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Creomar de Souza

Quem manda?

Refletir acerca do poder e de suas atribuições é um desafio que se coloca para a Ciência Política e para a literatura. Usando João Ubaldo Ribeiro como referência, buscamos responder quem manda no governo Bolsonaro pós-reforma ministerial

por Creomar de Souza em 29/07/21 14:57

Quem manda, por que manda, como manda é uma obra do romancista João Ubaldo Ribeiro. O título expressa de maneira consciente os desafios de compreensão das relações de mando na mais intensa das atividades humanas, o relacionamento político. E se em largo escopo, a política já é por si desafiante, quando colocamos a lupa sobre um horizonte confuso e polarizado como o brasileiro, tal tarefa se torna ainda mais dramática.

Ao mesmo tempo que se faz a devida deferência ao autor, este texto se esforça em compreender uma característica marcante da Presidência da República em tempos modernos. A necessidade da repetição frequente de expressões que remetam à posse de poder político pelo Chefe do Executivo. Do exercício de marketing simbólico que se remete à posse da caneta, ao uso de termos menos elegantes, tornou-se lugar comum a evocação do mantra de que o poder é exercido de maneira exclusiva pelo presidente. Contudo, uma observação em perspectiva dos últimos movimentos políticos da capital permite a internalização de componentes distintos desta lógica ao longo do tempo.

Bolsonaro colocando em evidência sua caneta, marketing simbólico do poder.
Bolsonaro colocando em evidência sua caneta, marketing simbólico do poder. Foto: Marcos Corrêa (PR)

Se em 2019 víamos um presidente endossado por uma vitória eleitoral, bastante reticente em fazer concessões aos grupos políticos tradicionais, 2021 coloca uma nova dinâmica em jogo. A chegada do senador Ciro Nogueira (PP-PI) à Casa Civil endossa não apenas um renascimento do presidencialismo de coalizão, mas coloca de súbito o poder nas mãos do Centrão. Em uma digressão de um grito de guerra muito popular em outros tempos, é possível dizer: “Todo poder aos políticos profissionais”.

Este giro pragmático de Bolsonaro é a prova cabal que política não é espaço para amadores. Se os teóricos da conspiração, negacionistas e ideólogos do caos foram bastante úteis ao presidente em sua marcha em direção ao Planalto, fica público e notório a cada giro do relógio, que a capacidade de entrega de resultados destes, inversamente proporcional à capacidade de produzir sofismas, é a maior responsável pela colocação do governo em uma situação de degradação de popularidade bastante aguda.

A chegada de Ciro Nogueira, portanto, constrói uma espécie de triunvirato político em que o novo Chefe da Casa Civil se une ao Presidente da Câmara dos Deputados e ao Ministro das Comunicações no esforço de dar governabilidade a um governo que perde tempo precioso em questões bizantinas. O fato é que diante da tragédia humanitária que envolve o país em uma tempestade perfeita – pandemia, desemprego e fome em larga escala – o Palácio do Planalto precisa reagir rapidamente para que Bolsonaro seja minimamente competitivo em 2022.

E a reflexão sobre competitividade leva necessariamente à pergunta inicial deste texto: Quem manda? Uma resposta óbvia a este questionamento está na observação da regra constitucional, onde fica claro que a Chefia do Executivo está a cargo do presidente da República. Contudo, ao observarmos os desdobramentos da história da República Constitucional de 1988 é perceptível a construção de um padrão em que, quando maior a capacidade do mandatário de distribuir poder, maiores são suas chances de sobrevivência.

Bolsonaro, político profissional eleito sob a promessa de refundar o sistema, até aqui não conseguiu de fato construir uma lógica de governo que reinventasse a roda. Ao contrário, aparte os arroubos autoritários, que vocalizam entre os fiéis de uma causa irrealizada, o governo se esforça desde algum tempo em distribuir poder sem colocar aliados indesejados na primeira fila das fotografias oficiais. E se esta tática funcionou até o início de 2020, a pandemia e a degradação da lógica de governança baseada em confronto, faz com que a realidade assuma função de um rolo compressor que obriga Bolsonaro a fazer concessões para sobreviver.

Ciro Nogueira é, portanto, o mais recente capítulo do esforço dos aliados sistêmicos do presidente de convencê-lo da necessidade de mudança. Dará certo? Difícil dizer. O fato é que o movimento não deixa de guardar semelhanças com o esforço do governo Dilma em contar com um articulador hábil com o objetivo de impedir uma tragédia. A diferença está no fato que Ciro Nogueira possui mandato no Senado Federal até 2027 e, caso Bolsonaro assuma uma postura de fogo amigo, o futuro Chefe da Casa Civil pode simplesmente recuar e reencontrar pouso seguro no Senado.

O elemento central é saber se Bolsonaro conseguirá partilhar responsabilidades com outros atores diante de uma necessidade urgente, a de ser competitivo eleitoralmente. Neste caminho, o sonho acalentado pelo presidente de ser candidato pelo Partido Progressista, depende da forma como seus novos camaradas irão interpretar sua predisposição ao diálogo em comparação ao afeto anterior pela truculência. O Presidente pragmático terá que vencer o personagem de internet a fim de conseguir aquilo que mais deseja, manter a posse da caneta.


Leia também – A política, a linguagem e o vício de conduta

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