uma teoria da conspiração é o segredo, principalmente aquele segredo que nunca é totalmente revelado, mas que vez por outra dá sinal da sua existência e, que some tão rapidamente quanto aparece. É aquela moça supostamente envergonhada que, na busca de atrair um parceiro sexual, deixa levemente o decote mostrar um pouco mais do que deveria, mas rapidamente se ocupa de cobrir o que não poderia ter sido revelado. E, com isso, deixa o tal parceiro almejado ainda mais curioso e excitado.

Eco coloca esse poder de atração do segredo dentro de um conceito que ele denomina de semiose hermética. Mas vamos deixar os termos técnicos para lá e nos concentrar no que mais interessa. Por que a Maçonaria pode trazer impacto? Pelas suas características de ser uma sociedade fechada e de ter seu nome associado a acontecimentos históricos que envolvem poder, como a Revolução Francesa e a Independência dos Estados Unidos.

A combinação entre mistério e poder forma um caldo perfeito para conduzir as teorias da conspiração. Ainda mais quando embrulhadas em uma teia ambígua de sinais que ligariam o mundo real ao espiritual. Essa, inclusive é a receita para o roteiro de muitos best sellers da literatura e de filmes de grande bilheteria.

A tradição de ser uma sociedade fechada e poderosa gera a sensação de medo. O que pode acontecer lá que ninguém pode saber? Se ninguém pode saber deve ser algo perigoso e possivelmente maligno. Em uma comparação simplista, despertaria o mesmo sentimento de curiosidade e receio que aquele vizinho que mora sozinho, praticamente não fala com ninguém e não recebe visitas. Transformar esse vizinho que pode ser apenas alguém que gosta de privacidade em um perigo para a rua toda pode ser feito praticamente em um passe de mágica.
Daí o fato de a Maçonaria ser alimento para tantas teorias da conspiração.

Não podemos minimizar a importância secular que ela tem na sociedade, mas no caso atual, é muito mais uma questão de imagem. Os terraplanistas, por exemplo, acreditam que a Maçonaria estaria mancomunada com a Nasa, com Barak Obama e Hillary Clinton para dominar o mundo. Esse é só um exemplo de diversas outras teorias da conspiração ligadas a um suposto domínio maléfico da sociedade que colocam a Maçonaria como protagonista. Poderia ser a Maçonaria ou qualquer outro grupo que no imaginário coletivo tivesse sua imagem relacionada a segredo e poder.

Ainda mais quando temperada por uma pitada de suposta ameaça espiritual. Poderia ser o Governo da China, os Extraterrestres, qualquer um. A questão aqui não é o protagonista, mas o conjunto de elementos que ele representa. E a Maçonaria se tornou a bola da vez, talvez até por ter sido mais fácil encontrar imagens de Bolsonaro nesse ambiente do que conversando com Xi Jinping em uma sala fechada em uma reunião fora da agenda oficial, por exemplo.

Vou concluir com algumas frases de Eco em relação ao poder do segredo, do mistério, descrito em seu livro “Os limites da interpretação”: … “O segredo confere a quem o possui uma posição de exceção e opera como uma forma de atração determinada por puras razões sociais…. (A importância do segredo) é fundamentalmente independente de seu conteúdo, mas será, certamente, tanto mais eficaz quanto mais vasta e significativa for a sua posse exclusiva… Do segredo, (aquele) que envolve em sombra tudo o que é profundo e significativo, nasce o erro típico de considerarmos como importante e essencial tudo o que for misterioso” (Umberto Eco).

Karen Gimenez é mestre em Comunicação, jornalista com pós-graduação em Estratégia Empresarial e geógrafa. É professora de pós-graduação da Universidade Paulista, pesquisadora associada do Núcleo de Apoio à Cultura e Extensão – Escola do Futuro da Universidade de São Paulo; facilitadora convidada do Sebrae-SP e consultora em Comunicação, Gerenciamento de Crises e Programas de Desenvolvimento. Ativista na luta contra a desinformação, mantém dois perfis nas redes sociais orientando como não cair em fake news ou teorias da conspiração (instagram @ecos.conspiratorios e twitter @conspiratorios) O conteúdo deste artigo é de cunho pessoal e não representa qualquer posicionamento das instituições para as quais a autora trabalha.

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