Controladoria-Geral da União impõe “mordaça” a professor da UFPel em troca da suspensão do processo
por Vitor Hugo Gonçalves em 04/03/21 18:00
Pautada pela representação do deputado federal Bibo Nunes (PSL-RS), a Controladoria-Geral da União (CGU) instaurou um processo contra dois professores universitários por críticas ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Requisitados a dar esclarecimentos sobre as falas, os docentes da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) optaram por assinar um termo de ajustamento de conduta (TAC), firmado em casos de infração disciplinar de menor potencial ofensivo.
Ao lado do professor Eraldo dos Santos Pinheiro, pró-reitor de Extensão e Cultura da Ufpel, Pedro Hallal, ex-reitor da instituição gaúcha, foi um dos alvos da ação judiciária. Crítico da gestão Bolsonaro frente à pandemia de covid-19, Hallal teve que se comprometer a não repetir o ato pelos próximos dois anos.
Na terça-feira (2), trechos do TAC foram publicados no Diário Oficial da União (DOU) e apontam que os professores proferiram, em janeiro, “manifestação desrespeitosa e de desapreço direcionada ao Presidente da República”. O documento é baseado em parte da lei 8.112, que desautoriza expressamente o funcionário público de “promover manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição” – os pronunciamentos foram feitos em canais digitais da universidade, caracterizados pela CGU como “local de trabalho”.
Em entrevista ao Almoço do MyNews, questionado sobre sua posição, Hallal afirmou que não tem o que justificar, uma vez que aqueles que devem qualquer tipo de satisfação são os próprios denunciantes.
“Em um pronunciamento, ainda quando era reitor da UFPel, fiz críticas ao Governo Federal e à figura do presidente da República… e, então, foi aberto um processo contra mim, arquivado semana passada com a assinatura do termo de ajustamento de conduta – foi uma decisão minha assinar esse termo, e isso deve ficar muito nítido, pois eu poderia deixar o processo tramitar, mas, devido ao momento que estamos vivendo, achei mais prudente o arquivamento por meio da assinatura, o que não implica em assumir a responsabilidade”, explicou.
“A questão central desse assunto não é processual e sim política. Eu me lembro dos meus pais contando de uma época em que não se podia falar mal do governo, e infelizmente parece que algumas pessoas estão tentando retomar esse momento triste da história brasileira. Processualmente, a assinatura do TAC arquivou, encerrou, o caso, mas a gente sabe que nem tudo é apenas uma questão administrativa, tendo também o envolvimento da questão política”, complementou o ex-reitor.
Belisário dos Santos Júnior, advogado e ex-secretário de Justiça do estado de São Paulo, caracterizou a ação como uma verdadeira restrição dos direitos democráticos delegados a Hallal, sobretudo na prática do ofício acadêmico.
“Isso é censura. Dizer que uma pessoa, em um espaço de tempo, não pode criticar o presidente da República é censura evidente. No Brasil, a liberdade de expressão é uma garantia constitucional, um dos pilares do Estado de direito; o que pode ocorrer é a responsabilização a posteriori, ou seja, há uma responsabilidade sobre aquilo que foi falado”, ponderou Santos Júnior.
O advogado ressaltou a autonomia da esfera universitária, alicerçada sobre o princípio da liberdade de cátedra, a qual assegura a soberania de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, garantindo, assim, a pluralidade de entendimentos e a emancipação didática-científica.
“Temos o direto de criticar. Há um quê de intimidação claro nessa assinatura; inclusive, em alguns lugares, a legislação carrega um resquício de autoritarismo, e isso não pode persistir – imagina pedir a um professor universitário para que não se fale coisas desabonadoras… Fale o que quiser, depois as instâncias judiciais decidem sobre o ato”, concluiu o ex-secretário.
Hallal entende que seja “muito provável que esse caso suba para o Supremo Tribunal Federal e ele considere nulo esse termo de ajustamento de conduta pelos motivos jurídicos que foram explicitados”. Para ele, a configuração do processo como um ato de censura representa uma tentativa de repressão malsucedida, tendo em vista que ele seguirá manifestando opiniões científicas e acadêmicas “sobre qualquer tema relevante”.
O professor ainda se questiona: “será que fui processado por algum outro motivo? Talvez pelas minhas posições sobre a pandemia, por ter mostrado ao Brasil que três de cada quatro mortes por coronavírus no país não teriam acontecido se não fossemos um fracasso absoluto no enfrentamento…”.
Remontando contextos históricos, atuais e do passado, Hallal finaliza o pensamento: “Tem uma frase que resume esse atual momento, um ditado fortíssimo que os alemães usam: ‘se há dez pessoas numa mesa, um nazista chega e se senta e nenhuma pessoa se levanta, então existem onze nazistas numa mesa’. A questão central, hoje, é que não dá mais para tolerar o que está acontecendo no Brasil. Dessa vez foi comigo, mas vai chegar a vez da imprensa, dos advogados… todas as vezes vão chegar; então a questão é quando vamos estancar esse sangramento e recuperar esse Estado democrático de direto que o Brasil, com tanto custo, conquistou”.
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