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Ainda é tempo de “negociar” com Maduro?

Que forças têm Brasil, Argentina e Colômbia de resolver as principais sanções que hoje pesam sobre a Venezuela? Poucas. França e Europa, talvez, por sua voz protagonista na geopolítica, mas quem precisa ser convencido mesmo disso é Joe Biden.

Em 19/07/23 19:37
por Coluna da Sylvia

Sylvia Colombo nasceu em São Paulo. Foi editora da Ilustrada, da Folha de S. Paulo, e atuou como correspondente em países como Reino Unido, Colômbia e Argentina. Escreveu colunas para o New York Times em Espanhol, o Washington Post em Espanhol, e integra os podcasts Xadrez Verbal e Podcast Americas. Entrevistou a vários presidentes da regão. Em 2014, participou do programa da Knight Wallace para jornalistas na Universidade de Michigan. É autora do "Ano Da Cólera", pela editora Rocco, sobre as manifestações de 2019 em vários países da regiõa. Vive entre São Paulo e Buenos Aires, enquanto viaja e explora outros países da Latam

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Curioso que tenha havido tanta celebração no governo brasileiro e tanto tambor midiático ante a notícia de que, em Bruxelas, uma reunião entre regime e oposição venezuelanos, Brasil, Argentina, Colômbia, França e União Europeia, chegou a um acordo para garantir eleições livres no país caribenho.

Esses líderes pediram ao regime que o pleito, a ser realizado em outubro de 2024, tenha acompanhamento internacional e seja “justo para todos, transparente e inclusivo”, além de contar com a “participação de todos os que desejam”. Na sequência, mais bondades foram sugeridas, como a suspensão de todas as sanções impostas hoje contra a Venezuela. Em troca, Maduro “apenas” teria de oferecer eleições livres. E a oposição, o trato de chegar a um candidato único escolhido nas primárias de outubro.

Até aqui, aparentemente, só boas notícias. Mas vejamos os detalhes, uma vez que, afinal, tudo é detalhe!

Que forças têm Brasil, Argentina e Colômbia de resolver as principais sanções que hoje pesam sobre a Venezuela? Poucas. França e Europa, talvez, por sua voz protagonista na geopolítica, mas quem precisa ser convencido mesmo disso é Joe Biden.

Os líderes que querem ajudar pedem que a votação tenha acompanhamento internacional. Bem, as anteriores não tiveram, exceto o de uma meia dúzia de países “amigos”, que só ratificaram o resultado _esperamos que Brasil e Colômbia não se prestem a essa tramoia. A Venezuela precisa de um grupo de observadores robustose que inclua organismos internacionais reconhecidos e independentes, como a OEA e União Europeia. Na semana passada, o líder do Congresso chavista, Jorge Rodríguez, disse que os europeus (“parentes dos conquistadores”) estariam fora.
Quando se fala de uma votação inclusiva, isso inclui o 25% da população venezuelana que está no exílio? A oposição exige que sim, o regime crê que quem saiu não tem voz. Bom, apenas aí, já se pode definir a eleição.

Mais, para que a oposição chegue a um candidato único, é preciso que eles sejam habilitados. Os três principais não estão, Henrique Capriles, Juan Guaió e María Corina Machado. Como eles vão disputar as primárias mesmo assim, é uma chance de o regime tornar suas candidaturas legítimas.

Ultrapassados esses imensos obstáculos, Maduro prometeria realizar eleições livres. Mas não se iluda. Ele já fez isso várias vezes. Seu modus operandi ao longo desses anos autoritários foi o de, a princípio, aceitar de boa a entrada em negociações, diálogos e conversas. Mas, uma vez aí, ele as estica até onde for possível. Até que, de repente, abandona o barco por um detalhe técnico ou por birra e nada ou muito pouco do que se tratou, de fato se cumpre.

Alguns exemplos?

Entre 2002/2003, houve a mesa de diálogo da OEA (Organização dos Estados Americanos). Na época, o secretário-geral era César Gaviria, o ex-presidente colombiano. Dessas mesas de diálogo, participaram representantes do governo e da oposição. Houve tantos desencontros que Gaviria anunciou a suspensão da mesa por “falta de vontade política” das duas partes.
Outra tentativa foi o grupo Boston, em 2002, uma comissão interparlamentaria convocada pela Assembleia Nacional e com apoio da OEA. O objetivo era revisar práticas legislativas e eleitorais entre lideranças norte-americanas e venezuelanas. Foi nessa ocasião que John Kerry iniciou uma tentativa de diálogo com Maduro, que também fracassou​.

Em 2016, ganhou força a campanha por um referendo revogatório, recurso que consta na Constituição e que permite à população aceitar ou não a continuidade de um líder até o fim de seu mandato. O governo, a princípio, havia topado conversar sobre a possibilidade, mas impôs à oposição regras impossíveis de seguir. Em outubro do mesmo ano, o Conselho Nacional Eleitoral (órgão chavista) suspendeu a convocatória para o referendo, alegando fraude por parte dos partidos de oposição em sua coleta por assinaturas. Nesta época, recrudesceram ainda mais os protestos de rua que haviam começado em 2014. Quando esses protestos se intensificaram, direcionando-se a uma marcha até o palácio de Miraflores (sede do governo venezuelano), Maduro pediu a intermediação do papa, que diluiu o aspecto violento das manifestações.

O ambiente turbulento e de tensão nas ruas continuou em 2017, quando governo e oposição concordaram em reunir-se em Santo Domingo, na República Dominicana, para discutir uma estratégia de paz. As diferenças internas foram tão grandes que o então presidente do país, Danilo Medina, se viu forçado a suspender a mesa.

Por fim, a atual mesa de negociações, a do México, andou algumas rodadas, até que o regime abandou-a em repúdio a extradição de um preso político ligado ao chavismo para os EUA
A partir daí, o regime reforçou os contornos mais autoritários que vemos hoje, com um sem-número de forças especiais atuando na repressao, a quantidade recorde de presos políticos, a eleiçao criminosa e ilegal que praticamente substituiu o Parlamento oficial por um paralelo, e mais de uma eleiçao de fachada de governadores e a presidencial de 2018, na qual Maduro saiu “vitorioso”.

É bom que Lula se proponha a ajudar para que as eleições na Venezuela ocorram de modo legítimo. A região se beneficiaria muito com uma Venezuela democrática e, mais que nada, os próprios venezuelanos, que sofrem perseguição, fome e exílio, entre tantas dificuldades. Só que essas eleições não podem ser “relativas”. Precisam ser justas, abrangentes, com contagem reconhecida. Ou, simplesmente, não serão nada, e estenderiam o predomínio chavista sabe-se lá por quantos anos

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