Mesmo após o fim da Segunda Guerra Mundial e a queda da Itália fascista e da Alemanha Nazista o impacto cultural destes movimentos políticos tem influência duradoura entre os movimentos de extrema direita contemporâneos.
por Aniello Olinto Guimarães Greco Junior em 30/08/22 12:07
E finalmente encerramos nossa jornada pelos termos frequentes no atual debate político, porém pouco compreendidos. Já discutimos os conceitos de direita e esquerda, de conservadores, progressistas e seus extremos, capitalismo, liberalismo e democracia e socialismo, comunismo e demais ideologias de esquerda. Neste texto analisaremos o conceito de fascismo e ideologias relacionadas.
A leitura dos textos anteriores, apesar de não ser essencial, pode contribuir bastante para o entendimento deste. Sugiro, caso não tenha lido, que retorne ao outros “verbetes” deste pequeno glossário antes de prosseguir neste.
Definir fascismo não é uma tarefa simples. Ao contrário dos demais termos, mesmo os especialistas no assunto divergem significativamente sobre o assunto. O único país que chegou a ter um governo que se definia como fascista foi a Itália de Mussolini, apesar de haver movimentos e partidos fascistas em outras nações no período entre guerras e durante a Segunda Guerra.
Contudo diversos outros governantes se inspiraram no regime de Mussolini e implantaram governos em moldes bem similares. O exemplo mais óbvios é o nazismo de Hitler.
Além disto mesmo após o fim da Segunda Guerra Mundial e a queda da Itália fascista e da Alemanha Nazista o impacto cultural destes movimentos políticos tem influência duradoura entre os movimentos de extrema direita contemporâneos.
Para dificultar ainda mais, em contraste com o liberalismo ou com o comunismo, o fascismo de Mussolini não é propriamente uma ideologia política ou uma filosofia estabelecida. Não é um pensamento sistematizado e organizado, mas sim um conjunto difuso de ideias, algumas contraditórias com outras, formando mais um sentimento do que um sistema de governo propriamente dito.
Por causa disto alguns estudiosos usam o termo fascismo apenas para o regime de Mussolini. Outros expandem o termo para os regimes ditatoriais de extrema direita contemporâneos ao Duce. Estas são visões que o fascismo foi um fenômeno histórico estabelecido, e já superado. Contudo outros acadêmicos defendem que existiria um fascismo perene, que sobreviveu ao fim da Segunda Guerra de forma similar ao neo-nazismo. Reformado, transformado, mas ainda fascista.
Por causa disto não apresentarei uma definição explícita de fascismo, mas tentarei contextualizar o termo com a sua história. Fracassarei quase com certeza e muitos conseguirão perceber o que eu penso quando falo fascismo.
Um dos principais ancestrais ao fascismo é o caudilhismo. O caudilhismo é um modo de governo bastante antigo, mas se estabelece como movimento político na América Latina do século XIX. Os movimentos de independência das colônias espanholas foram muitas vezes liderados por figuras carismáticas, normalmente de origem nas elites nacionais, quase sempre um militar. O caudilho é um líder que personaliza o estado ao redor de sua figura, e se utiliza de uma identificação do povo e do país ao redor de sua figura. O grande líder é a representação tanto do povo quanto do país.
Quando esta visão política atravessa o Atlântico e chega na Europa ganha as vestes de um ultraconservadorismo e de um forte anticomunismo. Se muitos caudilhos latino-americanos foram esquerdistas, na Europa o caudilhismo se torna claramente uma reação ao comunismo e a ameaça de expansão Soviética. Os maiores representantes deste caudilhismo europeu são Miklos Horty na Hungria e Francisco Franco na Espanha. Estes líderes ultranacionalistas viam na ideologia universalista do comunismo uma ameaça a soberania e autonomia das nações. Muito mais do que uma questão econômica, o que havia era um conflito entre duas visões históricas. Para os caudilhos a história seria um conflito entre os povos. Para o comunista, o motor da história é a luta de classes.
