A negação da governança democrática, compreendida pelo diálogo e respeito à diferença, mostra apenas a enorme necessidade da boa e velha arte política
por Creomar de Souza em 17/06/21 09:01
O Brasil não é para amadores. Certamente, você já leu ou ouviu esta frase em algum momento de sua vida. A ideia de que o país é complexo e exige enorme jogo de cintura e resiliência não é nova, porém, os últimos tempos tem sido desafiadores. Desafios novos, tais como a ressurgência da inflação e a pandemia, somam-se à persistência da desigualdade, violência urbana e incapacidade de fornecer educação universal de qualidade para as nossas crianças.
E se a solução ou a busca por solução de cada um desses desafios passa pela política, é possível dizer que a própria tem encontrado dificuldades para sobreviver em tempos tão paradoxais, quanto exóticos. Nossa sociedade gestou a ideia de que a política deveria ser criminalizada, e este movimento até aqui cumpriu seu intento. E como resultado, proliferou a crença falaciosa de que é possível gerir a coisa pública de forma eficaz sem ouvir aqueles para os quais as políticas públicas devem ser direcionadas. O resultado é a proliferação de um ambiente de hostilidade em que brasileiros creem estar em guerra uns contra os outros.
E se a sensação é de guerra, os heróis de ontem tornam-se rapidamente vilões da turba. Tome-se como exemplo a trajetória de Wilson Witzel, construído imageticamente para dar fluidez à lógica de que existiam respostas fáceis para perguntas complexas. Sua ascensão e queda são uma alegoria perfeita do quão “Gattopardesco” o Brasil é. Se quando governador Witzel era um entusiasta da truculência, sua versão sem mandato na CPI da Pandemia se travestiu de defensor da democracia. A mudança de discurso é proporcional ao próprio ostracismo, mas não deixa de dar lições do espaço crítico em que o debate público se encontra.
Explico: a lógica eleitoral impõe desafios e oportunidades àqueles que pleiteiam cargos públicos. Dentre os desafios, o maior deles é compreender o humor do eleitorado e a partir daí construir uma estratégia de fala que conquiste corações e mentes. Já, dentre as oportunidades, a maior é fazer bom uso do poder relacional e institucional obtido pela vitória eleitoral. O ano de 2018 foi o momento em que parte considerável dos cidadãos estava em franco divórcio da representação. O litígio se dava, sobremaneira, pela sensação de traição derivada dos escândalos de corrupção e da sensação de que os atores institucionais não se importavam com o destino dos cidadãos comuns.
A raiva e o rancor que cresceram no peito de parte considerável dos eleitores viraram uma oportunidade para uma série de candidatos. Estes, por sua vez, receberam o enorme desafio de desconstrução de equívocos e direcionamento de novos rumos. E se a primeira parte da tarefa, o exercício de destruição “criativa” é feito com alguma facilidade, a substituição daquilo que não agradava por algo novo parece ser algo muito mais difícil. Ao contrário, até aqui, tirados movimentos histriônicos em redes sociais de ocasião, a nova política e os novos políticos, com raríssimas exceções, não possuem entregas dignas de nota.
E aqui reside a possibilidade de responder ao questionamento do título, até o presente momento a negação da política democrática, vista como arte do diálogo e respeito à diferença, mostra apenas a enorme necessidade destes atributos como meios de solução das crises que se abatem sobre nós. Diante do abismo que a prevalência da ignorância coloca diante de nós, o maior legado possível que podemos dar a nós mesmos é a reconstrução de pontes de diálogo que efetivamente permitam o respeito à diferença e a liberdade de escolhas. A grande lição da antipolítica até aqui é que precisamos e muito da boa e velha arte da política democrática para atravessarmos a tempestade em que nos encontramos.
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