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Operações policiais no RJ

Paulo Storani: Desconstruindo a narrativa em Segurança Pública

Estamos avaliando um cenário onde temos uma polícia atuante contra uma criminalidade que não pode ser desconsiderada da equação

por Paulo Storani em 25/04/21 11:53

Mais uma vez o STF foi provocado para tratar de questões que deveriam ser conduzidas pelo Ministério Público. Trata-se da ADPF 635, relacionada à letalidade policial. Por princípio, respeito a opinião das pessoas e, por isso, avoco o direito de discordar quando as ideias partem de premissas que considerem somente uma parte conveniente da realidade, como aquelas que fundamentaram a ação. Portanto vamos aos fatos: O Rio de Janeiro é o Estado com segunda maior taxa de letalidade policial da federação (10,5/100mil), perdendo para o Amapá (14,4/100mil), é o segundo onde mais morrem policiais militares (0,9/100mil), onde mais se apreende fuzis de assalto (505 em 2019), estimado em 3.500 unidades nas mãos de uma criminalidade organizada e violenta, responsável por taxa de homicídio doloso na ordem de 23,2/100mil (19% menos que 2018), que parece não preocupar os mesmos que criticam a letalidade policial. Então, estamos avaliando um cenário onde temos uma polícia atuante contra uma criminalidade que não pode ser desconsiderada da equação ao promover uma análise minimamente séria.

Proponho considerar três aspectos sobre o tema. O primeiro refere-se à profissão policial militar, ocupação de alta complexidade que exige de seus integrantes conhecimento, habilidades específicas, preparo físico e psicológico que possibilitem perceber situações diversas em ambientes voláteis, analisar as circunstâncias ambíguas que envolvam todos os atores, elencar múltiplas alternativas de intervenção, projetar cada uma avaliando suas prováveis consequências, escolher a mais conveniente, a de menor risco ou dano, estabelecer o momento mais oportuno e, finalmente, agir com bom senso e equilíbrio, comedindo os meios e a força para que sejam proporcionais à resistência encontrada, esperando que o determinado problema seja plenamente solucionado. Isso é o que a sociedade, especialistas, juristas e jornalistas esperam de um policial, contudo, trata-se de um ser humano. Temos em nossa sociedade pessoas com atributos para alcançar estes níveis de exigência? Estamos dispostos a pagar por isto, se eles existissem? Verificamos, aqui, um grave problema de nosso país, que não prepara sua população para as exigências da própria sociedade.

Ato da ONG Rio de Paz contra a violência no Rio de Janeiro. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

O segundo aspecto diz respeito aos padrões de comportamento edificados ao longo de décadas, amparados pelos valores e costumes compartilhados, que se manifestam nas diversas formas de convivência social. Assim, podemos constatar que criamos um ambiente de desrespeito e de impunidade que serve de estímulo para os violadores, em razão de normas de convívio – leis – condescendentes, tolerantes e permissivas, legisladores descompromissados com o preceito fundamental da segurança, políticos corruptos e corruptores, e um judiciário cada vez mais flexível em suas interpretações, consolidando o sentimento de que tudo é permitido, e se for descoberto nos malfeitos basta se defender com as inúmeras lacunas da lei, e se for condenado e ter recursos basta recorrer ao STF, e se for preso será por pouco tempo. A própria sociedade forjou a criminalidade que a aflige, por isso figuramos como um país leniente com o crime e a corrupção.

O terceiro aspecto, a incompetência dos chefes do Executivo. Ao longo dos últimos 35 anos, eles se limitam a investir em políticas eleitoreiras de efeito de curto prazo – mais polícia ou polícia nenhuma – para solução de um gravíssimo problema, que só poderá ser solucionado no médio e longo prazo, com um complexo de medidas de prevenção social das diversas formas de violência e de crimes, capazes de produzir consequências que não serão alcançadas em seu mandato, portanto, sem efeito eleitoral. Eis o problema.

Concluindo, a história do Rio de Janeiro já demonstrou que toda vez que a polícia foi retirada da equação, deixaram satisfeitos os intelectuais de toda ordem, mas o crime e a violência aumentaram. A solução, então, poderia vir do que nunca foi realizado, um profundo ajuste da conduta policial, com anuência da sociedade, definindo seu mandato; mudança qualitativa do ordenamento jurídico penal e de execução penal, que devem ser ágeis, justas e, sobretudo, duras; e o início de ações de intervenção social preventivas, consistentes e permanentes. A convergência progressiva dessas dimensões, chamadas de políticas públicas, tem o potencial de criação de um ambiente mais harmônico e respeitoso. Sobre a ADPF, esperamos que o STF se limite ao que lhe cabe (julgar), evitando-se o que não lhe compete (governar).


Quem é Paulo Storani

Paulo Storani é ex-capitão do Bope da Polícia Militar do Rio de Janeiro e mestre em antropologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

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