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Eleições 2022

Uma defesa desapaixonada do voto útil

A escalada de violência já está produzindo vítimas, algumas fatais. Uma campanha de segundo turno pode vir a ser um espetáculo de horrores.

por Aniello Olinto Guimarães Greco Junior em 20/09/22 10:46

O voto útil é o maior tema deste final de campanha eleitoral. Existe uma real possibilidade da candidatura de Luis Inácio Lula da Silva vencer no primeiro turno, mas esta longe de ser uma certeza. A medida que o dia 2 de outubro se aproxima isto gera uma pressão sobre os eleitores da Terceira Via.

A maior tensão que acabou se construindo foi entre a campanha de Ciro Gomes e a campanha de Lula. O que é no mínimo surpreendente, se lembrarmos a proximidade entre os dois candidatos que existia até 2018. Ciro e Lula não são apenas os candidatos mais similares em termos ideológicos, como foram por décadas aliados históricos. E mesmo assim hoje a rivalidade entre Ciro e Lula só não é maior que a rivalidade entre Lula e Bolsonaro.

Sem em 2018 alguém me contasse que Marina Silva apoiaria Lula, e Ciro seria um crítico ferrenho a candidatura petista, eu iria ficar tão ou mais surpreso do que com o Alckim ser o escolhido como candidato do PT a vice-presidência. Vamos relembrar como foram os conflitos entre Ciro e Lula em 2018 para ver se conseguirmos entender o cenário atual.

A campanha de 2022 é bastante atípica, entre outros motivos por que as principais candidaturas já estavam consolidadas no mínimo desde junho de 2021. Em 2018, assim como na maioria das corridas presidenciais, havia ainda muita incerteza nos primeiros meses do ano eleitoral. Por exemplo, no início de 2018 ainda havia dúvidas acerca de qual seria o tamanho da candidatura de Bolsonaro.

Na esquerda havia uma articulação entre o PT, o PDT e Ciro Gomes para lançarem uma candidatura conjunta. Apesar das pesquisas eleitorais apontarem Lula como favorito, o antipetismo era um fator inquestionável. E Lula estava preso. Haviam sérias dúvidas se uma candidatura de Lula seria aceita pela justiça eleitoral. Dúvidas que acabaram se justificando meses mais tarde.

Neste contexto a dúvida era se o PT deveria lançar um candidato próprio ou apoiar Ciro para presidente. E se o nome PTista deveria ser Lula ou Haddad. E o dilema não se resolveu, levando a uma ruptura entre Ciro e o PT. Ruptura que se mostrou insolúvel até hoje. Relembro deste detalhe para esclarecer que até 2018 Ciro era um apoiador dos governos PTistas, sendo inclusive um crítico da Lava-Jato e um crítico do impeachment da presidente Dilma.

Com Ciro se candidatando pelo PDT, sem apoio do PT, o candidato adota como estratégia uma postura crítica aos antigos aliados, mas nada tão feroz quanto o discurso atual. A medida que o favoritismo de Bolsonaro foi se estabelecendo, Ciro adiciona a esta estratégia uma defesa do voto útil. A maioria das pesquisas eleitorais apontavam que Ciro era o candidato com melhores chances de vencer Bolsonaro no segundo turno. Muitos se convenceram a votar no pedetista com este argumento, inclusive este que vos escreve. Infelizmente não foi o suficiente para levar Ciro ao segundo turno.

Por quatro anos o PT teve que escutar críticas quanto a decisão de rejeitar Ciro, e não poucos apontavam nesta decisão a culpa da vitória de Bolsonaro. Por outro lado, ciristas escutaram por quatro anos a crítica de Ciro ter “indo para Paris” ao invés de apoiar Haddad no segundo turno. Ao meu ver ambas as acusações estão corretas. Ambos os lados erraram. Se isto foi realmente decisivo para a vitória de Bolsonaro, jamais saberemos. Sabemos apenas que desde então os dois maiores líderes da centro-esquerda nacional se tornaram adversários políticos.

 Na campanha atual Ciro adota uma estratégia diferente. Apesar de forte crítico de Bolsonaro, endureceu as críticas contra o PT e subiu e muito o tom. Além das duas críticas já presentes em 2018, a saber a corrupção petista e a manutenção do sistema econômico herdado de FHC, Ciro incluiu duas novas acusações. Em 2022 Ciro passa a acusar o PT de ser o culpado pelo surgimento do bolsonarismo e também o culpado pela violência política cada vez mais crescente. O termo lulopetismo foi substituído pelo termo bolsolulismo, criando uma equivalência bastante injusta entre Lula e Bolsonaro.