A ascensão de Mussolini na Itália ocorre na mesma época dos caudilhos húngaro e espanhol. Contudo a radicalização da retórica nacionalista e anticomunista atinge extremos com Mussolini. O fascismo italiano é uma declaração ao mundo de um Novo Império Romano, erguido pela força e pelo valor do povo italiano, sob o punho firme e decidido do Duce.
Além do nacionalismo exacerbado, do militarismo, do culto ao líder, e do anticomunismo o regime de Mussolini se baseia também no antiliberalismo, na negação dos direitos individuais, na criação de um estado de guerra constante contra inimigos externos e internos, e em um reacionarismo extremo. Tão extremo que chega a ser anticonservador. Para o fascista, os valores nacionais ancestrais foram tão corrompidos pelo liberalismo que seria necessária uma total ruptura com as tradições políticas e econômicas para que a nação italiana se reencontrasse com a sua essência.
Com isto temos uma ressignificação dos termos do que seria política, liberdade, partido, governo, povo, nação. O fascista vê a afirmação do indivíduo do liberalismo como uma forma de dividir a sociedade. As diferenças econômicas, entre patrão e trabalhador, não são importantes. As diferenças de etnia, de cultura, de grupos sociais são elementos nocivos a sociedade. As diferenças políticas precisam ser anuladas. As divergências de opinião, uma fraqueza a ser combatida. A economia deve se direcionar para a construção de uma nação forte, soberana, e unificada. A felicidade e a harmonia seria conquistada pelos fortes, pelos justos e pelos valorosos. Não existe igualdade, existe apenas a união pela supressão do diferente. Os fracos serão subjazes pelos fortes. E qualquer gesto de confraternização com os inimigos seria uma traição.
Apesar do forte caráter antiliberal e antidemocrático o fascismo mantém a posse dos meios de produção na mão da elite e não se preocupa com a questão de distribuição de renda ou de divisão de poder político com as massas populares. O que nos leva a uma curiosa contradição. Liberais e conservadores, assombrados com o fantasma soviético, acabam por tolerar ou até por simpatizar com os ideias fascistas. Em tal nível que grandes empresários ingleses e norte-americanos se unem aos movimentos fascistas durante a década de 1930.
Apesar de antiliberal, o fascismo era visto como uma forma de controlar ou impedir um movimento internacional de trabalhadores contra o capitalismo. O preço pago por esta tolerância inicial de burgueses conservadores com o fascismo não foi pequeno.
O nazismo é claramente um fascismo com esteróides. Mussolini é uma clara inspiração para Hitler. O culto ao líder como representação final do povo, a ideia de uma nação em estado constante de guerra, e a luta constante contra qualquer afirmação da diferença já é praticamente nazismo. Bastou a Hitler encontrar nos judeus o inimigo ao mesmo tempo interno e externo, e criar um mito pan-germânico para a criação de um nacional-socialismo.
Mas não um nacional-socialismo que buscasse a socialização dos meios de produção, e sim uma formação de uma identidade social alemã única, subtraindo todas as divergências. Ao ariano, plena liberdade. Mas não uma liberdade individual, e sim coletiva. Ao demais, o extermínio.
Atordoadas, as democracias ocidentais preferem tolerar os regimes nazi-fascistas e demoram anos para perceber que qualquer convivência pacífica com estados em guerra total era impossível. Apesar do discurso de ódio, de extermínio e de violência ser explícito, ainda não haviam os horrores do holocausto nem o imperialismo explícito para que as democracias percebessem que esta estranha ideologia era uma ameaça muito mais caótica e incontrolável que o comunismo soviético.
E não pense que isto não atingiu terras brasileiras. Aqui, como na Europa, tivemos os nossos fascistas. Até mesmo nazistas propriamente ditos. Mas principalmente os integralistas. Com discurso, estética e métodos muito similares aos dos fascistas italianos. Valorização da violência, do militarismo, do anticomunismo, e do reacionarismo de ruptura.
