Mudando um pouco de assunto: hoje conto histórias do meu convívio com a música sertaneja, a mais tocada no país.
Em 11/12/23 21:36
por Balaio do Kotscho
Ricardo Kotscho, 75, paulistano e são-paulino, é jornalista desde 1964, tem duas filhas, 5 netos e 19 livros publicados. Já trabalhou em praticamente todos os principais veículos de mídia impressa e eletrônica. Foi Secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República (2003-2004). Entre outras premiações, foi um dos cinco jornalistas brasileiros contemplados com o Troféu Especial de Direitos Humanos da ONU, em 2008, ano em que começou a publicar o blog Balaio do Kotscho, onde escreve sobre a cena política, esportes, cultura e histórias do cotidiano
Março de 2010.
Vi no jornal o anúncio do show de Roberto Carlos com os cantores sertanejos em comemoração aos 50 anos de carreira do Rei. Na hora, me lembrei que naquele ano Tinoco (da lendária dupla com Tinoco, já falecido, completava 75 anos de carreira e 90 de idade, e resolvi dar a dica ao meu amigo Luis Erlanger, então diretor da Globo. Já pensou os dois juntos no mesmo palco comemorando 125 anos de música popular brasileira?
No mesmo dia, Erlanger entrou em contato com o Dody Sirena, empresário de Roberto Carlos, que adorou a ideia, e pediu ao seu maestro, Eduardo Lage, para convidar Tinoco. Xororó, da dupla com Chitãozinho, também deu a maior força.
Afinal, para quem não sabe, é bom lembrar que Tonico e Tinoco formavam a pioneira e a nossa mais longeva dupla musical. Com suas mais de 1 mil gravações, 83 discos, 60 CDs e mais de 150 milhões de copias vendidas _ um recorde que até aquele dia não foi batido nem por Roberto Carlos, foram eles que abriram o caminho para a música sertaneja.
Deu tudo certo. Roberto teve o descuido de entregar o microfone a Tinoco, que não parou mais de falar e cantar, para delírio do público que lotava o ginásio. E dele também… Muitos ali viam Tinoco ao vivo pela primeira vez. Ao final, todos os cantores voltaram ao palco para cantar “Eu quero ter um milhão de amigos”, um grande sucesso do Rei.
“Amigos”: esse foi o nome dado pela Globo, 20 anos atrás, ao especial de final de ano com Leonardo, Chitãozinho & Xororó, Zezé de Camargo & Luciano. Para comemorar a data, eles se reuniram novamente este ano para uma turnê que termina no próximo domingo, outra vez no Allianz Parque. Foi lá, dias atrás, que eles gravaram também o especial de fim de ano da Globo, que será exibido hoje à noite.
Lembrei-me dessas histórias ao ler o belo texto “É mentira que sertanejos só cantam aos berros”, publicado hoje na Folha, do grande repórter José Hamilton Ribeiro, o maior de todos, autor do antológico livro “Música Caipira _ as 270 Maiores Modas”.
Quando Tonico e Tinoco subiram ao palco pela primeira vez, no dia 15 de agosto de 1935, na Festa da Aparecidinha, em São Manuel, no interior paulista, onde eles nasceram, música caipira era chamada de moda de viola.
Virou moderna música sertaneja quando Chitãozinho e Xororó lançaram o primeiro grande sucesso, “Fio de Cabelo”, com novos arranjos e instrumentos, no início dos anos 80, numa excursão em “ônibus próprio”, que eu acompanhei, viajando pelo sul do país, em que lotavam ginásios esportivos de fãs ensandecidas, fazendo lembrar o velho Teatro Record, dos tempos da “Jovem Guarda”, de Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Vanderléia.
Meu velho amigo Zuenir Ventura, editor do famoso caderno “B”, do falecido Jornal do Brasil em papel, não queria nem saber dessa história de música caipira num espaço tão nobre. Mas a reportagem acabou saindo na capa do caderno e, tempos depois, Chitãozinho & Xororó estavam se apresentando no Canecão, templo da MPB, para desgosto do Zuenir.
A mesma coisa aconteceu quando fui propor uma reportagem sobre os 50 anos da dupla Tonico e Tinoco para os editores da Ilustrada, quando trabalhava na Folha. Tive que falar até com seu Frias, o dono do jornal, outro velho amigo, que sabia da importância da dupla para a música brasileira. Saiu uma página inteira contando a história.
Música caipira ou sertaneja nunca foi bem vista nas grandes redações de jornal. Em todas elas por onde passei, os colegas me repassavam os discos que ganhavam das gravadoras, e minhas filhas já não aguentavam mais ouvir essas músicas nos fins de semana no nosso sitio.
Mas quando foi fazer o roteiro do filme “Dois Filhos de Francisco”, sobre a vida da família de Zezé de Camargo e Luciano, minha filha caçula, a Carolina, se lembrou deles, e passou dias ouvindo esses velhos discos ou fitas cassete, escolhendo músicas para a trilha sonora. O filme já foi exibido incontáveis vezes pela Globo, que no princípio também resistia a abrir espaço para esse gênero, que conquistaria os centros urbanos e hoje é o mais ouvido no país.
Para quem se interessar pelo assunto, recomendo a reportagem “Aprenderam a dizer adeus”, de Pedro Martins, sobre o show “Amigos”, publicada hoje na capa da Ilustrada, sem provocar nenhum alvoroço na redação. São outros tempos…
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