 Esta estratégia eleitoral acabou por criar dois fenômenos. Primeiro alguns apoiadores históricos de Ciro abandonaram o candidato, sendo o maior exemplo Tico Santa Cruz. Além disto um número crescente de eleitores de Ciro passaram a defender o voto nulo em caso de um segundo turno entre Lula e Bolsonaro. E o que parecia impensável passou a acontecer. Algumas pesquisas sugerem que esta havendo uma migração de votos de Ciro Gomes para Bolsonaro.

Cito todo este cenário não apenas para criticar as escolhas da atual campanha cirista, mas principalmente para contextualizar os motivos do atual embate entre a Turma Boa e os petistas. Pessoalmente eu preferia ver no Ciro uma atitude similar a de Marina Silva, mas o mundo é o que é. Temos que lidar com esta realidade.

Considerando todo este contexto gostaria de convidar aos eleitores de Ciro que ainda preferem um governo de Lula ao de Bolsonaro, e também aos eleitores de Simone que pensam da mesma forma, a refletir comigo: qual será o preço de termos um segundo turno?

Antes de tudo, eu não acredito que haverá um golpe por parte de Bolsonaro. Pelo menos não um bem sucedido. E também acredito que em um segundo turno entre Lula e Bolsonaro a vitória de Lula é quase certa. QUASE. E este é o primeiro custo de um segundo turno. Por menores que sejam as chances de uma virada de Bolsonaro, elas existem. Vencer no primeiro turno garante que Bolsonaro não será reeleito. Não teremos esta garantia em um segundo turno.

Mas este não é o único risco. O risco mais preocupante de um segundo turno é sobre como será um governo Lula a partir de 2023. A ocorrência de um segundo turno é uma oportunidade de Bolsonaro e o PL buscarem mais alianças além das já constituídas. Não é improvável que partidos de peso como o União Brasil acabem por apoiar Bolsonaro contra Lula.

Isto terá um impacto sobre qual será o poder político do bolsonarismo enquanto oposição. Mesmo sem Bolsonaro ser reeleito, ou mesmo caso ele seja preso, seu forte apoio popular fará do bolsonarismo um dos agentes políticos mais importantes nos próximos 4 anos. Uma derrota no primeiro turno enfraqueceria o legado político de Bolsonaro de forma significativa.

O segundo impacto que vejo em um segundo turno é a questão fiscal. Todos estamos conscientes dos 40 bilhões do orçamento público gastos de forma irresponsável nas vésperas das eleições para tentar quase que literalmente comprar votos para Bolsonaro. Sem falar nas medidas anteriores, como a PEC dos precatórios e o empréstimos para as empresas de energia elétrica, medidas eleitoreiras com impacto similar. Pagaremos o preço por isto. Não é nada improvável que outras medidas sejam feitas no mesmo sentido, com mais dinheiro público desperdiçado em um esforço populista. Acredito que nada na mesmo proporção seja factível, mas mesmo o desperdício de alguns poucos bilhões a mais já seria bastante nocivo.

E por fim temos a questão da violência política. A escalada de violência já está produzindo vítimas, algumas fatais. E o cenário parece estar piorando, e muito. Uma campanha de segundo turno pode vir a ser um espetáculo de horrores. E talvez até mesmo algo em maior escala, similar a invasão do Capitólio nos Estados Unidos. A chance de termos vítimas de um segundo turno é bem real.

E os efeitos de uma violência política exacerbada durarão além da campanha. Ainda hoje sentimos o efeito da decisão de Aécio Neves questionar o resultado eleitoral de 2014. Um segundo turno entre Bolsonaro e Lula será muito mais virulento do que foram as eleições de 2014 e 2018. Ainda dá tempo de evitar.

Não é fácil, nem divertido, nem bonito votar no menos pior. Mas voto não é torcida, não é algo que devemos fazer como o coração, por paixões e simpatias. É um cálculo concreto e objetivo sobre que país queremos para os próximos anos. Se você, como eu, percebe que apenas Lula e Bolsonaro tem reais chances nestas eleições, reflita: vale a pena termos um segundo turno?

*Aniello Olinto Guimarães Greco Junior é servidor público concursado do Tribunal Superior do Trabalho, Aniello Greco passou tempo demais na universidade, sem obter diploma. Já fingiu ser jogador de xadrez, de poker, crítico de cinema, sommelier de cerveja. Sabe de quase tudo um pouco, e quase tudo mal.

*As opiniões das colunas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews

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