Somente na Segunda Guerra o jogo vira, e as democracias capitalistas e liberais se unem a ditadura stalinista contra o fascismo. A situação absurda criada por Hitler e Mussolini foi tamanha que esta aliança contraditória se forma. E felizmente vence, a custos humanos exorbitantes.
Se é verdade que após a Segunda Guerra nunca tivemos outros países com governos declaradamente fascistas, também é verdade que durante a Guerra Fria o bloco capitalista se utilizou de regimes militares ditatoriais e anticomunistas para combater a aliança vermelha. Mas estas ditaduras militares, tão comuns na América Latina na segunda metade do século passado, nunca se tornaram tão destrutivas e contraditórias quanto a Itália de Mussolini. Mesmo completamente antidemocráticas, faltavam as características de culto ao líder e da redução do indivíduo a um mártir do povo.
Com a queda do comunismo soviético tivemos um breve período de uma quase unanimidade liberal democrática. Mas as crises econômicas e os conflitos nacionais, junto com o fracasso do liberalismo em entregar uma sociedade menos desigual acaba por criar novamente uma massa de insatisfeitos. Novas crises econômicas e políticas geram novas correntes políticas.
Entre elas uma nova direita. Uma direita nacionalista, militarista, centrada em figuras carismáticas que desejam claramente se tornarem um símbolo não apenas do governo, mas do povo, da nação.
Uma nova direita que defende a necessidade de uma ruptura. Que acredita que tanto o comunismo quanto um liberalismo moral e de costumes corromperam a sociedade a tal ponto que uma reação violenta e revolucionária se faz necessária. É preciso que o cidadão de bem se torne forte e ativo, e combata as ideologias que dividem famílias, grupos e nações. Uma nova direita que acredita em inimigos que devem ser combatidos a qualquer custo. Uma nova direita disposta a morrer pela nação, pela liberdade, pelo bem estar do povo.
Mas também uma nova direita que se vê como democrata, mesmo que em um conceito um tanto distorcido de democracia. Que se vê como liberal, mesmo que conservadora. Revolucionária, mesmo que conservadora. Que acredita em um estado de direito, desde que não atrapalhe ao líder em missão de governar. Uma direita agora ultra-religiosa, mesmo que fazendo um malabarismo com os valores religiosos, transformando paz em guerra, solidariedade em medo.
Podemos chamar de fascismo, ou neo-fascismo. Podemos chamar de uma direita fascistóide. Podemos chamar de extrema-direita e recusar a rotulação de fascista. O que não podemos é ignorar. Ou repetir o erro dos liberais e conservadores de 90 anos atrás.
No mínimo os lemas são os mesmos. O uso de retórica integralista e neonazista se faz cada vez mais presente. Lá, na Europa, os tambores da Guerra começam a rufar. E de forma curiosa a extrema direita lá agora usa a bandeira russa. Aqui, falamos novamente em Deus, Pátria, Família.
Não nos esqueçamos de Roberto Alvin. Ou de como recebemos Beatrix von Storch. Dos 300 marchando na Praça dos Três Poderes. Ou ainda de como as células neo-nazistas estão saindo dos esgotos e ressurgindo como não acontecia por quase 100 anos.
Se não quiser usar o nome fascismo, nome tão desgastado, não use. Mas entenda que a ameaça aqui no Brasil não é nem nunca foi o comunismo. O Brasil sobreviveu ao integralismo e ao militarismo anticomunista, sem precisar de revoluções ou guerras. Superaremos agora com democracia. Pacificamente.
Este marca o fim do meu glossário. Não deixe que meu discurso final seja aquilo que determine como você lê estes textos. A minha análise foi no mínimo sincera. Mas creio que em especial nos conceitos mais simples, bem fundamentada. Agradeço quaisquer correções ou críticas, desde que desarmadas.
*Aniello Olinto Guimarães Greco Junior é servidor público concursado do Tribunal Superior do Trabalho, Aniello Greco passou tempo demais na universidade, sem obter diploma. Já fingiu ser jogador de xadrez, de poker, crítico de cinema, sommelier de cerveja. Sabe de quase tudo um pouco, e quase tudo mal.
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