“Dados não deixam dúvida de que o Brasil ocupa o pódio entre as estruturas tributárias mais regressivas do mundo”
por Luiz Gonzaga Belluzzo em 24/01/21 14:40
No início de 2020, reunidos em Davos no Fórum Econômico Mundial, os bacanas do planeta prometeram enfrentar os riscos do aquecimento global e abandonar a sanha de maximização dos ganhos dos acionistas. O propósito da mudança de rumos é contemplar os interesses de trabalhadores, clientes e fornecedores.
Os céticos de plantão torceram o nariz. Não foram poucos os que acusaram os endinheirados de hipocrisia. Economistas ou especialistas que se autointitulam portadores da ciência e da racionalidade prorromperam em invectivas. Desceram a guasca nos defensores das políticas de redução da desigualdade. Os ataques foram mais duros contra as sugestões de políticos progressistas que recomendam a taxação da riqueza.
Entre os paladinos da “boa ciência econômica” não poderia estar ausente um representante da Escola de Chicago, o tabernáculo da Razão Mercadista. O economista John Cochrane, por exemplo, ensina aos descuidados que o valor da “riqueza” é medido como “renda capitalizada”, Y/r. Também aprendemos, diz ele, que o aumento da desigualdade de riqueza foi determinado pela queda das taxas de juro. As taxas de juro caíram e os preços dos ativos subiram. Se r cai, Y/r sobe, mas é o mesmo Y. Arrebatadora sabedoria.
Cochrane argumenta que os cálculos ampliam a desigualdade quando ignoram impostos e transferências. Seria um argumento aceitável se a carga tributária, com critérios de progressividade, abrigasse a participação relevante dos impostos sobre o patrimônio mobiliário e imobiliário. A tabela abaixo revela que essa participação é modesta, à exceção dos países nórdicos. O Brasil está na rabeira.
Cochrane argumenta que os cálculos ampliam a desigualdade quando ignoram impostos e transferências. Seria um argumento aceitável se a carga tributária, com critérios de progressividade, abrigasse a participação relevante dos impostos sobre o patrimônio mobiliário e imobiliário. A tabela abaixo revela que essa participação é modesta, à exceção dos países nórdicos. O Brasil está na rabeira.
Cochrane não se comove e lança uma pergunta desafiadora: “Por que nos preocuparmos com a desigualdade da riqueza pré-tributária, especialmente se a maior parte da riqueza é reinvestida em empresas que produzem coisas e empregam?
Seria bom se fosse verdade. O nobelizado Joseph Stigliz discorda: “A riqueza originada da apropriação rentista, que vou chamar de renda-riqueza, constrange e expulsa a formação de capital (produtivo). A fraqueza da formação de capital no período recente está relacionada com o crescimento do rentismo da renda-riqueza, o que levou à estagnação econômica. Ainda mais grave, o poder de mercado foi utilizado para prejudicar a inovação: há evidência de um declínio acentuado no ritmo de criação de novas firmas inovadoras”.
Nos últimos 40 anos, os bancos centrais comemoravam a baixa inflação e as taxas de juro moderadas. Imperceptível para as hipóteses e testes empíricos dos cientistas da sociedade, a bolha financeira esgueirou-se à sombra das ignorâncias para implodir as certezas dos sabichões dos mercados em 2008. A partir de então, os riscos de ulteriores desvalorizações dos estoques da riqueza existente transformaram-se na ocupação primordial dos bancos centrais.
As injeções de liquidez concebidas para evitar a desvalorização do estoque de ativos acumulados tornaram os juros reais negativos e incitaram a valorização da riqueza na sua forma mais estéril, abstrata, que, em contraposição à aquisição de máquinas e equipamentos, não carrega promessas de geração de novo valor, de emprego e renda para os trabalhadores. O que era uma forma de evitar a destruição da riqueza abstrata provocou o necrose do tecido econômico.
Após o quantitative easing, a liquidez assegurada pelos bancos centrais permaneceu, em grande medida, represada na posse dos controladores da riqueza velha, o rastro real e financeiro da riqueza acumulada. Os controladores da riqueza líquida rejeitam a possibilidade de vertê-la em criação de riqueza nova, com medo de perdê-la nas armadilhas da capacidade sobrante e do desemprego disfarçado nos empregos precários com rendimentos cadentes.
Uma “Análise da Carga Tributária no Brasil” publicada em 2015 pela Receita Federal apontou a maior incidência sobre bens e serviços, que representam 51,02% do total da carga tributária. Esses tributos incidem sobre os gastos da população na aquisição de bens e serviços, independentemente do nível de renda. Pobres e ricos pagam a mesma alíquota para comprar o fogão e a geladeira, mas o Leão “democraticamente” devora uma fração maior das rendas menores.
Já os tributos incidentes sobre renda contribuíram com parcos 18,02% para a formação da carga total, enquanto os impostos sobre o patrimônio representam desprezíveis 4,17%, superando apenas os tributos sobre transações financeiras, que contribuem com 1,61% da carga tributária.
No liberal EUA aproximadamente 45% da carga tributária incide sobre a renda, lucros e ganho de capital e menos de 20% sobre bens e serviços. Na desenvolvida Dinamarca a participação da tributação sobre renda, lucros e dividendos chega a quase 65% da carga.
Comparações de carga tributária devem ser feitas com cuidado, mas os dados não deixam dúvida de que o Brasil ocupa o pódio na disputa entre as estruturas tributárias mais regressivas do mundo.
Professor titular do Instituto de Economia (IE) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É autor dos livros “Os Antecedentes da Tormenta”, “Ensaios sobre o Capitalismo no Século XX”, e coautor de “Depois da Queda, Luta Pela Sobrevivência da Moeda Nacional”, entre outros.
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