Nuances do federalismo fiscal

Nuances do federalismo fiscal


Recentemente, nas redes sociais do presidente, foram divulgados alguns números a respeito do volume de recursos que foram direcionados pelo Governo Federal aos estados, municípios e a população brasileira no ano de 2020. Esta postagem gerou muitas dúvidas.

O referido imbróglio trouxe a necessidade de explicitar algumas questões chaves do nosso federalismo fiscal, destrinchar os números divulgados e o contrapor com o outro lado da moeda – a fonte destes recursos.

Primeiro é preciso entender que, conforme o art. 18 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), nossa organização político-administrativa compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Também, é preciso compreender que a alocação dos recursos públicos é realizada de forma descentralizada.

Um exemplo bem claro desta descentralização pode ser observado no caso da educação pública. A CF/88 explicita no artigo 211 que “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino”. Assim, por exemplo, os governos municipais atuarão na educação infantil e fundamental, já os governos estaduais atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.

Enquanto que o artigo 211 da CF/88 explicita as responsabilidades de cada ente quanto a alocação dos recursos públicos, o artigo 212 explicita a sua fonte de financiamento, ou seja, a União, os estados e os municípios reservam parte da arrecadação própria e os redistribuem entre os entes da federação de modo a atender as necessidades previstas no artigo 211.

Assim, é natural que parte dos recursos arrecadados diretamente pela União, sejam repartidos com estados e municípios, como também é natural que parte dos recursos arrecadados pelos estados sejam repartidos com seus respectivos municípios.

Assim, considerando este resumido e breve exemplo, não podemos olhar os repasses que o Governo Federal realizou para os governos locais, sem olhar para a composição deles, bem como para a origem dos recursos do Governo Federal.

Em termos de composição, nota-se que em 2020 houveram transferências constitucionais e legais regulares, ou seja, que são realizadas anualmente por força da lei, como também houveram transferências extraordinárias para mitigar os efeitos da pandemia. A de se destacar também que o Governo Federal chamou de “repasses” a suspensão do pagamento da Dívida dos estados com a União (R$ 32,5 bilhões), bem como o auxílio emergencial aos indivíduos em situação de vulnerabilidade (R$ 293,8 bilhões).

Do volume total de recursos (R$ 847 bilhões) divulgados pelo Governo Federal como forma de “repasses” em 2020, apenas R$ 33 bilhões (4% do total) foram relacionados as demandas de saúde para combate à Covid-19, valor este que foi distribuído entre todos os estados e municípios brasileiros.

As transferências no âmbito do apoio federativo para mitigação dos efeitos fiscais da pandemia (Incisos I e II do art. 5º da LC 173/20 e Lei 14041/20) foram de R$ 75,1 bilhões, o que representa 9% do total divulgado.

Além disso, outros R$ 293,8 bilhões foram pagos aos indivíduos brasileiros que, diante dos efeitos econômicos gerados pela pandemia, se encontravam em situação de maior vulnerabilidade. Este volume de recursos representou cerca de 34% do total divulgado pelo Governo Federal.

Mas além de entender a composição do número divulgado, é importante conhecer o volume de recursos arrecadados em forma de tributos pelo Governo Federal em 2020 e compará-lo com o volume redistribuídos entre as unidades federadas, principalmente aqueles recursos que são distribuídos por determinação constitucional e legal. É importante separar o que é transferência corrente (constitucional e legal) do que é demanda extraordinária decorrente da pandemia.

Considerando apenas aquelas receitas que são administradas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, em 2020, o Governo Federal arrecadou R$ 1.426 bilhões, deste valor, apenas R$ 233,7 bilhões foram transferidos para estados e municípios a título de transferências constitucionais e legais – ver tabela abaixo.

Assim, além da divulgação dos referidos repasses, a divulgação da sua efetiva composição, bem como a distribuição da arrecadação federal por UF traria mais transparência e informação para a população, além de explicitar melhor o papel da descentralização de recursos públicos.

Tabela: Arrecadação Federal e Transferências Constitucionais e Legais do Governo Federal para Estados e Municípios em 2020, por UF – R$ Bilhões

Transferências Constitucionais e Legais Arrecadação Federal Arrecadação – Repasses
MA 15,2 10,6 -4,6
PI 8,1 5,6 -2,6
AP 3,9 1,4 -2,5
AC 4,1 1,7 -2,4
TO 5,7 3,7 -2,1
AL 7,4 5,4 -2,0
RR 3,2 1,5 -1,7
SE 5,7 5,2 -0,5
PB 8,3 8,4 0,1
RO 3,8 4,0 0,2
RN 6,8 7,7 0,9
PA 13,9 15,2 1,3
MS 3,5 9,9 6,5
MT 5,1 14,5 9,4
CE 14,8 24,4 9,6
BA 22,4 33,1 10,7
AM 6,0 17,8 11,8
GO 7,3 21,6 14,3
PE 12,6 27,6 15,0
ES 3,8 23,8 19,9
RS 10,6 72,0 61,4
SC 5,9 69,4 63,6
PR 11,1 75,5 64,4
MG 19,8 96,9 77,1
DF 1,0 118,2 117,2
RJ 6,4 185,7 179,3
SP 17,3 565,7 548,4
Total 233,7 1.426,4 1.192,7

Fonte: Receita Federal do Brasil e Secretaria do Tesouro Nacional.

Compartilhar:

Relacionados