Em um mundo tecnicamente fragmentado, a tarefa educativa de fomentar processos integradores e não aceitar reducionismos é essencial
por Cecília Leme em 17/02/21 11:18
Educar não é uma tarefa simples, pelo contrário, exige constante preparação profissional e convicção de que as transformações pessoais e sociais, apesar de difíceis e desafiadoras, são possíveis. Essa convicção se alimenta de uma perspectiva da educação como processo, caminho, obra de arte que vai se construindo e aperfeiçoando pouco a pouco.
Como educadora, alguns questionamentos me acompanham sempre. O que me motiva a permanecer na educação? O que obstaculiza uma inserção educativa mais acertada? Qual modelo político-pedagógico nutre minhas reflexões e práticas? Como enfrento o descaso político que ameaça destruir pilares educativos essenciais?
Por outro lado, também existem desafios educativos relacionados aos educandos, tanto no espaço escolar institucional, presencial ou virtual, como nos outros espaços onde acontece a educação. Como motivar e entusiasmar os educandos para a aventura da aprendizagem? Como educar no respeito às diversidades? Como fazer dos espaços educativos lugares de verdadeiro desenvolvimento cognitivo e ressignificação socioafetiva?
Para educar é fundamental colocar-se em uma atitude permanente de escuta e interrogação. As perguntas educativas não representam insegurança, pelo contrário, significam humildade pedagógica, postura imprescindível na tarefa de educar. O intercâmbio de saberes também se apresenta como uma característica educativa necessária, pois convida os educadores a se reconhecerem como aprendentes também. Isso faz da educação e do ato de educar um espaço/tempo de constante formação e qualificação.
Nunca estaremos suficientemente preparados enquanto educadores, sempre há algo que aprender e algo que desaprender. Uma ameaça atual para a educação tem sido a prevalência do funcionalismo nas instituições educativas, levando à supervalorização da técnica, da instrumentalização e das aprendizagens utilitaristas.
Muitas vezes, os centros educativos são obrigados a priorizar a preparação técnica para as exigências do mercado, deixando de estimular uma formação integral que eduque as pessoas para a vida e seus desafios. A instrumentalização educativa pode levar a uma inércia cultural e à negação da contribuição das humanidades e dos avanços da ciência para o desenvolvimento humano.
Na atual situação pandêmica, sobram vozes desatinadas e posturas políticas mal intencionadas que colocam em dúvida evidências científicas. Com isso, propostas sérias para o enfrentamento e a superação da crise sanitária são ridicularizadas e desprezadas. As desastrosas consequências desse negacionismo são evidentes e mancham de sangue nossa historia contemporânea.
Exemplo disso é o atraso para iniciar o processo de vacinação contra a Covid-19 no Brasil, o que tem provocado uma justificada indignação social. A negação dos avanços da ciência e o silenciamento das campanhas educativas para prevenção da contaminação viral são atos perversos. Outra ameaça à educação é o crescimento de uma perspectiva cultural que determina uma maneira de ser idolátrica e fragmentada. Essa perspectiva leva o ser humano a limitar-se ao seu próprio conceito e ao de seu grupo de pertencimento, o que pode desencadear um apego acrítico a instituições e modelos que oferecem uma ilusória estabilidade.
Tal postura gera e alimenta diferentes tipos de fundamentalismo, como religioso, político, cultural e de opinião. A hegemonia do pensamento único promove intolerância e discriminação contra as diversidades que nos conformam e nos enriquecem como coletividade. Igualmente, são vários os riscos pessoais que ameaçam a prática educativa e se convertem em desafios. Entre eles, podemos destacar a apatia, o desânimo, a prepotência, a impotência diante das dificuldades, o ativismo irreflexivo e o fatalismo que imobiliza e impede transformações.
Atualmente, a obrigatoriedade do distanciamento social, devido à pandemia, desencadeou um desafio educativo enorme em diversos países: descobrir quando e como iniciar o retorno às escolas, sem colocar em risco a saúde de estudantes, professores e equipes administrativas. Injusto seria responsabilizar os educadores pelos possíveis problemas, atrasos ou defasagens na aprendizagem durante a pandemia. Uma conversação aberta, séria e profissional, envolvendo educadores, gestores educativos, secretarias e ministério da educação é o caminho para buscar respostas para essa situação.
Os desafios não devem paralisar os educadores. Pelo contrário, muitas são as possibilidades que oferece a educação na atualidade. Em um mundo tecnicamente fragmentado, a tarefa educativa de fomentar processos integradores e não aceitar reducionismos é essencial. O desencanto e a insatisfação das pessoas, ou a descrença em transformações sociais e políticas positivas, podem se converter em oportunidade para novos pensamentos e renovadas metodologias educacionais.
É impostergável reinstalar o caráter utópico da educação, aquele que reconhece que a ação educativa, ainda que tenha limites, se alimenta de esperança e contribui para a formação e o crescimento das pessoas. Para que sejam o que ainda não são, mas que podem vir a ser. E para a geração de relacionalidades saudáveis, nos diversos espaços da convivência humana e planetária.
Todo país que almeje um verdadeiro desenvolvimento para seu povo e a superação das crises que impactam a atualidade precisa reconhecer a importância do trabalho dos educadores. Aqueles profissionais que, cotidianamente, assumem o maravilhoso desafio de motivar e acompanhar outras pessoas em suas aprendizagens.
A valorização da educação, através do reconhecimento dos educadores e a implementação de políticas públicas condizentes, não pode ficar para amanhã. Esse é o caminho para que a educação responda satisfatoriamente à sua vocação ético-política, de vislumbrar novos horizontes pessoais, sociais, políticos e econômicos. Horizontes possíveis, necessários e alcançáveis.
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