O objetivo do Hamas, conforme seu estatuto, é implantar, na região que hoje abarca Israel, Gaza e Cisjordânia, um estado islâmico, regido pela sharia
por Fernando K. Lottenberg em 17/05/21 16:48
O atual conflito entre Israel e o Hamas tem suas raízes em um fato: a recusa dessa organização político-militar-religiosa, que tem sua origem na Irmandade Muçulmana, a reconhecer o direito de existir um Estado judeu, em qualquer parte do território que vai do Mediterrâneo ao Rio Jordão. O objetivo do Hamas, conforme seu estatuto, é implantar, na região que hoje abarca Israel, Gaza e Cisjordânia, um estado islâmico, regido pela sharia.
Faz sentido, portanto, que o Hamas busque acender e avivar tensões políticas e religiosas, transformando-as em conflito. Um complicado processo judicial, no qual se discute restituição de propriedades em Jerusalém após conflitos armados, aliado a distúrbios na Esplanada das Mesquitas/Monte do Templo, permitiu a lideranças fundamentalistas brandir a surrada tese de que “Al-Aqsa está em risco”, um slogan tão antigo quanto falso.
O período de soberania israelense sobre Jerusalém, há 54 anos, tem sido o momento de maior liberdade religiosa ali, no último século e meio. Apenas para registrar, de 1948 a 1967, sob controle jordaniano, os judeus foram simplesmente proibidos de entrar na Cidade Velha e orar no Muro das Lamentações. Desde a Guerra dos Seis Dias, Jerusalém tornou-se um exemplo de lugar onde vigora a liberdade de culto, para judeus, cristãos e muçulmanos. As mesquitas, aliás, continuam sob controle do Waqf, uma organização islâmica jordaniana, em razão de um acordo feito em 1967 e revalidado em 1994, nos acordos de paz entre Israel e Jordânia.
Mas logo o conflito ampliou-se quando o Hamas, a pretexto de apoiar manifestantes árabes em Jerusalém, passou a lançar foguetes de Gaza – de onde Israel se retirou em 2005 – sobre a população civil israelense. É curioso notar que, quando Israel ataca alvos militares ligados ao Hamas e às demais organizações militares palestinas, é acusado de estar bombardeando civis. Já quando grupos armados palestinos lançam foguetes sobre a população civil em Israel, essa crítica não aparece. Outro argumento comum é o da “desproporcionalidade”. Seria o caso de se perguntar: quantas vítimas israelenses seriam necessárias para que o conflito se tornasse “proporcional”?
Será preciso esperar para saber o desfecho da rodada de beligerância. O conflito se espraiou para dentro do território israelense, jogando cidadãos árabes e judeus uns contra os outros, em cenas de extremismo e violência inéditas. Uma coisa é certa: o atual conflito minou seriamente a possibilidade de se formar em Israel uma coalizão de partidos que vão da direita à esquerda, com o apoio de partidos de maioria árabe, algo inédito e que vinha sendo ensaiado desde que a última eleição, a quarta em dois anos, terminou novamente em impasse. Um resultado prático, portanto, da atual refrega, poderá ser a instauração de um governo nacionalista-religioso mais radical em Israel. Os extremos se ajudam, com o perdão pelo clichê.
Outro objetivo do Hamas e das demais organizações armadas palestinas, que funcionam como longa manus do regime iraniano, é enfraquecer o processo de reconhecimento de Israel por parte de países árabes e islâmicos, notadamente do Golfo e do Norte da África. Aqui também será necessário acompanhar de perto para saber se haverá consequências nesse terreno.
E um detalhe: as eleições palestinas, que há quinze anos não aconteciam e estavam marcadas para agora, foram adiadas pela Autoridade Palestina, comandada pelo Fatah – rival do Hamas. A exibição de disposição para enfrentar Israel e fazer uma conexão entre Gaza e Jerusalém é também uma carta que o Hamas lança à mesa para reforçar seu cacife, neste momento de impasse político, formando uma tempestade perfeita.
Fernando K. Lottenberg é advogado, membro e ex-presidente da Confederação Israelita do Brasil (CONIB).
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