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Na literatura kafkiana as máscaras caem e a realidade é exposta por sonhos

Após 138 anos do nascimento de Franz Kafka, a obra do escritor tcheco ainda compreende estruturas e comportamentos capazes de retratar o mundo de hoje

por Vitor Hugo Gonçalves em 06/07/21 09:52

Em um dia como hoje, mas em 1883, em Praga, à época regida pelo Império austro-húngaro, atual República Tcheca, encarnava-se uma das maiores referências da literatura moderna: Franz Kafka.

Compreendendo a alienação e a brutalidade por intermédio da psique humana, Kafka pode ser interpretado como o correspondente mais análogo ao impulso fantasioso da vida, os sonhos – utópicos ou não –, responsáveis legítimos pela projeção e construção de diferentes mundos e sociedades.

Em um breve trecho de seu diário, o autor afirma que “visto da perspectiva da literatura, meu destino é muito simples. O impulso de representar minha vida onírica deslocou todo o resto para um plano secundário, que definhou assustadoramente.” Sua escrita, então, contempla uma exímia junção do imaginário com o concreto, no qual a realidade, massacrada por construções sociais, expõe as desigualdades entre julgamentos.

Na obra “A Metamorfose”, publicada em 1915, após a icônica passagem de transmutação de Gregor Samsa em um enorme inseto, Kafka reproduz nas falas da irmã caçula um discurso repleto de repulsa, envolvido por nuances de angústia e dor psicológica. Essa impactante definição das personagens, da ambientação e dos discursos reflete, justamente, a genialidade do escritor em contornar a crítica direta, privilegiando a literatura sobre as estruturas de convívio humano – nesse âmbito, Kafka flutua entre pautas que vão da política ao estabelecimento de padrões estéticos, passando por contextos econômicos e interpessoais.

A compaixão externada no início do livro, ancorada na imagem pura da irmã, altera-se, em um curto período, em sentimentos de ódio e não aceitação, representando a volatilidade sentimental e as máscaras sociais:

Gravura de Kafka feita por Jan Hladík.
Gravura de Kafka feita por Jan Hladík. Foto: Reprodução (Creative Commons).

“Eis que, ao aproximar-se dele com o objetivo de alimentá-lo, o faz com a ojeriza à sua exteriorização atual e com esperanças de que o irmão volte à condição humana, chegando ao extremo de provocar sua própria morte, através da dor psicológica e da debilidade física impregnada nele por aquela situação: – Ele tem que ir embora! – gritou a irmã. – É o único jeito, pai. O senhor precisa se desfazer da ideia de que aquilo é Gregor. Acreditar nisso, durante tanto tempo, tem sido a nossa desgraça. Como pode ser Gregor? Se fosse, há muito tempo teria percebido que seres humanos não podem viver com um bicho como aquele. E teria partido por conta própria”.

Não é à toa que, passados mais de 130 anos de seu nascimento, ainda empregamos a expressão ‘kafkiano’ para expressar, conforme esclarece o Aurélio, um ambiente de pesadelo, de irrealidade, de angústia e de absurdo; diz-se do que, no âmbito burocrático ou na civilização atual, se afasta da lógica ou da racionalidade.

Do negacionismo à tirania, da intolerância à indignação e da ascensão às mazelas sociais, Franz Kafka trouxe ao mundo a experiência do real por intermédio do infinito ficcional, e fez da sua própria vida literatura.

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