“A educação será portadora de esperança no crítico momento histórico em que vivemos, no Brasil e no mundo”
por Cecília Leme em 17/02/21 11:28
A pandemia provocada pela rápida transmissão e contaminação do coronavírus SARS-Cov2 vem questionando profundamente diferentes setores sociais, políticos e econômicos. Na realidade, a pandemia está tornando mais visíveis algumas crises que, de certa forma, estavam escondidas, legitimadas e justificadas. Por outro lado, a emergência sanitária, no Brasil e em todo o planeta, também está abalando fortemente as bases educativas que até então sustentavam as práticas de diferentes instituições educacionais e culturais.
A educação, como prática social, mantém uma estreita relação com os contextos políticos, econômicos, culturais e, atualmente, sanitários. Por isso, algumas ideias ou categorias relacionadas com o campo educativo ganharam holofote na atual crise da Covid-19. Uma delas se relaciona com as reiteradas campanhas sanitárias e educativas sobre o cuidado, em diversos países.
Aprendemos que o cuidado pessoal, familiar e comunitário é o caminho para prevenção da enfermidade que invadiu nossos corpos e nossa vida. Haveria que agregar a importância do cuidado social, aquele que é responsabilidade dos governantes e se materializa em políticas públicas, imprescindíveis para poupar vidas e impedir o colapso das unidades de atendimento à população.
Tais políticas deveriam implementar campanhas de prevenção da doença, passando por investimentos extraordinários no setor da saúde pública, e culminando com uma campanha de vacinação rápida e abrangente. Outra categoria medular nesses tempos pandêmicos é a resistência, que se traduz na necessidade de incorporar e suportar mudanças significativas em nossa vida pessoal, familiar e laboral, sem descompensarmos emocionalmente. Pelo menos até que cheguem as vacinas que, apesar do descaso e descrença de alguns governantes irresponsáveis, representam nossa esperança de vitória sobre o vírus.
Por outro lado, a pandemia também veio questionar nossas experiências de convivência, pois nos levou a um distanciamento social obrigatório, como a mais importante forma de combater a propagação do vírus e, consequentemente, da doença.
O que tudo isso tem que ver com educação? A pandemia nos levou a realizar transformações significativas na forma de ensinar e aprender. Os sistemas educativos tiveram que se adaptar e reinventar diante das muitas reviravoltas forçosas em nossos ritmos de vida e de trabalho, e na forma como nos comunicamos, convivemos, consumimos, nos locomovemos ou ficamos em casa.
Quase de um dia para outro, os centros educativos foram obrigados a implementar modalidades não presenciais de mediação pedagógica, com maior uso da internet para comunicação entre estudantes e professores. Ou pelo menos para aqueles que têm condições de acesso ao mundo tecnológico e não integram o grupo de infoexcluídos, expressão usada por Hugo Assamnn em seu livro Redes digitais e metamorfose do aprender (2005).
A pandemia obrigou a realização de ajustes nos programas e calendários, exigindo uma formação, por vezes improvisada, de educadores e gestores educativos para utilização de entornos virtuais de aprendizagem. No entanto, além das mudanças com relação à modalidade de ensino-aprendizagem, a pandemia também nos está convidando a fazer indagações mais profundas com relação aos espaços, tempos e modelos educativos.
Há aspectos e pilares educativos que não queremos delegar à parceria com as tecnologias, apesar de reconhecer que já não se pode pensar a educação sem essa parceria. As projeções afirmam que a pandemia nos obrigará a reinventar a economia, a forma de convivência entre as pessoas e com o meio ambiente, as relações entre países e alguns acordos internacionais, os vínculos empregatícios e os hábitos de consumo.
Será imprescindível, portanto, refletir também sobre a reinvenção da educação. Há quem acredite que, no período pós-pandêmico, vamos recuperar a normalidade educativa anterior, ou buscar uma nova normalidade educativa.
Sobre a nova normalidade que se anuncia para quando tivermos superado o colapso sanitário, Boaventura de Sousa Santos (2020) adverte que a pandemia da Covid-19 não representa uma crise essencialmente oposta a uma situação de normalidade anterior. Isso porque já vivíamos em um estado de crise permanente, não apenas financeira e política, mas também de organização da vida, da convivência e da sobrevivência humana e planetária. Para Santos, aquele estado permanente de crise, anterior à pandemia, não pode ser entendido como normalidade. O dia D e a hora H da educação é hoje e agora.
O momento atual representa uma oportunidade para revisões educativas profundas, com avaliações sérias e comprometidas, nos diversos níveis da administração política e educacional. Não para forjar normalidades ou novas normalidades. Pelo contrário, a educação que vai (re)nascendo neste tempo crítico deve recusar normalidades burocráticas e decisões políticas desastrosas de pessoas inconsequentes que nada entendem de educação.
O (re)nascimento da educação precisa romper com as práticas promotoras de uniformização da aprendizagem, aquelas que desconsideram as particularidades pessoais, familiares, afetivas, cognitivas, sociais, econômicas, culturais e territoriais das pessoas e instituições envolvidas no maravilhoso processo de aprender e ensinar.
Alguns grupos econômicos e determinadas facções políticas utilizam a educação como moeda de troca para alcançar seus interesses corporativos. É necessário lutar contra isso, para fazer da educação um território de cuidado e resistência, e um tempo/espaço para geração de aprendizagens significativas e de alternativas políticas e sociais promissoras.
Assim, a educação será portadora de esperança no crítico momento histórico em que vivemos, no Brasil e no mundo. A aprendizagem do cuidado, da resistência e da convivência nunca foram tão imprescindíveis para gerar entornos economicamente viáveis, socialmente equitativos, ecologicamente sustentáveis e culturalmente justos. Esta pode ser uma meta educativa para 2021, quando urge buscar novas aprendizagens e novos horizontes para nos reconstruir como humanidade e como planeta.
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